sexta-feira, setembro 09, 2005

Canta o cabra-cabriola

A rubra silhueta
do monstro de fogo
espalha pela caatinga
milhas e milhas de brasa,
abrasa os grão da ampulheta
e estremece homens e casas,
uma gota pinga,
lágrima,
e se afoga no chão seco,
por léguas distantes,
ouve-se o seu tropel
e o roçar das poeira
em suas ventas,
todos sentem seu olhar ressecado,
suas garras incandescentes
forjando o ar sufocante,
sua alma sedenta
e o fogaréu em seu rosto,
em contraste com o azul do céu,
a beata reza,
o vigário exorciza a igreja,
a mulher a cruz beija
e o cabra-macho abraça o chapéu,
o silêncio só é rompido
por gemidos, choros e gritos,
pelos soluços do peito aflito,
as vacas não mugem,
os galos não cantam,
os cães não latem,
as aves não solfejam,
só os cavalos relincham,
mas ninguém os ouve,
e o repentista não emenda o verso,
abre-se,
então,
uma estranha fenda
nas cadentes entranhas
desse escaldante universo
e emerge um dia calcinado
no Nordeste recém raiado,
e mirra outra criança,
estufa-se outro umbigo,
resseca mais outro poço,
envelhece outro moço,
enlouquece outro amigo,
derrete-se a esperança,
esturricada a viola,
canta o cabra-cabriola.