sexta-feira, setembro 09, 2005

Não quero passar em branco, em preto nem em mulato

Não quero passar em branco,
em preto nem em mulato,
estou farto de ser franco e aberto,
de ter que ter tato
e de ter
que ignorar
os outros quatro,
de ter que fazer o mais certo,
chegar bem perto
e não conseguir por um triz,
e o prêmio de consolação
é saber
que alguém foi mais esperto
e que sou um marco,
passei pela prova sem pecha,
marco é uma ova!,
perdi o saco de ser reta,
de ser flecha,
quero ser curvo e arco,
não quero ser claro
quando me sentir turvo,
nem arrimo, amparo,
quando estiver um caco,
débil, frágil, fraco,
estou cansado de tanta magia,
de tanto mágico de araque,
de omelete sem quebrar ovo,
de democracia de urna
que nos mete na furna
e só vamos falar de novo
quando houver outra eleição,
estou farto
de universitário sem ensino básico,
de deflação de diário oficial,
de saúde sem grude e sem remédio,
de ludopédio com craque
que joga um bolão no noticiário do jornal,
no gramado,
mata com o joelho e com o artelho
chuta a bola lá no alambrado,
estou cansado
de Carnaval sem povo,
de cara de fraque
que nos ilude
e guarda o coelho na cartola,
quero ser incoerente
e não ter que dar explicação
se me fizer ficar contente,
não quero ser feliz
se for dentro de um certo padrão,
não quero ter que ficar no centro
pra manter um direito ou não perder a razão,
nem ficar sujeito a emoção e prazer
seguindo normas e costumes,
não quero ser igual a você,
se você se conforma
e esconde o ciúme,
não quero esquecer a desilusão
nem calar meus queixumes,
quando me sentir imundo,
não quero cobrir meu odores
nem melhorar a aparência,
passando essência e perfume,
nem dissimular o bafo de cerveja
quando bêbado e no fundo do poço,
não quero dar um beijo
quando minha vontade
for dar um tapa,
quando o coração estiver vazio
ou se roendo de desgosto,
não quero essa capa de felicidade,
esse sorriso no rosto,
não quero fazer um elogio
quando estiver doido pra baixar o sarrafo,
não quero ter que usar garfo e faca
quando a mão estiver louca
pra se lambuzar com a coxa de galinha,
não quero sua ladainha, seu sermão,
sua palavra de conforto,
quando seu peito
estiver mais morto do que o meu,
enquanto não estiver entortando o seu,
quero ser liberto
pra caminhar o tanto,
o quanto eu quiser,
errado ou certo,
seja reto ou torto o meu andar,
ou pra ficar quieto no meu canto!