terça-feira, setembro 13, 2005

Esse mar em mim

Com suas marés revoltas,
esse mar em mim me navega,
me navega esse mar em mim,
e me pega em suas correntes
e me leva a terras e portos,
como todo bom crente,
creio que faço a escolha,
e escolho
qual folha solta no ar
voando por caminhos tortos,
meio de frente,
meio de costas,
meio de viés,
bem ao rés do chão,
quase ao alcance da mão,
de repente,
a manobra se encerra,
desta feita,
obra de uma vaga
que âncoras não respeita,
e novamente me traga,
e outra senda,
outra saga,
e lá se vai outra boa chance,
mas,
não posso negar,
apesar dos pesares,
dos muitos avatares,
há prazer no navegar,
ainda pivete,
timoneiro e comandante,
ia adiante em navio de papel,
mas ao léu do rio
que corria no meio-fio,
e eu já corria pela contra-mão,
depois,
grumete,
aprendi navegação
nas águas do Trapicheiro,
em jornadas no banheiro
com fotos d’O Cruzeiro e da Manchete,
não me recordo bem,
mas creio
que também por aí
comecei o diário de bordo,
que todo navio tem que ter um,
e já me rondavam o imaginário
sete amores,
sete mares,
depois,
sete bares,
e me graduei no pé-sujo,
marujo de longo curso!,
aprendiz de corsário
e já incurso
em vários pecados capitais,
folhas atrás,
descobrira Vinícius, Tom,
a poesia do Drummond,
e, por causa do Barão,
que havia um outro vício,
com os patrícios,
descobri a paixão pela mulata
que quase matou o avô português,
depois,
foi a minha vez,
a neta dela quase me mata,
no meio da festa,
levei um tombo
numa de suas curvas
e com calombos
me deixou a queda,
e logo dois!,
e logo na testa!,
com a vista meio turva,
voltei a pé a Vila Isabel
por falta de papel-moeda,
em outra folha,
vi a magia do tempo em ação,
a América,
meta do Colombo
nessa aldeia esférica,
acabou se tornando Capitão
e ele,
Confeitaria na Gonçalves Dias,
salve!, salve!,
cerveja, empada, croquete,
salve!, salve!,
garçonete assanhada
que sassarica com a bandeja,
salve!, salve!,
transpiração da patota
que transpira em bica
pra não sair da linha,
mas fica no ora-veja,
não come sardinha
nem arrota camarão,
salve!, salve!,
Cabral,
mas não consegui saber
se pelo Vasco já torcia
na data da descoberta,
mas,
duas coisas são certas,
o da Gama foi à cata
do caminho para as Índias
e não fez fiasco
e uma índia
me deixou nu e teso
e quase fui preso
num Carnaval
lá no Ninho do Urubu,
a folhas tantas,
não houve mais jeito,
tive de ir em frente,
de meter o peito no batente,
e foram as folhas indo e vindo,
e pra lá, e pra cá,
algumas folhas mais,
e mais pernadas e rasteiras,
e entradas e bandeiras
que me levaram a cabeleira,
tive de pendurar as chuteiras no grito,
que só as do Nelson são imortais,
e, com a aposentadoria,
comecei a reparar,
como é diferente,
como é bonito cada novo dia!