quinta-feira, março 27, 2008

Casaca e colarinho branco

Ponha a casaca
que você virou
ao sabor do vento
primeiro que soprou,
e nem foi banzeiro,
a peste é opaca
que a cor é o destaque,
o pesado cinzento
de cerimônia, banquete
e bilhete premiado
em sorteio de araque
que nesse meio
niguém tem receio
de rabo-de-foguete,
e cubra seu rabo preso
com o da veste
rubra de vergonha,
esparrame essa colônia
de gabo e menosprezo
que você diz
que nem em camelô
quem é teso vê
porque veio de Paris,
e veio só pra você,
e derrame
o que mandar a madame,
o cheiro
não vai abafar
o fedor infame,
nem o seu nem o dela,
nem o odor
de trem e metrô lotado
ao cabo de um dia de calor,
e só o lembrar me arrepia,
mais uma vez,
esqueça cravado na lapela
o escudo cravejado de brilhantes
da Confraria “Só Pra Inglês Ver”
com uma divisa
que é um esculacho:
“Abaixo a patifaria
e o vale-tudo financeiro”;
antes,
porém,
é preciso
passar no banheiro
e escovar bem escovados
o penteado de vender
imagem na tevê
e o sorriso de fazer
escambos e malandragem,
fabricados ambos
com uns elegantes apliques
e alguns chiques implantes,
e ponto,
você está prontinho
pra mais estanco e sacanagem!,
pra ser franco,
não sei se pareço
ou se sou manco e tonto,
mas,
caladinho
vou tomando na cabeça,
ah...
quase esqueço,
não esqueça o colarinho branco!

quarta-feira, março 26, 2008

Pudim de pinga

Após o retrós,
é o andar que revela
perna desobediente
em percurso
de viradela e corcovo
a dar com o pau
que a calçada está viva,
é o ovo cozido e quente
metido na boca
que inferna voz e discurso,
o bafo do pinguço
é de marafo
e alvoroto estomacal,
de quando em quando,
soluço e arroto,
e não é pouca a saliva,
dá pra domar
incêndio em favela
sem pensar no dispêndio
que do rescaldo
o saldo dá conta,
e há sujeito
que sem alça
ninguém carrega,
há o durão
que não se rende,
nega o porre
e morre negando,
mas,
quando mija,
mija na calça ou no pé,
há até quem exija
respeito e consideração,
é claro que é dedução,
meu caro,
que não se entende
o que ele fala,
há o que vira garanhão
e o que desvira,
há o machão aspa-torta,
o que diz palavrão
de dedo em riste,
o sem medo de ser feliz,
o que entorna
e maldiz sua caspa
e se torna triste,
míngua e se cala
e necessita de porta-voz,
há o que vomita
e dormita caído no chão,
há o submisso
e o inconformado,
o endinheirado e o teso,
o graúdo e pesado
e o sem peso e miúdo,
há o ético contumaz
e o que se compraz
de não ter prurido,
e de todos o mais patético
que é um pouco disso tudo
e faz um pouco de tudo isso,
por fim,
o apelido
na ponta da língua
de todos nós:
pudim de pinga;
e o mais curioso,
quando um bebum
fica furioso
com outro bebum,
aponta pro outro
e se vinga
chamando o outro de pudim!,
enfim,
já vi de tudo,
mas,
agora fico por aqui
que tá na hora de molhar o bico!

terça-feira, março 25, 2008

Pior que sarna, ziquizira e micuim

Por que você
não desencarna de mim?,
por que você não dá o pira?,
não agüento mais
me coçar tanto assim!,
e a rapeira é diária,
asseguro que você
dá mais cafubira
que ziquizira, sarna e micuim,
o que você dardeja
dá coceira maior
que de frieira
urticária e brotoeja,
juro que você
é um problema pior
que oxiúro, eczema e pereba,
tenha dó,
loureba,
você não pára,
se assanha na caradura
e me dá mais chanha
que secreção de potó
e mordedura de caruara,
é já-começa à beça
e me importuna mais
que todas que já senti,
mais que a de contato
com formigueiro, pixica,
pó-de-mico, mucuna e cabixi,
é tão braba a safreira
que arde
e fico em carne viva
como se num braseiro
me tivesse metido,
e o prurido desse encarne
não acaba
nem quando me unto
com medicamento, ungüento
e me trato
com simpatia anticoceira,
nem quando junto os três
e faço tudo de uma vez,
e fico sem alternativa
e a me coçar
de manhã, de tarde e de noite
que o açoite dessa quipã
me dá até insônia,
e me coço em cafua,
no aconchego do lar,
mas,
também
não faço cerimônia,
posso me coçar
na rua e no emprego,
na cara de cliente e patrão,
pra dar vazão à maldita,
e me coço na frente de visita,
seja homem, mulher,
criança, mocinha ou ancião,
e me consomem
irritação e nervosia,
e me roço
onde der pra roçar
se der pra coçar
aonde não alcança minha mão,
credo!,
jereré,
vê se dá no pé e me alivia,
leve esse uredo
pra outra freguesia!

