terça-feira, abril 19, 2005

Velha-Guarda (Ponha-se no seu lugar!)

Quem você pensa que é,
rapaz?!,
entrou sem pedir licença
como nem em bordel se faz,
não pediu bença a ninguém
nem fez,
ao menos,
um aceno com o chapéu,
quem você pensa que é,
rapaz?!,
vá atrás do seu mundo!,
quem sabe,
você volta um dia
trazendo mundos e fundos,
muitas folhas de história,
vitória e revés no fundo do olhar,
trazendo nos pés
regalos das estradas,
feridas de pedras e espinhos,
trazendo nas mãos
o calo que medra das bolhas,
que é feita a vida
com ancinhos e enxadas,
trazendo no coração
as primaveras vividas
e sinceras flores
de dores e amores,
trazendo marcas nas costas
de calçadas e esquinas,
mas com a fronte ungida pelo sereno,
poucas e discretas respostas,
mas a alma repleta de perguntas,
quem sabe,
rapaz,
seguindo sua sina,
você junta um monte de jardas,
não importa se retas ou tortas,
certas ou erradas,
e volta aqui um dia com calma
e sabendo onde tem o nariz,
aí,
defronte da porta aberta,
você faz um aceno
com seu panamá branco
e a Velha-Guarda lhe diz:
pode entrar!,
mas até lá,
sendo muito franco,
ponha-se no seu lugar!

segunda-feira, abril 18, 2005

Na bunada não vai dinha?!

Qual é,
na bunada não vai dinha,
só na minha?!,
vivem traçando o meu,
eu estou até
sentando de lado,
dormindo de bruços,
tenho mudado de cerveja
qual o pinguço da piada,
e nada,
e tome dor, coceira, ardor, brotoeja,
coisas de quem come
comida apimentada,
e logo eu que vivo de dieta,
pois me obriga,
me afeta a conjuntura,
e tenho tentado de tudo,
compressa, ungüentos,
figa, benzedeira, simpatia,
promessa, banho de assento,
e não jogo água fora da bacia,
que não sou do ramo,
tenho usado ervas, plantas,
emplastro, garrafada da Bahia,
e nada adianta,
nada me cura,
só me falta tentar
o boca santa da pilhéria,
que miséria,
não livram a minha cara,
nem me tiram do cadastro
apesar dos meus reclamos,
isso é tara,
pois ela é tão batida,
enrugada, esturricada,
que outra tão feia,
tão mal dividida
nunca mais foi fabricada,
e sequer posso dizer
que unindo as duas bandas
eu consiga fazer uma,
se tanto, faço meia,
e sem segundas intenções,
pois não sou chegado,
qual é,
na bunada não vai dinha,
só na mimha?!

Fado carioca

Pensei em fazer tango,
frevo, bolero, xote,
pra ser sincero,
devo dizer
que pensei até em rock
e que quase fiz um foxtrote,
mas,
na base senti um choque
e algo me disse
que romperia a mesmice
e faria um fado
que seria cantado
em festa, seresta e fandango,
inspirado,
é claro,
em outros fados caros
e velhos como a sé de Braga,
mas,
feliz, sem mágoa e cheio de luz,
um fado carioca
homenageando Matriz e Oswaldo Cruz,
entretanto,
o saldo foi o pranto
que correu pelo meu rosto
e o desgosto
que veio com a lembrança
que devia ser
d’algum’outra criança
lá da santa terrinha
porquanto não era minha,
e essa sensação espanta e choca!,
por essa razão,
fiquei confuso
e entrei em parafuso,
pois,
não sendo luso
e gostando tanto
de frango assado
e de feijão com arroz,
me vi recluso
tal qual o torresmo
na vitrina do botequim da esquina,
o do Joaquim do coentro,
e senti mesmo uma saudade
que nem cabia dentro de mim,
mas,
que me trazia à memória
a história de um velha cidade
e um cheirinho d'alecrim,
foi assim
que fiz est'outro fado,
nervoso,
angustiado,
ansioso por chegar ao fim!

