terça-feira, dezembro 27, 2005

Você sabe quem é!

Foi um porre a gravidez,
crises melancólicas,
várias cólicas e varizes,
ausência de sono,
incontinência urinária
e enjôos até o nono mês,
ainda por cima,
se havia clima
pra paixão e sexo,
ele entornava o caldo
provocando um mal-estar
e o saldo
era um par perplexo,
ponto final no tesão,
cansou de causar
tensão, percalço e corre-corre,
cansou de deixar
tonto o pessoal
com rebate falso,
em especial,
em feriado prolongado
e fim de semana,
e o remate foi de amargar!,
no meio do parto,
apesar do farto indício
de que ia ser normal,
só saiu com cesariana,
e o estrupício
já nasceu de ovo virado,
emburrado e muquirana,
uma mixórdia
de complexos e vícios conexos,
além disso,
magriço, desdentado e feio,
quer dizer,
cheio de bons indícios
de que nascia na medida exata
pra ser empata
e pomo de discórdia,
e como
saiu já com seus azeites
e de mal com a vida,
de saída,
maldisse a sorte
em razão do corte
no cordão umbilical
e reclamou do leite maternal,
você sabe quem é!
e sabe de sobra,
sabe até
que ia ajudar na rima
o nome dessa obra-prima!

sexta-feira, dezembro 23, 2005

É isso aí!

Desafina o sorriso banguela
que sorri aos arrancos
o branco dissabor desse rapaz
que pra comer
só tem remedo de comida,
e que nada faz
porque nada tem pra fazer,
se abomina a criança-menina
e mulher bem cedo se revela,
mulher da vida,
sem sequer ter vigor de moça,
e feia vai envelhecer
muito antes dos trinta
e cheia de falta de esperança,
se amofina o negro braço
com a negra cinta,
dá braçadas de sol a sol
e se afoga na droga de poça,
poça de cansaço
onde cada faroleiro
trata de si e tudo o mais é farol,
é isso aí!,
se alucina quem sobra
nessa rua mestiça,
sua e se esvai
nessa mestiça estrada
e cai num mestiço bueiro,
é consumido pela loucura
esse desvalido mestiço
que se desdobra
à procura de sentido,
mas acha mais desespero
a cada mestiça esquina que dobra!

quinta-feira, dezembro 22, 2005

Sei lá!, sei lá!

Sei lá!, sei lá!,
e não me acanho de dizer
sei lá!, sei lá!,
e já tá
de muito bom tamanho!,
mas,
de quando em quando,
e todo mundo sabe
muito bem
como é que é...
me assanho um pouco mais,
me acho mais capaz,
acredito
que me cabe dizer mais!,
ser mais profundo...
mais...
mais... sei lá o quê?!...
aí,
se não afundo totalmente,
constato,
praticamente no ato,
que de fato,
na hipótese pior,
teria sido bem melhor
se eu tivesse dito:
sei lá!, sei lá!,
e olhe lá...

quarta-feira, dezembro 21, 2005

Uma senhora marquesa!

Beleza e raro encanto!,
caro marquês,
uma senhora marquesa!,
marquesa e tanto!,
da mais alta qualidade!,
pois,
apesar da idade,
nada está fora do lugar!,
não há falta nem excesso!,
mas,
confesso,
fiquei mais animado
em função da maciez
e dos babados!
e muito tentado,
caro marquês,
a virar freguês assíduo
do seu marquesado
pra tirar uma casquinha,
mas,
muito na minha!,
é claro,
porque não sou indivíduo
chegado a exageros,
aliás,
seria o derradeiro nego
a cometer algum deslize,
a abusar do aconchego
que me foi franqueado
com tanta nobreza,
por fim,
pra que não precise
usar sua marquesa
mais do que o necessário,
me faça uma gentileza,
me diga em que antiquário
consigo comprar uma pra mim!

segunda-feira, dezembro 19, 2005

Resta algo de bom ainda!?

Moradia está em falta
nesta maravilha de cidade,
quando não falta,
na maioria
é moradia modesta
em favela, cortiço, estalagem,
paragem que revela a miséria
de pilhas e molhos de gente
e a falta de tudo
só não salta aos olhos
dos indiferentes e dos omissos,
e onde não há grude
a necessidade faz a festa,
estalagem, favela e cortiço
onde só camaradagem presta,
onde só resta fazer pilhéria
com a vicissitude da família
que a escuma
precisa achar um jeito
de achar alguma graça,
que maravilha de lugar!,
soma aos defeitos
de Tóquio, Roma e Bruxelas
as mazelas de Mombassa,
Luanda e Bagdá,
e com direito a deserto
onde até miragem há!,
criança na escola,
segurança e hospital
em anúncio e propaganda
de Pinóquio, Pafúncio e Ali Babá,
mas,
oásis só descola
quem é o tal e está por cima
ou o esperto
que vive levando bola,
contudo,
resta algo de bom ainda!?,
a festa de fevereiro!
pra ralé tirar o pé do lodo
e com ele mostrar
todo o seu valor
ao som do entrudo
que anima Olinda e Salvador!

