quarta-feira, dezembro 14, 2005

De um obscuro quarto

De há muito esquecido
num fundo de armário,
aquele bilhete premiado
que foi vendido
por algum estelionatário
numa calçada da Zona Sul
e que havia provocado
até então
gozação e gargalhada,
naquela madrugada,
completou o desassossego
do nego de idade avançada
que levou do patrão o azul
sem dó nem piedade
por razão de nada
e perdeu o só emprego
que tinha nesse mundo;
foi tal qual grito em falsete
berrado às pressas
ao ouvido de um mouco
por um louco vagabundo
que leu às avessas
o que nele estava escrito;
foi tal qual escada
entre risos oferecida
a quem está quase frito
na incandescência
de um último piso
e com um aviso:
saída de emergência!;
e uma escada autista
com pinázios invisíveis
e nenhum degrau à vista;
foi tal qual topázios puros,
mas insensíveis
e fartos de serem topázios,
que se diluíssem gota a gota
sem compaixão nem clemência
quando seguros
por aquelas mãos necessitadas
mas rotas e impotentes;
de repente,
uma rude flecha-de-parto
fez uma brecha
na quietude da madrugada
e foi ouvido um estampido
vindo de um obscuro quarto.