Qualquer alquimia

Sou da farra, do copo, da boemia,
topo folia de dia, de noite,
de manhã, de tarde,
debaixo de sol ou de tempestade,
sob o céu ou sob o lençol,
quando me vem aquele afã...
aquela vontade...
o peito arde pela fuzarca,
aí,
dou um jeito e caio na gandaia,
e não preciso que ninguém me afoite,
por isso,
trago as marcas
de quem não receia algazarra,
de quem mete a cara na marra
e não teme entrar numa fria,
principalmente
quando se trata da maior alquimia,
aquela coisa de pele
que de repente
nos impele pra frente
atrás de um rabo-de-saia
e com insistência de pedinte
que suplanta um não,
se agiganta com um talvez
e não se encanta
tanto assim com um sim
a ponto de esquecer o sim seguinte,
prazer que só entende
quem não se rende,
está sempre de atalaia
e paga pra ver,
essa é a minha praia,
a vaga que me leva,
o vento que me enleva,
me enfuna a vela
e faz navegar no meio delas,
e não se deixe enganar
achando que todo dia
é dia de fortuna, de sereia,
vez em vez,
ela escasseia,
aí a porca torce o rabo
e acabo com baleia, arraia,
orca e sardinha,
mas,
caiu na minha rede é peixe,
é isso aí,
sou da farra, do copo,
topo qualquer folia,
e, com mulher,
qualquer alquimia!

Mangueira: fruto, verbos e advérbio

Cala forte em meu peito
teu jeito arguto,
teu modo singular
de mangueirar teu fruto,
de conjugar teus verbos
mangueirensemente,
e terna, eterna, intransitivamente,
Neumas, Zicas, Cartolas,
revelas emoção
de forma bela e peculiar,
verde e rosa,
e, orgulhosa, tu violas e cuícas;
na tua Estação,
de todas a Primeira,
és a única Mangueira
onde brota Jamelão
ao sabor das notas dos teus pandeiros,
e, bem cedo,
no alvor de cada novo dia,
hasteias tua bandeira
ao som dos teus clarins
desfilas por tuas ruas e ladeiras
com tua multidão,
partes pra mais uma jornada
de transpiração integral,
que nem só de inspiração e carnaval
fazes o enredo
do teu samba cotidiano,
e passas por tua Vila
que lá semeias
bambas da vida e da arte
o ano inteiro,
e ao teu lado,
maravilhado,
contemplo tua arquitetura,
a mais brasileira mistura
de templo e terreiro,
outra igual,
nunca vi!,
e mais confesso,
e se for traição,
o que não acredito,
pois o mais puro dos amores,
um querer tão bonito,
à minha Escola peço perdão,
mas,
não vou mais
guardar só pra mim,
sou apaixonado por ti,
Mangueira,
por tuas cores, tambores e tamborins!

sábado, abril 16, 2005

Sujeito prevenido demais

Que precaução danada,
de tão prevenido,
por dois vale o moço;
vive com as barbas de molho
e com a boca fechada,
assim,
mosca não entra
e não fica em apuros
por causa dos ouvidos das paredes;
como não é bobo,
antes de ter sede,
cava um poço;
joga verde pra colher maduro
e na missa se concentra só com um olho,
que o outro não tira do padre,
e desconfia até de vovozinha,
por baixo,
pode ser um lobo;
atiça o cão até que ladre,
que não morde o que late,
pelo menos,
enquanto ladra;
pra não dar sopa ao adverso,
se a vida lhe quadra um embate
e não há saída,
enfrenta com cautela
e apela pra caldo de galinha e água benta,
aliás,
seja o prego qual for,
não faz de modo diverso,
não prega sem estopa,
assim,
não se machuca;
por ser pato novo,
não lhe sai da cuca
a sabedoria do povo,
e não mergulha fundo;
como é um cara esperto,
quer estar certo
de que não vai pagar mico
nem levar um bico no futuro,
e, como será macaco velho um dia
e de velho morreu o seguro,
já não mete a mão em cumbuca;
já que afirma todo mundo
que gato escaldado tem medo de água fria,
ele não passa nem perto;
como um dia é da caça
e o outro é do caçador,
sempre teve pavor de caçada;
pra manter a disciplina,
combina o “dia de muito, véspera de nada”
com o “não se deixa pra amanhã
o que se pode fazer hoje”,
faz meia queixa
e come metade da maçã;
e, é claro,
prefere um passarinho na mão
do que dois voando;
vai devagar
porque quer ir longe
e a pressa é inimiga da perfeição;
com o hábito toma muito cuidado,
que ele faz o monge;
como ouviu falar
que um dia o cântaro fica na fonte,
nunca vai lá;
e não põe a carroça na frente dos bois;
mas,
como um homem prevenido vale por dois
e só era permitido
passar um de cada vez pela ponte,
aqui jaz agora esse rapaz!