Amores de fachada

Você mente,
mas não adianta
tanta farsa,
não adianta
tanta fraude,
por mais que você
invente e finja
ardentes abraços,
por mais
que se esbalde
em outros beijos
e tinja de vermelho
outras bocas,
por mais que vá
às tantas e loucas
à procura de prazer,
por mais
que faça ajustes e juras
nos braços de comparsas,
por mais que garanta
estar feliz
diante do espelho,
não adianta,
esses amores
não vão dar em nada,
são embustes,
pois,
como seu coração diz
quando encontra o meu
e a nossa paixão bate:
“são amores de fachada
e estão por um triz!”

Cadê Vênus?!, cadê Afrodite?!

Até eu fiquei surpreso,
mas,
acredite,
nada mais, nada menos
que um convite
de Vênus e Afrodite!,
e destaco o testemunho de peso
do meu amigo Baco
que estava comigo na mesa,
comia e bebia
e botava a despesa
na minha conta
e me deixava às tontas
como sempre faz,
e ainda foi capaz
de se achar no direito
de dizer que foi afronta
ter sido assim preterido
e bateu no peito
pra falar de orgulho ferido,
por fim,
não fez por menos,
me deixou na mão,
é...
como por aí se diz,
durma-se com um barulho desse!,
e, acredite,
foi exatamente o que fiz,
quando acordei e dei por mim,
cadê Vênus?!, cadê Afrodite?!

quinta-feira, dezembro 15, 2005

Não faz mais fé nem a sua avó!

Deixe de manha!,
menina,
que de recatada e inibida
você não tem nada não,
é mais exibida,
expõe bem mais
que vitrina de butique
no pique da liquidação!,
por isso,
já não cabe
essa sua manha,
todo mundo sabe
que você vai fundo,
assanha e provoca
até que a rapaziada fique
em ponto de bala,
depois,
coloca esse véu
de menina pudica,
fica envergonhada
com piada picante,
se abala
e até fica de quatro
diante de cantada
mais atrevida,
e fala que estava só
representando um papel
no teatro da vida,
menina,
qual é?!,
tenha dó!,
nessa conversa de peça
não faz mais fé nem a sua avó!

quarta-feira, dezembro 14, 2005

Se conselho fosse bom... (III)

Não empaque
nem encalhe agora
que tem chance
de ser destaque do bloco,
não perca o foco
em hora tão importante,
mas...
não se espalhe demais
diante dos holofotes,
não se lance ao pote
com muita sede!,
não deixe fora da rede
nenhum peixe,
não despreze nenhum fato,
desdobre a atenção
e não menospreze
minúcia e detalhe,
bote razão, bom senso e astúcia
em atitudes e atos,
e cobre bem mais
de seu talento e de suas virtudes,
e duvide
que sejam imensos e nobres,
não coloque quem decide
contra a parede
em nenhum momento,
mantenha bom contato
com quem
pode ter papel relevante,
não entre em choque
com ninguém,
principalmente
com quem
pode entornar o caldo,
tenha tato e tento
no gingado e na fala,
não gaste todo o saldo
num mesmo instante,
nem todas as balas
num mesmo alvo,
mesmo achando estar a salvo,
não entre de sola
no outro time
no calor da zanga
nem substime
quem esteja de joelhos
e aparente ser
um traste insignificante,
e mais dois lembretes:
nunca deixe de ter
coelho na cartola
e carta na manga do colete!,
e lembre-se,
se conselho fosse bom...

De um obscuro quarto

De há muito esquecido
num fundo de armário,
aquele bilhete premiado
que foi vendido
por algum estelionatário
numa calçada da Zona Sul
e que havia provocado
até então
gozação e gargalhada,
naquela madrugada,
completou o desassossego
do nego de idade avançada
que levou do patrão o azul
sem dó nem piedade
por razão de nada
e perdeu o só emprego
que tinha nesse mundo;
foi tal qual grito em falsete
berrado às pressas
ao ouvido de um mouco
por um louco vagabundo
que leu às avessas
o que nele estava escrito;
foi tal qual escada
entre risos oferecida
a quem está quase frito
na incandescência
de um último piso
e com um aviso:
saída de emergência!;
e uma escada autista
com pinázios invisíveis
e nenhum degrau à vista;
foi tal qual topázios puros,
mas insensíveis
e fartos de serem topázios,
que se diluíssem gota a gota
sem compaixão nem clemência
quando seguros
por aquelas mãos necessitadas
mas rotas e impotentes;
de repente,
uma rude flecha-de-parto
fez uma brecha
na quietude da madrugada
e foi ouvido um estampido
vindo de um obscuro quarto.

