domingo, maio 01, 2005

Como nunca tive identidade

Como foi normal,
não posso dizer
que o parto foi torto,
e nem deu
muito trabalho,
mas,
conforto em pau-de-arara
não dá pra ter não
que o saculejo é farto
e não pára um segundo,
todavia,
e não é gracejo
nem despudor,
a bolsa d’água
foi um estouro!,
molhou o couro
de meio mundo
e quebrou o galho
do radiador do caminhão,
antes do parto era Zé ou Zia,
depois,
virei José dos Santos,
o sexto filho vivo
de Maria dos Santos,
e denominação assim,
sem cinismo,
não que seja chinfrim
ou não tenha brilho,
mas,
não carece de certidão
passada em cartório
que é besteira achar
que há maneira
de não dar confusão,
faltei ao batismo
que no território
não havia igreja,
e não fui à crisma
nem à comunhão
por igual motivo,
vi cartilha um dia,
mas,
tão de pressa,
que tenho essa cisma,
a cobra
chamada cedilha
que manobra
e dá picada
e fica agarrada
no fundilho do tal de cê,
e nunca mais deu pra ver,
depois,
a panela vazia
e aquela barriga
que faz a alegria
de verme e lombriga,
e coice
de todos os lados,
e foice,
enxada e tanto calo
que cada dedo
de tão inchado
parece até um pilão,
e tenho medo
quando coloco a mão
e toco e acarinho
que ralo e esfolo,
quando dou colo,
sufoco o tadinho
que me asfixia a aflição,
e, de sobra,
uma tosse danada
que não passa
com simpatia
que remédio
não dá pra comprar,
e germe, anemia,
epiderme desbotada,
crendice e velhice precoce,
e cachaça
pra tratar do tédio,
e acho
que tenho pouca idade,
acho,
como não tenho identidade,
convicção não tenho não!