Um dia só

Quero o prazer de curtir
um dia só
solto em ruas simplesmente abertas,
envolto simplesmente no desejo
de ir ou não ir,
de parar,
de voltar ou não,
sem os apertos da hora certa,
dos planos, do norte,
sem enganos, sem acertos,
um dia só
ao sabor de um vento
que seja obra do querer
cem por cento,
um dia só
pra fazer manobras repentinas
sem que a razão importe,
dobrar esquinas
sem saber se mudam a direção,
circular por uma reta
e descobrir,
sem espanto,
que não é a menor a distância
se não houver dois pontos,
e,
por pura implicância,
contrariar placas, sinais, setas,
que definam a contramão,
um dia só
pra rasgar mapas, guias,
e deixar que voem os pedaços do papel,
e contemplar o céu
sem o acinte daquele olhar
que vai buscar nas estrelas
só o passo seguinte,
e nem consegue vê-las,
um dia só
sem espectador, sem ouvinte.

sexta-feira, abril 15, 2005

Bacamarte

Do ditado diz a metade:
"de ... louco todos temos um pouco",
e ele só tem essa parte,
parece criança,
vive em Marte,
sonha acordado,
dança pelos caminhos,
fala sozinho,
gesticula,
perambula pela cidade
marchando qual soldado,
com seu fictício bacamarte,
enfrenta inimigos imaginários,
e, sobre ele,
há muitos comentários:
pra uns,
foi desengano na mocidade;
para outros,
anos e mais anos de estudo;
alguns,
contudo,
dizem que droga e bebida,
que o vício
fez dele esse farrapo;
em alguns papos,
ouve-se que foi traição da mulher,
e com o melhor amigo;
“do jeito que berra,
é veterano de guerra”,
afirmam os mais antigos;
há um cara que espalha
um caso na família,
a virtude perdida pela filha,
e diz até o nome: Amália;
afirma um fuxiqueiro
que foi a vicissitude,
teria perdido no jogo
todo o dinheiro;
sempre há explicação,
carma, fado, até ficção,
mas,
sobre Bacamarte,
nada a gente sabe,
não se sabe o nome,
dores, amores, idade,
de onde vem,
para onde ele vai,
sobre Bacamarte
sabemos pouco,
muito pouco,
sabemos só
que louco também faz arte!

quinta-feira, abril 14, 2005

Mulher carioca

Dá beijos no asfalto
aquele salto alto,
toma a rua de assalto
o vestido colado, decotado, bem curto,
da cor da pele são as meias,
e um surto de desejos
incendeia o verão,
você se equilibra, vibra, requebra,
alegra o coração da galera,
que o digam
Vargas e Rio Branco
felizes sob os seus pés,
também,
pudera,
aquilo é que é visão!,
e de visão
que fale o ceguinho
que quase fica louco,
e a confusão?!,
o burburinho no banco?!,
o ladrão sem ar
deixa o roubo pra lá,
por pouco,
não desfalece
nos braços do guarda,
que a essa altura
estremece na farda
e nada mais assegura,
que fale,
então,
a moça despeitada
de frente, de fundo e de fato,
e aqueles bem chatos,
que cheia de ira,
se vira,
e diz que você
é muito indecente,
mas,
tropeça no meio-fio,
saliente como nunca,
e ganha aquele apupo,
que venha a opinião
do grupo de turistas,
delegação japonesa
de olhos imensos
que não deixa
um assovio,
uma foto sequer
pra Vista Chinesa,
que o diga o chofer,
embora na contramão
não ouve um só palavrão,
ninguém insulta,
nem o polícia vê e multa,
pois você
prende a nossa atenção,
que fale o coração
do "doutor" da calçada
que perde a consulta
e quase
a própria pressão,
mas,
melhor diz
a garotada em procissão
que se desloca atrás de você,
agitada e feliz,
que prepara a alma,
se inspira e bate palmas,
e não bate à toa,
pois aquece a palma da mão,
mulher carioca,
você é boa demais!