segunda-feira, dezembro 12, 2005

Quando um é recheio, o outro é mil-folhas

Ele é tatibitate e careca,
mora em Realengo,
tem calo e bolha
na palma da mão,
que não perde
a mania não,
ela é zarolha,
levada da breca,
adora fazer biscate
e soltar o breque
ali no Flamengo
pra alegria dos moleques,
os dois têm surtos e desvios,
ele, na coluna,
que o Tito,
velho amigo da Pavuna,
era um mito,
todo mundo sabia
que não tinha pavio curto,
ela tem das trompas e do cepto
e, com pompa,
exibem os de conduta,
ele é adepto do grupo,
mesmo no sexo,
ela é o nexo do dito:
da fruta que você gosta,
chupo até o caroço;
e não vem que não tem,
que é um osso duro o duo,
aposta na luta
e não tolera recuo,
seja qual for o embate,
mas,
os dois preferem empate,
ele, um a um,
ela, zero a zero,
e ninguém tem vaidade,
se um cacareja, o outro muge,
se um ruge, o outro late,
se um xinga, o outro bate,
e o couro come,
e tome pinga e cerveja
em nome da velha amizade,
e repetem, amiúde,
tatibitate e zarolha
que a virtude está no meio,
por isso,
quando um é recheio,
o outro é mil-folhas.

sábado, dezembro 10, 2005

Não quero ser

Não quero ser
aquele refrão
que tanta gente canta
porque da canção
não sabe da maioria,
não quero ser
a rima completa
na obra-prima
que o poeta em mim
pode vir a poetar um dia,
também
não quero ser
um clichê chinfrim
que vai indo em frente
na fala de gente
que não sabe o que diz,
nem motivação de bis
de tietes e fãs irrelevantes
porque nem sabem
onde andam enfiando o nariz,
mas não me presto
a esperar pelo amanhã
a pretexto de ser artista
e parte de texto brilhante,
eu quero ser
protagonista agora,
neste instante,
embora em esquete modesto,
desde que tenha arte!

sexta-feira, dezembro 09, 2005

Ao sul da América

Ao sul da América,
que um dia já foi lusa,
foi ibérica,
a coisa tá tão confusa
que não dá pra ver
uma pista da solução
nem com vista de lince!,
é que anda histérica a torcida,
soul que soul Chicago Bulls
since very young!,
Chicago Bulls!,
dream team da minha vida,
paixão que corre no meu sangue,
que é muito mixa
torcer pelo Mengão,
e não refogue não
a salsicha do hot dog,
não é nice!,
a bicha é só cozida,
e que a gente se afogue
em ice cream, coffee, tea, diet coke,
em funk e rock-and-roll,
até que espouque
outro hit na parade,
que não é in gostar de samba,
e é melhor ir a Miami Beach
do que a Ipanema,
e só um pato se ilude
e acha que bamba de fato
mora fora de Hollywood,
e você há de convir
que New York City
é mesmo coisa de cinema,
tem gentlemen e ladies às pampas
e todos cheios de it,
o que não há em Sampa,
e nem vem!,
lady de verdade, séria,
não é Zuleide nem Quitéria,
mas Jane, Diane, Mary Anne,
nem "alma'minha gentil..."
é tão bom quanto "to be or not be",
puxa,
quanto imbecil,
tantos,
que bem podiam ir
....!