quarta-feira, março 19, 2008

Não desperdice

Não desperdice
o que não se disse,
quando alguém se cala
pode muito bem
estar falando bem mais,
aliás,
quem não fala
não faz firula
e com a palavra
não dissimula
o que lavra
em seu pensamento,
por conseguinte,
seja ouvinte atento,
saiba escutar o silêncio
de olhos bem abertos,
quando
o silêncio fala,
fala bem mais
que milhões
de falares vulgares
cobertos dos óleos
de escorregar e confundir
que o falar
cede a vetos e pressões,
cede a peçonhas,
vergonhas e medos,
mas,
nada impede
o silêncio de contar
os mais secretos segredos,
saiba ouvir,
nunca desperdice
o que não se disse!

terça-feira, março 18, 2008

Deu bode

Bola Seis era esperto,
useiro e vezeiro
em falar abracadabra
e ia dando certo,
e vivia cantarolando:
“só deita e rola quem pode!,
só quem pode deita e rola!”,
mas,
desta vez,
nem chegou perto
que deu bode no jogo
e pegou fogo o circo,
e deixou o hirco
pê da vida o cabra,
Bola Seis
ficou em pé de guerra
e esqueceu até
que bom cabrito não berra
e quis ganhar no grito,
deu um berro aqui,
outro berro ali,
mas,
como não é de ferro,
após um pito sob medida,
e pra não virar bola da vez,
a figura adotou
postura malandra,
baixou a voz
e culpou uma tal de cassandra
que ninguém sabe quem é,
se é mulher ou amiga,
nem se é
com minúscula ou maiúscula,
por fim,
rematou assim:
“em boca fechada,
meu camarada,
não entra mosca!”,
e alguém perguntou:
“mosca ou formiga?”;
por garantia,
Bola Seis fez figa
e gritou com fé:
“Aleluia! Aleluia!”,
e de mala e cuia
na estrada pôs o pé
pra escapar da ingresia
e foi tramar trapalhada
em outra freguesia,
e foi sem escala,
e foi como uma bala!

quinta-feira, março 13, 2008

Coisas do vernáculo

Foi decidido agora
pela tropa da seção
que vai haver serão
e quem não topa
não é bem visto,
isto posto,
querida,
embora a contragosto,
acabei dizendo sim
que aqui defendo nosso pão
e vou ter de ir à luta,
assim sendo,
meu bem,
se achar necessário
ficar puta da vida
e culpar alguém,
não ponha a culpa em mim,
culpe o dicionário,
se inflame e o chame
de receptáculo sem-vergonha
por ter sentido tão indecoroso,
mas,
está decidido,
hoje tem serão
e não tem hora pra acabar,
agora,
quando
a terna avó materna
da nossa filha
tiver aquele acesso de fúria
que a deixa babando
e der espetáculo
na frente da família,
e me chamar
de mentiroso indecente,
vou ser vigoroso,
vou responder à injúria
com queixa e processo
e a vovó
vou botar no xilindró,
coisas do vernáculo!,
meu bem!

sexta-feira, março 07, 2008

A mão que a gente não vê

Levante,
mulher,
que o dia
já vai indo adiante
e não posso ir
sem pão nem café,
espante preguiça e queixa
que noviça
você não é mais,
mulher,
você já devia saber
que a mão
que a gente não vê
não deixa o carrilhão
sossegar nem dormir,
aliás,
já devia saber
que uma fração do dia
é pista importante demais
pra quem sabe
que não pode perder
a vida de vista
sequer por um instante,
pra quem sabe
que viver é não perder
um instante de vida sequer,
levante e diga presente,
mas,
diga da boca pra dentro
e que a convicção
não seja pouca,
mulher,
e siga em frente,
rumo ao centro,
ao sumo da questão,
que o mais relevante
não está na superfície
e a velhice
pode não ser o melhor,
mas,
a opção pode ser bem pior!