Tolice

Desvias teus olhos
e teu peito
implora um olhar;
afastas tuas mãos
e teu coração
quer me tocar;
negas um chamado
e tua alma
quer me escutar;
evitas um beijo
e teu corpo
quer me tocar;
rejeitas minha pele
e tua boca
quer me roçar;
aparentas desprezo
e tua emoção
mostra me amar;
já te disse,
amor,
é tudo tolice,
dessa paixão
não vais escapar.

Eu quero

Eu quero dizer besteira
sem pagar multa,
eu quero falar
sem pensar na forma,
na norma culta,
eu quero dar rasteira em dia de branco,
pernada no banco,
e banda na conta de água, luz e gás,
e esquecer a prestação
que cada dia mais avulta,
eu quero usar trevo na orelha,
palito de esguelha na boca
e a unha do mindinho
bem grande,
eu quero aquela vizinha
louca e gostosa,
toda dengosa e parada na minha,
mesmo que seja só
por culpa do vinho ou do brande,
eu quero não ter dó da vovó
que caiu na mumunha do lobo,
eu quero ver
o Zorro fazer papel de bobo
diante do Sargento Garcia,
eu quero ver a patroa
fundir a cuca
e ficar maluca
porque botei o esporro em dia,
fui curto e grosso,
e cem por cento franco
ao falar de adultério,
eu quero levar a sério
romance com uma vadia
e ficar de amor até o pescoço,
eu quero andar pra trás
quando quiserem que eu avance,
tomar porre
sem ter alguém tomando conta,
criticando minha vida tonta,
eu quero que jorre paixão do peito
a despeito de ficar sujeito
à dor-de-cotovelo,
eu quero implorar, chorar, fazer apelo
quando estiver fraco, dividido
e me sentindo um caco,
eu quero ser aplaudido
quando for pego me iludindo,
e que acreditem
quando nego,
mesmo mentindo,
eu quero bater palma
pra maluco dançar,
eu quero poder perder a calma
quando alguém pisar no meu calo,
eu quero pegar um bloco de embalo,
sumir por aí
e nunca mais voltar!

Cabaré

Flores falsas,
ao perfume da valsa fria
se alia o traiçoeiro lume
do cuba, do uísque,
do vinho barato e tinto,
e se aduba a emoção,
mas pressinto
pétalas de porre
em ritmo de pranto
no derradeiro copo da madrugada,
entretanto,
insisto na dança,
que não resisto
à falsa aparência de paixão
que escorre qual enxurrada
por todos os lados,
cantos
e bocas,
persisto na louca esperança
de fazer parar os ponteiros,
de ser feliz a vida,
o tempo inteiro,
e na pista,
atrás do tapume de fantasia e fumaça
que embaça a razão e a vista,
todos esses pares
enganados como eu.