quinta-feira, dezembro 08, 2005

É... gosto não se discute

Sou que sou
fascinado por condução superlotada,
seja ônibus, pirata ou não,
van, trem ou metrô,
sem esquecer o tal bonde
que a gente sabe bem de onde vem
e que continua passeando pela rua
a qualquer hora do dia,
acho uma delícia
fila, multidão, empurra-empurra,
porrada da polícia
em porta de repartição,
acho o máximo
salário mínimo atrasado,
sou tarado por inflação,
tenho atração por enchente
e sonho com catamarã
na Praça da Bandeira,
só fico contente pela manhã
quando vejo no jornal
muito assalto e bandalheira,
ou uma armação muito legal
pra tomar grana dos incautos,
tenho fixação
em desconto em folha
e em bolha nos pés e nas mãos,
acho sensacional
perda do poder aquisitivo,
contribuição de inativo
e sugiro cartão de ponto,
não há invento igual
a imposto de renda na fonte
e mais ainda me apetece
o gosto do ICMS no alimento,
acho um barato
dar de fato status
a quem mora debaixo da ponte
cobrando taxa de iluminação,
de lixo, de incêndio,
acho divertido
viver qual bicho em jaula
por causa do ladrão
e escola sem aula
por orientação
do pessoal do movimento
ou por falta de verba no orçamento
pra pagar ao professor
o estipêndio devido,
não escondo
que tenho tanto amor por apagão
que chego a ter orgasmo
só de pensar
e que me encho de entusiasmo
só de ouvir falar
em baderna, quebra-querba e corre-corre,
mas,
me arrisco a dizer
que, em primeiro lugar,
vem pra mim confisco
geral, amplo e irrestrito,
em segundo,
aquele bendito chute de artilheiro,
no último instante
frente a frente com o goleiro,
que passa distante
e nos firma na lanterna,
e, em terceiro,
mulher agra, feia, cheia de vício,
um estrupício de tão magra,
e tão indolente
que não trabalha fora
nem encara o batente dentro,
melhor que isso,
só dois disso,
ou, no domingo,
almoço no lar doce lar
com a família da minha senhora
e aquele chucrute
sabendo a coentro
que o cunhado tanto adora,
é... gosto não se discute!

Restou do astro

Cerradas as cortinas,
restou do astro
quase nada,
não mais
que um distante passado,
punhado
de rastros vacilantes
que amofina a memória
de palcos quase em ruínas,
não mais
que um manifesto desespero
diante de restos de glória:
frases de jornais,
foto de um letreiro,
decalcos, cartazes,
restou a platéia
inanimada e transparente
que contrista poltrona,
frisa e balcão,
restou a devoção imprecisa
de um devoto remanescente,
restou a desolação
que se fez dona
de silentes coxias,
restou a recordação trôpega
da sôfrega emoção
em dia de estréia
enfim,
restou a vista embaçada
por essa madrugada fria
e o Retiro dos Artistas
à guisa de camarim.

quarta-feira, dezembro 07, 2005

Melhor do que a encomenda

Antes mesmo de comer,
cuspiu no prato o Brás,
veja você,
me saiu
o rapaz
melhor do que a encomenda,
como viu
dois passarinhos a voar,
preferiu soltar o que tinha nas mãos,
pois era o seu
e bem pequenininho,
e saiu correndo atrás,
e nem levou merenda,
e acabou sozinho no mato,
que não carregou cão nem gato,
somente meus parcos reais,
e deixou seus dólares, euros, marcos,
porque não fala inglês, europeu nem alemão,
e pra ser localizado,
em caso de recado ou emergência,
foi discreto,
só deixou a direção
com um punhado de seletos companheiros,
padeiros, leiteiros, peixeiros, açougueiros, tripeiros, verdureiros,
com alguns diletos vizinhos
e com os parceiros do Barrasquinho:
Inocência,
Albina, Joaquim, Delfina e Lisboa,
Ferreira, Serafim e Queluz,
Simões, Macedo e Murilo,
e mais o treinador Batista,
o massagista Loureiro
e o roupeiro Amador,
e com os chefões da Bagaceira Barraína,
da Barrascão à Gomes Sá
e da Barrasco da Gamboa,
e mais alguns fadistas,
ao todo, umas cem pessoas,
e um outro tanto espalhado por diversos cantos,
mas tiveram de jurar por todos os Santos
e beijando os dedos em cruz
que iam guardar seu segredo em sigilo,
e foi avistado pela última vez
disfarçado de freguês,
no boteco do Camilo,
e este disse,
em uma nota feita com a direita,
pois argumentou um treco,
dor ciática na canhota,
após ter alegado,
imunidade diplomática
e alergia a retrato falado
fundado em receita ortopédica,
mas a nota foi enfática:
“oh! cara,
nem que me dopes,
aliás,
nem que me coloques no pau-de-arara,
castigo horroroso
que qualquer um arrasa,
e sinta muita dor,
vou confessar que o Brás
foi trabalhar em Seropédica,
ao lado da casa
de um famoso compositor,
pois fugiu sem deixar pistas a raposa,
fez uma obra de artista,
na verdade,
uma manobra malandra,
colou a foto da Cassandra,
sua esposa,
na carteira de identidade!”

