sexta-feira, setembro 09, 2005

Sou brasileiro do Rio de Janeiro

Sou um curupira,
engano a mira do assaltante
que mente a minha pista
e vou adiante no asfalto quente,
ele acha que andei pra trás
e me caça pelo retrovisor,
e me perde de vista,
e lá se vai o assalto,
sou um caipira
que não é do interior,
não falo “uai”,
mas falo “nós vai”,
não falo “ué”,
mas falo “nós é”
e outras coisas mais,
e tem mais um detalhe,
teso,
sou um encalhe feio,
mais um Zé bem chué,
e pai, filho,
irmão, primo,
arrimo de outro Zé,
sabe como é que é,
mas,
quando tô cum grana,
eu brilho e não vou preso,
sou dotô, bacana e coroné,
e ando cheio de mulhé,
sou Macunaíma,
sou quem conspira
e não prima pela retidão,
sou quem anima trapaça,
arruaça, pirraça e lambança,
mas, também,
sou quem dança,
transpira, se amassa
e vai na raça
e no embalo da multidão,
a meu jeito,
sou herói,
que o que me vai no peito,
onde me dói o calo,
só eu sei,
enfim,
sou assim,
obra da misturação nacional
e cobra criada,
nem muito bem, nem muito mal,
e o jeito é levar a trapalhada,
domingo,
pela manhã,
sacristão na catedral,
depois,
feijão com arroz,
e, no Maracanã,
quando a bola rola,
berro, brigo e xingo,
sexta-feira,
vou ao terreiro,
macumbeiro de primeira,
e sou mestre-sala no Carnaval
sem escola predileta,
se for necessário,
sou avarento,
não como
e tomo tento da dieta,
fico atento ao negócio
pra meu sócio
não me fazer de otário,
e eu sou até ateu
quando banco o intelectual
pois o assunto é a questão social,
mas,
como não quer
que eu me zangue,
minha mulher
não sai de junto de mim
e diz que sou rei,
e, quanto mais amiúde
que sou rei ela diz,
mais me engana e explora,
mais devora minha grana,
e eu sei,
mas,
mesmo assim,
me acho o tal e sou feliz,
sou Rio de Janeiro no sangue,
no tempero que ponho no grude
pra melhorar o sabor,
no molho que boto em tudo que faço,
na pinga que traço
depois de dar o do santo,
na loura gelada
que bebo pra combater o suor
e arrefecer o calor,
no meu canto
que ri, goza, lamenta e chora,
no passo que ginga tanto
e enche de espanto
quem vem lá de fora,
com meu jeito simples e rude,
esbanjo carinho,
seja qual for o caminho,
me arranjo e vou fundo
seguindo a lei do jeitinho,
e evitando o pior,
e não fecho o olho nem dormindo,
sou brasileiro do Rio de Janeiro
e sempre fiz o que pude,
e, se for melhor,
vou seguir fingindo
que o mundo inda me ilude!