quarta-feira, abril 13, 2005

Culpa do terreno baldio

O que posso fazer,
a vida me tornou antigo,
por sorte,
disponho da lembrança
que carrego comigo,
a criança,
ser que virou sonho,
e o terreno baldio
daquela rua da Zona Norte,
numa certa manhã,
sem alarido, sem gritaria,
pulamos o muro,
uma tosca divisa,
e não havia cachorro
nem lá estava o dono
pra nos dar esporro e corrida,
e não havia outro perigo,
improvisadas as balizas,
inauguramos nosso estádio,
ouvindo no rádio a gaita do Ary,
que, aliás,
tocava bem perto dali,
era logo ali o Marcanã,
e a bola de meia, de borracha ou de couro
rolou e rolou e rolou,
e só parou
quando chegou o progresso,
certa vez,
foi chutada ao céu
por um chute esquisito
que deu o dono da bola,
sem ele não havia racha
e o garoto não queria ser goleiro,
no regresso,
acaso puro,
não tirou fruta do pé,
manga, goiaba, carambola,
não fez furo
em algum bonito vitral,
nem foi parar
no quintal da Dona Mimi solteira,
pois havia a casada,
gente muito fina
e mãe da Gisela,
a menina mais cobiçada,
aquela, a solteira,
megera de carteira assinada,
por alguma razão
que só Freud sabia qual era,
fazia coleção de bola de futebol
e só devolvia a mais fuleira já rasgada,
mesmo assim,
só no dia de Natal,
só nesse dia,
ela sorria...
dessa vez,
a bola caiu em cima de um moleque,
ele deu um jeito
e matou a bola no peito,
do peito levou ao chão
com classe e estilo,
no chão,
deu um drible desconcertante
e um passe perfeito,
coisa de craque recém-nascido,
esguio e elegante,
se tivesse ido adiante,
seria um Didi, um Ademir da Guia,
só neles igual elegância eu vi,
e havia baldios espalhados por aí,
eram campo, sede e concentração,
havia pelada
até na escuridão,
por isso,
vinham craques de todos os lados,
de muitos craques fui fã,
culpa do terreno baldio,
mas,
hoje em dia,
com tanta construção
e cabeça-de-bagre cheio de banca
jogando de tamanca e à bangu,
e o time na retranca,
com tranca, corrente e tudo mais,
só milagre é capaz
de acabar com a nostalgia,
só milagre
é capaz de preencher esse vazio
maior do que o do Maracanã
em dia de Fla-Flu!

terça-feira, abril 12, 2005

Cariocaturíssimo Lan

Quero dar um abraço
nesse garoto
que esse ano fez oitenta,
craque do poema em traços,
carioca da gema
que dispensa papel passado
e ainda acalenta
aquele sotaque maroto,
quero dar um abraço
nesse sujeito sambaixonado
(e em itálico tinha de ser),
que é desse jeito
que seu peito aquarela
e Portela,
que paixão imensa!,
faço também questão
de lhe dar um abraço
pelo feito especial,
o Nobel de Cariocaturas
com a Lanrdose da Mulata
(em itálico outra vez!)
que retrata
a poética abundância
dessa bela mistura nacional,
exuberância estética
na qual ninguém bota defeito
(e em itálico, como convém!),
obrigado,
cariocaturíssimo Lan,
por esse Rio de humor
que me inunda
com essa overdose de mulata,
obrigado,
cariocaturíssimo Lan,
por esse Rio de humor
que abunda em lordose
e me faz feliz na dose exata!

Rio Maracanã, sexta-feira, dia de feira.
Do seu fã, Luiz Moreira

Bloco da Saudade

Pra acabar com a nostalgia,
vem aí o bloco
que não aluga batuqueiro
nem organiza a bateria,
pois não precisa
que o mestre grite e apite
pra que ela se orquestre
com o sacolejo dos peitos
e o molejo do traseiro da madrinha,
bloco que não batiza ala
com apelido que tem jeito de mote
que embala festinha de cafona
ou nome de mascote de dona de puteiro,
bloco que não faz samba-enredo
qual manual que o produto não explica,
seja nacional ou estrangeiro,
bloco que seu tema não teoriza
em sinopse que beira o ridículo,
poética qual bula de remédio,
patética besteira qual currículo
de quem se faz de doutor
e não tem nem ensino médio,
bloco que se regala
de fazer folguedo sem favor ou subvenção,
pois não tem custo
nem tem medo
de atravessar o samba e o Rio de Janeiro,
por isso,
não tem diretoria,
dono, patrono, nem bamba honorário,
aí vem o bloco
que não carece de horário, dia e lugar,
nem de rei, rainha e pincesa,
que qualquer hora é hora
e a beleza é poder desfilar,
fazer do asfalto a pista
e pisar nele sem salto alto,
sem artistas, sem destaques com bustos nus
e samba apertado,
agarrado ao tapa-sexo,
bloco que não se produz
nem tem complexo de origem,
pois só tem operários do samba
que não fingem amar a folia
e sabem tocar o barco,
vem aí o Bloco da Saudade
pra acabar com a nostalgia
dos grandes Carnavais
que não estão mais
no mapa dessa cidade,
e, como era de se esperar,
vai desfilar
cravado de flechas musicais
atiradas com os Arcos da Lapa!