Beijo heterodoxo

O selinho,
o tal beijinho na boca
que o pessoal gosta de dar
até em gente do mesmo sexo,
que me parecia coisa louca
e me deixava perplexo,
não tem nada demais,
é só um beijo heterodoxo,
segundo um rapaz
que me explicava a fundo
as armadilhas da inflação
e que quis me dar um
no meio da explicação,
e logo quando falava
sobre perda
e desvalorização da moeda
que representava
unindo sem pudor
a ponta do polegar
com a do indicador,
mas sua mão ficou tonta
e teve uma queda,
pra não desabar,
se apoiou na virilha esquerda,
mas na minha,
e tive a impressão
que tinha outra intenção,
e que o rapaz ia ter algo mais,
vertigem e falta de visão,
caindo a cara onde caiu a mão,
mas,
como sou ortodoxo,
lhe dei um safanão viril
e mandei que fosse
dar selinho,
o tal beijinho heterodoxo,
na ponte que partiu!

terça-feira, dezembro 06, 2005

Na seletiva da Brasil

Botei a comitiva
no caminhão do Meco
e peguei a seletiva da Brasil
porque
o guarda estava de folga
já que a bolsa da Olga
explodiu justo no domingo,
e no domingo,
aqui na região,
nem a muito custo
se acha esculápio de plantão,
mas,
veja só o cardápio do boteco:
cachaça, cerveja, caldinho de feijão,
mocotó, rabada, angu
e buchada de bode;
e a Olga encarou o desafio,
encheu o bucho
que já estava por um fio,
e tudo no maior sacode,
samba, forró e até lundu,
e vai parir no meio do caminho,
que luxo e pompa
aqui a gente não tem não,
agora,
na hora H,
se não vier um menino
e pintar outra mulher,
não vou reclamar do destino,
mas vou ligar as trompas!,
que o saco torra
ficar dando esse mole,
aturar a turma no meu ouvido
repetindo meu apelido:
“Forra da Rapaziada”,
pois na minha prole só tem filha,
Lília, Odília e Emilinha,
a caçulinha,
na minha prole não tem espada,
um João pra dar um estouro
na boca do balão
envergando a nossa camisinha,
que é na água e no couro,
não vai fora não,
que até essas coisinhas
a gente poupa,
"que essa crise não está sopa,
e eu pergunto,
com que roupa,
mas com que roupa
eu vou
ao parto que você não programou,
com que roupa eu vou,
com que roupa eu vou
ao quarto que você não programou".

Não me peça pra não pedir seu perdão

Não me peça,
meu amor,
pra não pedir seu carinho,
não me peça
pra seguir sozinho
ao sabor desse afeto
que não arrefece
com prece, promessa e ungüento,
não me peça
pra fingir que o peito
não descamba em tormento
com aquele projeto de samba
que não ata nem desata
pois carece de alento,
você!,
não me peça
pra não ir por aí
à cata do seu jeito de olhar,
de se esbaldar de rir
com o que há de mais tonto,
de sentir o que há de mais denso,
por favor,
meu amor,
não me ofereça um lenço
pra enxugar esse pranto
que me consola
quando sua falta
me assalta e amola o coração,
por favor,
meu amor,
não me peça
pra não pedir seu perdão!

sexta-feira, dezembro 02, 2005

“Quem tem olho grande não entra na China”

Cara,
é muita areia
pro meu caminhão!,
mas não é questão
de potência nem de tara,
que tenho o costume
de encarar volume até maior!,
mas,
na Baixada e adjacências...
e essa areia é do Leblon!...
lavada com o que há de melhor;
sou muito bom
com até dois dígitos,
até dois dígitos no IPVA,
até dois dígitos no IPTU,
e nos dela há mais de cinco,
acompanhe meu raciocínio:
em sã consciência,
não é nada fácil
ir de picado e tutu
no Zinco da Neném,
lá em Belfort,
pra quem tem
champanhe e caviar
no café-da-manhã
salmão grelhado
e crustáceo ao termidor
no almoço,
não dá nem com muito esforço...
e não é preciso sequer
um forte tirocínio
no mister de vidente
pra ver a sorte da empreitada:
uma noite danada de quente
e eu, lá no Flor-de-Lis,
sem ar-condicionado,
frente a frente com o traçado
e afogado em Lupicínio:
“Você sabe o que é ter um amor,
meu senhor...”;
e a menina,
pra se livrar do passado,
num bistrô de Paris,
com brande ou conhaque,
brindando o namorado novo;
é..., cara,
repara como o povo
é mesmo craque:
“quem tem olho grande
não entra na China”.

quinta-feira, dezembro 01, 2005

Não morre no meu coração

Não é flor que se cheire
essa bisca,
é arisca, fuleira
e sem eira nem beira,
e não consigo
achar trigo nesse joio,
por mais que joeire
e lhe dê apoio,
quando bate o furor
e ela fica a fim de prazer,
mete a cara e vai em frente
com quem aparecer,
jardineiro ou jardineira,
e nem repara
em jardim e canteiro,
rente ao chão se deita e ajeita
qual planta rasteira e capim,
de repente,
qual trepadeira,
se agiganta por cima,
vícia, tamo, costela-de-adão,
e se arrima no que puder,
no que estiver mais à mão,
bem pode ser
ramo de cânhamo,
vício e suplício,
ou de belas felícias,
deleite e enfeite,
é indiferente ser chamada
de malmequer ou de bem-me-quer,
mas,
por mais que a razão
me conte poucas e boas
e me aponte a indecência
dessa flor infrene,
por mais que o fedor
dessa malícia à-toa,
que o porre me envenene,
essa louca Hortência
não morre no meu coração!

