domingo, maio 01, 2005

Não deixe que a hora de ir embora passe

Por favor,
ponha o que é seu na sacola,
sandália,
viola,
seu diário,
a nossa primeira toalha,
aquela meio amarelada
que está dobrada no armário
e que tentou nos enxugar,
cobrir nossa nudez,
e não deixamos nenhuma vez,
não deixe de levar
a foto da nossa sede de amor
enxarcando aquela tarde na rede
não me faz bem,
arde demais
me ver entranhada na sua tez
e o prazer à flor de mim,
quero esquecer que bebi essa água,
leve também cordão,
medalha,
a conta do botequim
onde ontem bebemos a saideira,
não esquece a mágoa
que me deu de lembrança
ao esquecer nosso aniversário,
nem aquela prece
que não esqueci de pegar
e você não foi capaz de lembrar
de colocar na carteira,
um dia,
talvez,
você precise rezar,
não protele mais os estragos,
arranca de uma vez
seus afagos da minha pele,
e deixe as cicatrizes comigo,
dizem que o tempo a dor estanca,
leve o abraço que lhe dava
quando me procurava
em busca de abrigo,
leve a sua maneira
de dizer uma besteira qualquer
e me fazer rir
quando no meu peito não havia
um pingo de alegria sequer,
se tem a paixão um traço mais vivo,
é esse poder de fazer sorrir
mesmo sem motivo,
leve a camisa de brim
que eu vestia
pra vestir o seu cheiro,
bem assim aquele modo moleque
de me espreitar no chuveiro
e que me fazia fazer
o que você queria ver e ouvir,
leve daqui as alianças
que, já de pileque,
trocamos naquela feira
numa manhã de domingo,
leve aquele modo nada sutil
de ludibriar minha fúria
com lamúrias
e choramingos de criança,
rasgue bilhetes e lembretes
que pendurei aqui e ali
e você de propósito nunca viu,
leve tudo que é seu
e ignore meus cacos de coração
que ainda não varri
pra baixo do tapete,
e mesmo que eu ameace,
chore
e lhe implore,
não demore,
não deixe que a hora de ir embora passe!