Prazer desmedido

Quando você crava
suas garras no meu peito
e escava minhas entranhas
com olhares, acenos,
gestos obscenos,
quando você abocanha
minha razão
com a sanha dos seus beijos
e desentranha minha emoção
e meus desejos
com as manhas da sua pele,
até que a minha me revele,
revele todo o meu tesão,
rompem-se as amarras,
sou inundado
por um prazer desmedido
que só pode ser sentido
por quem está apaixonado!

Malandro da Lapa

Já foi a Lapa a praia do malandro,
e muito tapa, rabo-de-arraia e rasteira,
capoeira era a tradição
e a arma predileta,
sempre usada
com a discreta distinção
de cavalheiros que duelam
e não apelam,
e o malandro gingava
com passadas assinadas,
parecia subir a ladeira
com uma taça de vinho
em cada mão,
e varava a boêmia madrugada,
bem penteado,
barba escanhoada,
malandramente aparado o bigode
e sublinhado por um prudente sorriso,
cá entre nós,
malandro que é malandro
não dá bandeira
dando gargalhada
nem sorriso franco,
a calça era de linho branco,
e marcada pelo vinco
feito com afinco
por passadeira particular,
o cinto era de couro bom
e assim o sapato creme claro e marrom,
bico bem fino,
e muito lustre pra cintilar,
a camisa de seda pura
era o requinte ladino,
que a seda navalha não talha,
e a cor era escura,
na cabeça o panamá
com ligeira inclinação,
que na sombra o olhar
fica muito mais denso,
o esmero do nó
na gravata importada,
do bolso do jaquetão
brotava o lenço grená
que esperava por elas,
as lágrimas dela,
e a flor na lapela,
ela não resistiria à oferta,
e,
nunca na hora certa,
ela,
salto bem alto, seis e meio,
vestido bem justo,
que o busto,
que o quadril
ameaçava romper,
mas não se atrevia,
a magia do decote,
que sabia ser gentil,
não em demasia,
a meia cor da pele
parecia um manto
pronto a repelir,
sem desestimular
carinhos precipitados,
cinta, ligas, ele presumia,
o casaco de arminho,
só para envolver
os ombros em mistério,
que o malandro
sempre decifrava,
luvas e bolsa de pelica,
o lume do cigarro
mantido a distância,
com elegância,
pelo charme da piteira,
que a nicotina
não podia macular os dedos,
aquele tom de batom,
sob medida para seus lábios,
e aquele perfume,
cujo nome o sábio malandro
tirava lá do fundo do baú,
e ele lhe oferecia a cadeira,
gestos típicos do paço,
o convite para dançar
era obra de um nobre,
o braço prendia a cintura
com a passionalidade
dos boleros fatais,
o coração vivia
o diálogo do corpo a corpo
e a orquestra se rendia
à galhardia dos metais,
por fim,
pouco antes
dos primeiros acordes do dia,
sobre o tapete carmim,
ele se despedia
com um ardente beijo na mão,
que demorava o bastante
para sugerir
que ainda não era
o derradeiro instante;
com a manhã,
vinha outra gente,
mas seu semblante
exibia o respeito,
que o malandro da Lapa exigia,
mesmo ausente!

Amigo

Nessa estrada,
é preciso meter o peito,
meu camarada,
que não há
parada nem volta
e não adianta
nem a mais santa revolta!,
nessa estrada,
meu irmão,
de tempo
perfeitamente infinito,
de espaço
infinitamente perfeito,
de tantos traços,
os chamados escritos,
e de tantos preconceitos,
preto, branco, pobre, rico, feio, bonito...
não pode ser desfeito
nem o mais estreito passo,
nessa estrada
que se desdobra
sob tantas sombras
que não são
necessariamente abrigos,
uma palavra sobra: amigo!

Sou humano

Sou franco,
gosto de tudo às claras,
preto no branco,
não banco nem aposto
se não puder pagar
e agüentar o tranco,
mas,
e nem precisava falar,
não sou ave rara,
que não sou de ferro nem perfeito,
de vez em quando,
me atrapalho e erro,
me embaralho
e meto os pés pelas mãos,
ou,
então,
apresento um senão aqui,
ali, um defeito,
vira e mexe,
por causa da emoção,
espanco a razão sem piedade
e fico sem proteção
por todos os flancos,
em outros momentos,
apesar da idade,
a vaidade me pega desatento
e me come pelas beiradas,
aí,
meu irmão,
me entulho de orgulho por nada
e faço o maior escarcéu,
em alguns instantes,
fico radiante
e me ufano de guiar meu destino,
e nem noto
que estou andando ao léu
e falando a esmo,
que acabei de tirar um fino
de um grande aperto,
o que fazer?!,
sou humano
e não consigo deixar de ser
de jeito nenhum,
e ser humano é assim mesmo,
apesar dos acertos,
o engano é o mais comum!