Foi o último encontro de ombros amigos!

Não foi abraço ferido
de quem o ventre abraça
pra evitar aborto inevitável
pois já morto o feto,
não foi doído sangramento
que nenhum ungüento
faz estancar por completo,
não foi irrefreável tremor
que do peito embaraça o ritmo
e o deixa ao sabor
de um algoritmo irrespirável,
foi direto e franco sem ser amargo,
foi aceno intenso de lenço branco
de gente que se distancia
parada no cais
enquanto a embarcação
vai em frente e se faz ao largo,
foi despedida
sem imprecação e sem ressentimento,
foi consentimento
pra guardar recordação,
foi resignação de outono
com o destino da folha,
não foi abandono,
mas escolha de amantes antigos
sem paixão pra levar adiante,
foi o último encontro de ombros amigos!

quarta-feira, novembro 30, 2005

Se conselho fosse bom... (II)

Não se esqueça
que ruga só tem graça
em bolso de cirurgião plástico
ou em conta-corrente de esteticista,
na sua lata,
só lhe retrata mais ainda a velhice,
portanto,
não persista na burrice,
trate de não ser
drástico com ninguém,
especialmente com você,
não se aborreça,
não seja bombástico
nem faça alvoroço
por nuga, tostão ou tolice,
quiçá nem por milhão,
não deixe a cabeça
entrar em ebulição
por boato ou disse-me-disse,
muito menos
em razão de chalaça,
faça o que for preciso,
mas sem afobo,
e se faça até de bobo
se for menor o prejuízo,
nunca se grile nem estrile
se não souber direitinho
tudo a respeito do fato,
e tenha muito tato
mesmo quando souber,
nada de estrilo,
meu irmão,
estrilado no embalo da emoção
pra não arranjar um grilo inda pior,
não invente
corno em focinho de cavalo
e fique frio
se achar na sua tal adorno,
se frio não puder ficar,
trate de apagar o pavio
antes que não haja retorno,
e cuidado com essa conversa
de que o vizinho
foi um lobo mau à beça
e sua mulher,
Chapéuzinho Vermelho,
e, preste atenção,
não é ocasião
pra carregar no tom,
fazer barulho
ou mesmo ruído
por causa da vaidade,
do orgulho ferido,
nem pra questionar a paternidade
do fedelho mais novo,
se der pra se mandar,
saia bem de fininho,
desapareça de mansinho,
deixe que o povo esqueça...
mas,
não deixe de lembrar:
se conselho fosse bom...

Auto de infração

O fiscal da natureza,
embora
não meter o bedelho
no que não interessa
seja o só mandamento
da seita que professa,
fez desta feita
um auto de infração
que não tinha o intento
de ficar uma beleza,
e não ficou,
mas foi suficiente
pra multar o pardal
que ignorou que a pressa
não é amiga da perfeição,
fingiu que não viu
o sinal vermelho
e fez o cruzamento
bem em cima da faixa
que não respeita o aviso
pendurado no meio ambiente
e atravessa a rua fora do pedestre,
mas,
como, de gode,
eu dizia
ao mestre da banda
quando ele fingia
que ia tocar
o que não sabia:
quem manda não tem juízo
e obedece quem nada pode!

quinta-feira, novembro 24, 2005

Uai!, buy, buy Brazil!

