domingo, maio 01, 2005

Samba sem eco, sem fim e sem começo

Sei que você se recusa
a ouvir o que falo,
mete o malho em mim,
me acusa e diz que espalho
um ponto de vista chinfrim
e que peco
porque não meço o que digo,
mas não ligo nem escusa lhe peço,
e não me calo também
porque prefiro pecar por excesso,
não por falta,
porque já falta muito treco,
telecoteco, reco-reco,
aquele tapete de confete sobre o chão,
aquele arco-íris de serpentina no céu,
falta carícia de lança-perfume
na pele da menina
e que delícia seu queixume,
falta o reco sureco
capaz de fugir do quartel,
de trocar quatro dias de folia
pelo resto do ano na masmorra,
falta a fuga dos casados
na tarde da terça,
falta o bloco de sujos
com bando de machos
vestidos de mulher ou de neném,
com cachos, madeixas,
chupeta, borra nas fraldas
lembrando calda de ameixa,
e mamadeira e caneco na cabeça,
falta criança
de marujo, pierrô e colombina
no baile infantil,
falta coreto na praça
e a massa em volta,
falta aquela volta no bonde,
e a gente nem sabia aonde ia,
como o bonde faz falta,
falta o fordeco,
a emoção, o sabor popular,
falta calor de boteco,
chão sem sinteco,
falta asfalto e avenida
sem bala perdida
e sem medo de assalto,
falta apego ao molejo da raça,
agora,
aos trancos e barrancos,
o saculejo de turista estrangeiro
dita o compasso no baile chique,
não há mais família no salão,
o garçom amador perdeu o pique,
cedeu vez ao profissional,
que, em vez de avental, veste um jaleco
com debrum na lapela,
e já não corre, não berra
nem equilibra a bandeja na praça,
parece maneco na passarela,
recebe libra e dá troco em real,
por causa do xaveco,
o pandeiro perdeu seu traço,
o couro, primeiro,
depois, perdeu a graça,
e lá se foi o repenique,
no lugar do terreiro,
da cerveja em lata, da pinga,
da costela com molho à campanha,
camarote com canapé,
caviar, escargô e taça de champanha,
a mulata Margô,
cheia de dotes no quadril e no pé,
virou uma loura estranha, sem ginga,
que se emaranha quando rebola
e se embola com um artista viril
ao desfilar pela pista,
e, lá no morro,
depois de virar cacareco,
a escola foi pro brejo
e nem pediu socorro,
agora,
um colégio na cidade,
com bom preço,
tem curso diurno e curso noturno,
e tudo por computador,
e anuncia no pasquim
que prepara
pro vestibular da Faculdade de Bamba,
e o cara vai sair de lá doutor
em samba sem eco, sem fim e sem começo!