De bem com a vida

Estou de bem com a vida,
viver é muito bom,
viver é bom demais,
e nem é preciso muita arte,
pois sou parte da magia
que todo dia a vida faz,
amanheço
e respiro o recomeço
parido pela alvorada,
foi um sono profundo,
nada mais,
e agora me apraz
esse aroma de vida no ar,
e me inundo de prazer
pelo puro prazer de respirar,
e me toma a emoção
ao lembrar
e contar um sonho
inspirado na madrugada,
ao falar dos suspiros do coração,
que passou a noite em claro,
horas no mundo da Lua,
e de pé me ponho
pra aplaudir o canto do galo,
que me é tão caro,
e como é bom ouvir,
escutar o que te digo,
o que tua boca me diz
quando falo contigo,
e me fascina e fico feliz
quando me deparo
com teu olhar
e vejo que posso vê-lo,
retê-lo na minha retina,
que ver já é felicidade,
e de corpo e alma mergulho
na realidade desse dia
que me cai como uma luva
e me fantasia de Sol
ou de Chuva,
e me orgulho desse mar
que se encaixa em mim
e me cadencia o peito,
maré alta, maré baixa,
que foi feito sob medida,
pra me deixar em paz,
e vôo nas asas dessa ave
que a liberdade apregoa,
e assim eu vivo a vida,
viver é bom demais!

segunda-feira, abril 11, 2005

Ninguém desiste, não adianta

Ninguém desiste,
não adianta,
a força é tanta,
que a gente dá um jeito
nessa dor que amola,
que esfola o peito,
e o samba resiste
à saudade do poeta,
que em fevereiro,
sua poesia mais dileta
vai entrar na pista,
nossa escola,
e não vai perder o rumo
nem o prumo o sambista,
que o bamba verdadeiro
tem raça,
vai sempre na bola,
não toma gol de graça,
fazendo golpe de vista,
nem quando ela se embaça,
nem fumo na lapela
debela a chama do artista,
pois o show continua
com a força da vida,
das ruas,
e quanto mais sentida a dor,
mais ainda embala
mestre-sala e porta-bandeira,
e não há dó,
nó na garganta
capaz de calar o cantador,
de se opor a verso e melodia,
e o chorinho do cavaquinho
contagia pandeiro,
tarol
e tamborim,
e a amargura vira flama,
se inflama o passo do passista,
se espalha o canto do coração
por toda a Avenida,
e,
na fronteira da emoção,
aflora a magia da mistura,
sorri a tristeza,
chora a alegria,
recortes de alma irrequieta,
alma de poeta,
e dentro de nós a poesia,
sua voz,
que não se aquieta nem com a morte!

Como nunca tive identidade

Como foi normal,
não posso dizer
que o parto foi torto,
e nem deu
muito trabalho,
mas,
conforto em pau-de-arara
não dá pra ter não
que o saculejo é farto
e não pára um segundo,
todavia,
e não é gracejo
nem despudor,
a bolsa d’água
foi um estouro!,
molhou o couro
de meio mundo
e quebrou o galho
do radiador do caminhão,
antes do parto era Zé ou Zia,
depois,
virei José dos Santos,
o sexto filho vivo
de Maria dos Santos,
e denominação assim,
sem cinismo,
não que seja chinfrim
ou não tenha brilho,
mas,
não carece de certidão
passada em cartório
que é besteira
achar que há maneira
de não dar confusão,
faltei ao batismo
que no território
não havia igreja,
e não fui à crisma
nem à comunhão
por igual motivo,
vi cartilha um dia,
mas,
tão depressa
que tenho essa cisma,
a cobra
chamada cedilha
que manobra
e dá picada
e fica agarrada
no fundilho do tal de cê
e que nunca mais deu pra ver,
depois,
só a panela vazia
e a barriga
que faz a alegria
de verme e lombriga,
e coice e cavalo
de todos os lados,
e foice,
enxada e tanto calo
que cada dedo
de tão inhcado
parece até um pilão,
e tenho medo
quando coloco a mão
e toco e acarinho
que ralo e esfolo,
quando dou colo,
sufoco o tadinho
que me asfixia a aflição,
e, de sobra,
uma tosse danada
que não passa
com simpatia
que remédionão
dá pra comprar,
e germe, anemia,
epiderme desbotada,
cachaça
pra tratar do tédio,
crendice e velhice precoce,
e acho
que tenho tão pouca a idade,
acho,
como não tenho identidade,
convicção não tenho não!