Uai!, buy, buy Brazil!,
se não se escreve assim,
releve, por gentileza,
que meu espanhol é assim-assim,
tal qual meu inglês,
e o portugês não faz jus à portuguesa,
mas,
fez psiu pra mim
uma moça estranha,
muita banha, buço, tersol,
e cambembe como nunca vira,
aí, já viu!,
sem grana e sem manha,
mas cheio de pressa, gana e animação,
e tudo ficando ruço, indo às avessas,
não prestei muita atenção,
e a Ouvira
virou passado mais-que-perfeito
e nem lhe dei tchau direito,
me lancei ao mar pra vencer a poça,
como sói acontecer,
peguei a nau em Niterói
sem apetrechos, candembe e caniço,
que não ia mesmo pescar nesse trecho,
e passei ao largo de pargo, traíra e pacu
que a Baía nem tem,
cheguei ao Rio
e tentei passar o paco,
e uma sirigaita cafona
que parecia a dona da gaita
quase embarca,
mas,
houve um enguiço
e um baita rebuliço
e me pregaram um peça,
escapei por um fio
mas tenho a marca,
arranha, arde, coça e dói,
mas quem está na água,
se não afoga as mágoas,
amarga a droga da ressaca
e deita carga ao mar,
então,
meti a casaca do jeca-tatu,
fiz par, cama e mesa,
e o caixa do circo com Irene Pelicano,
se não erro,
por causa do berro e do bico,
mas uma beleza de atriz
que ostenta a faixa
com os dizeres:
“dama perene do mambembe”,
e todos os anos,
há mais de sessenta,
da Praça Paris a São Luís,
tenta a fama na estrada,
na excursão daqui pra lá,
me interessei por jacu,
pintada, tiziu, xanxão, anacá,
mas chamaram o meganha
que veio atrás de mim,
quase, outraz vez,
fui pego pelos quadris,
aí me mandei pro Pará,
que me assanha o xinxim
e assim o acarajé,
e nem sei se fazem por lá,
mas levei umas castanhas
e a piranha perequeté
quase me abocanha
de um jeito exótico,
escapei por um triz
e com um simples dano,
uma ardência danada
que curou o antibiótico,
e decidi dar o fora,
a todo o pano,
me meti no Amazonas,
conheci fauna, flora, pororoca
e malocas bem malocadas,
tomei sauna em Manaus,
na zona, franca,
uma senhora
me ofereceu
ninfeta estrangeira, nacional,
e branca, preta, mestiça,
inata ou postiça,
tudo falso,
mas feito na hora,
e cedida por besteira,
mercadoria barata,
pois não tem imposto,
mas,
questão de gosto,
preferi ir à cata
de delícia mais tradicional,
por nuga
entrei no jacaré guisado,
na sopa de tartaruga
e me pus em fuga
que, por causa do defeso,
a polícia em peso
ia vir no meu encalço,
mas, antes de partir,
fui à missa na sé pedir perdão,
pois a gula é pecado,
que seria de mim
se não tivesse essa fé
que me faz crer assim!,
uai, buy, buy Brazil,
releve
se não é assim que se escreve,
mas,
se a gente não vai,
o boi já foi ao Uruguai,
o moço simpático,
ao Paraguai, à Cochabamba,
e vai e vem muamba pela divisa,
e o barulho do foguetório avisa
a chegada de mula e bagulho,
e que alvoroço democrático
faz nosso povo,
simplório, acadêmico,
anêmico, bem nutrido,
velho curtido, guri novo,
e de Acari à Vieira Souto,
e o dinheiro grosso não vai preso,
corre solto,
e sigo teso
e a coisa segue assim,
mulher mirim
a venda no interior,
que suas prendas
têm valor nas capitais,
uai, buy, buy, Brazil,
se não é assim que se escreve,
releve,
que Brasilia anda chinfrim,
e, no mais,
as Gerais,
assim, assim,
em Sampa,
nada em cartaz,
no Rio,
outra trampa saiu no pasquim,
no Nordeste,
seca e ananás,
no Norte,
outra clareira,
que floresta é besteira,
ruim pra urbanizar,
mas, quem sabe,
se agente tiver sorte,
um dia ganha o Oscar,
o Sul esperneia às pampas
e solta o berro,
mas não é de ferro,
então acampa, carneia
e toma o chimarrão,
mas não é só,
uai, by ou buy ou bye Brazil,
que tá demais o tesão
e a aflição vem de trás,
é preciso ungüento,
banho de assento,
mas cem por cento
não fico mais,
aliás,
nem cinqüenta,
meu traseiro não agüenta, uai,
assim sendo,
se não bais,
como diria aquele lusitano
mais brasileiro do que eu,
até um dia,
bye-bye!,
hermano meu,
se é que é assim que se escreve,
se não for,
por favor,
releve, pegue leve,
pois me tornei poliglota
e analfabeto em muitos dialetos,
e gente assim
não nota nenhuma imprecisão,
enfim,
buy bye-bye by Brazil!

E a filosofia saiu pela culatra

Era ainda menino
quando me pegou colando
o professor de Filosofia,
mas,
já me fazia de ladino
e filosofei:
“quem não cola
não sai da escola”;
entretanto,
o mestre austero
nem deu bola,
e a filosofia saiu pela culatra,
além do zero no teste,
do diretor ganhei
dois dias de suspensão,
pra completar,
o coroa soube
e lhe coube acabar a correição
usando o meio padrão
que me avariou a alcatra,
mas a coroa
não se deu por satisfeita
e, com um ar maroto,
me deixou inchada a mão direita,
e alguns dias sem diversão
que não sou canhoto,
mas,
aprendi a melhor lição:
se tivesse estudado,
não teria sido apanhado,
e teria apreendido
que filosofar é coisa do Platão!