Amor da Lapa

Amor da Lapa,
ponto alto do amor,
capaz de colher flor
entre ofensas e tapas,
no meio da dor mais intensa,
e que não dispensa
o beijo voraz,
exposto no asfalto
sob a luz do dia,
que finjo que não vejo,
que não invejo,
que me arrelia,
que não é o que a gente sonha,
amor pleno de arrojo,
sem pejo,
sem nojo,
amor disposto a superar vergonhas,
a se exibir em qualquer esquina,
a vomitar seus segredos
no chão do bar,
amor sem medo
de dilacerar a pele,
de fazer carícias ferinas
pra que o prazer se revele,
se satisfaça o desejo,
não é suave paixão
em leitos alvos e noites calmas,
sempre a salvo o coração,
é um querer a céu aberto,
que não tem momento
nem lugar certo,
é amor da Lapa,
e de sentimento tão forte
nem com a morte a alma escapa.

Carioca cem por cento

Carioca cem por cento,
moreno,
franzino desde menino,
desde pequeno
dando banda em pé-de-vento,
comigo é assim,
qualquer hora é hora
e não há tempo ruim,
crio um gato soçaite
que não mia,
“laite”,
o corredor lá de casa é polonês,
sou freguês das cheias do Rio
e já fiz até salvamentos,
entro no ar-condicionado
quando abro a geladeira,
sem nada pra gelar,
me congela,
incêndio na favela é lareira,
esquenta o nosso inverno,
terno só de madeira,
meu cachorro é quente,
um dia,
alegria da gente do lado de fora,
no outro,
do lado de dentro,
e sem sal e sem coentro,
chuto a falta de emprego no canto
e não entro,
chego junto do cheque sem fundo,
mas não me deixam
sequer fazer um remendo,
boto a mesa na rua,
numa boa,
e janto fora com a patroa,
as crianças estudam no exterior,
que a escola tá sem teto,
merenda e professor,
mas,
no domingo,
eu me vingo,
banho de piscina com a família
na caixa de 100 litros,
e não encho,
pra ninguém se afogar,
depois,
com aquela força danada,
vou ao Maraca,
e de geral,
e o futebol do Rio leva outra porrada!

sábado, abril 09, 2005

Na bunada não vai dinha?!

Qual é,
na bunada não vai dinha,
só na minha?!,
vivem traçando o meu,
eu estou até
sentando de lado,
dormindo de bruços,
tenho mudado de cerveja
qual o pinguço da piada,
e nada,
e tome dor, coceira, ardor, brotoeja,
coisas de quem come
comida apimentada,
e logo eu que vivo de dieta,
pois me obriga,
me afeta a conjuntura,
e tenho tentado de tudo,
compressa, ungüentos,
figa, benzedeira, simpatia,
promessa, banho de assento,
e não jogo água fora da bacia,
que não sou do ramo,
tenho usado ervas, plantas,
emplastro, garrafada da Bahia,
e nada adianta,
nada me cura,
só me falta tentar
o boca santa da pilhéria,
que miséria,
não livram a minha cara,
nem me tiram do cadastro
apesar dos meus reclamos,
isso é tara,
pois ela é tão batida,
enrugada, esturricada,
que outra tão feia,
tão mal dividida
nunca mais foi fabricada,
e sequer posso dizer
que unindo as duas bandas
eu consiga fazer uma,
se tanto, faço meia,
e sem segundas intenções,
pois não sou chegado,
qual é,
na bunada não vai dinha,
só na mimha?!