Amor acabado é folha morta

Amor acabado é folha morta,
um alguém
que já não faz bem
quando liga ou bate na porta,
amor acabado é folha morta,
presença
que já não importa,
ausência
que já não nos fustiga,
opinião que já não faz
mais nenhuma diferença,
amor acabado é folha morta,
sem essência,
já não perfuma,
e até desenfeita
o que poderia ter graça,
e passa e a gente nem vê,
amor acabado é folha morta,
beijo que a boca enjeita,
abraço que o peito se ajeita
pra não precisar receber,
amor acabado é folha morta,
desprazer!

Não passa de um sopro

Não passa de um sopro
que vaga por agora,
sopro que se apaga
a qualquer hora
e se acende a vela,
não passa de sopro
que rende
o que dura um encanto
que tanto assim não dura,
seja sopro bom ou ruim,
sopro velhaco ou santo,
seja um sopro chinfrim,
caco de sopro
soprando um triste canto,
seja um opulento sopro
que se vangloria de ser vento,
que se acha ventania
que pode ventar
acima de tudo e de todos,
contudo,
não passa de um sopro
que vaga por agora,
sopro que se apaga
a qualquer hora
e se acende a vela!

Você é a graça da vida!

Você é a graça da vida!,
do sonho, o enfeite,
do peito, o deleite e o sossego,
feito praça florida
em avenida louca de pressa,
de dor e ferida,
é emplastro, compressa, ungüento,
e ponho, e passa,
você é a daia da tribo,
estribo da alma,
conforto e aconchego
em momento de guaia,
na tempestade,
você me acalma,
me dá alento e abrigo,
na verdade,
sem você,
sou desespero de aborto
sangrando a esperança do parto,
sou criança de castigo
trancada no quarto,
sou barco sem porto,
mendigo
que não deixa rastro,
sou mastro
que não agüenta bandeira,
com você,
sou o astro
que o Sol afronta e enfrenta
e deixa a Lua tonta,
sou o passo que não cabe na rua,
sou fundo e forma
em poesia de primeira,
você é a magia
que meu mundo transforma,
você é paixão, bem querer,
minha razão de ser
é você!

quarta-feira, novembro 23, 2005

Vai correr rio de sangue!

Não invente
de pedir a alguém
pra botar panos quentes,
não tente também
se fazer de songamonga,
pensando
que esse expediente
a pendenga ameniza,
minimiza o esbregue
e consegue evitar a mironga,
você meteu a ronca na nega,
disse que a nega cafunga,
tem tunga e coriza,
disse que a nega é brega,
bronca, buchuda e cambeta,
quase uma barrica,
disse até que a nega é baliza
em desfile de quenga no Mangue,
justo a que mostra o busto
e se prostra aos pés do negão
que um bastão sugestivo carrega
com o qual ela faz pirueta impudica,
agora,
se escuda
nesse choro compulsivo
e implora que eu não estrile,
que não me zangue,
tem jeito não,
chega!,
meu irmão,
vai correr rio de sangue,
que não há no mundo
sujeito imune
a fio de peixeira,
nem vagabundo
que tenha feito a besteira
de meter a ripa na nega
e tenha seguido impune,
tenha se dado ao luxo
de seguir por aí
com tripa no bucho!

Vá em frente sem dó de mim

Leve o currículo em papel ofício
que lhe dá tanto orgulho
por ser o primeiro exemplar,
leve seu perfume,
cheiro que me faz sentir ciúme
e fazer um barulho ridículo
ao ver você se perfumar pra sair,
leve sandália e chapéu de palha,
início do seu new-look,
e seu songbook predileto,
leve a navalha
que traz as iniciais
que seu vô Anacleto
entalhou no conto de marfim
e a toalha da Ilha da Madeira
com pesponto carmim,
leve a pilha de jornais
que guarda na prateleira,
a farda do colégio interno
que não tive o privilégio
de ver você usar
e terno e suspensórios
que usou em nosso casório
e nunca mais quis vestir,
leve o souvenir do hotel
da nossa lua-de-mel
que sempre
fez surgir no seu olhar
esse brilho de desdém,
leve também fornilho,
panela, alguidar de barro
e jarro de asa amarela,
presentes da sua avó,
enfim,
vá em frente sem dó de mim,
vou suportar os escombros
abraçada ao meu menino,
dirigindo meu carro,
conferindo a pensão
num canto da varanda de casa,
e, como manda
o figurino da separada,
vou chorar meu pranto
nos ombros do meu Ricardão!

sexta-feira, novembro 18, 2005

Se for preciso

Se for preciso,
não perco a viagem,
mostro coragem e jogo duro,
dou pernada e safanão,
antecipo furo de reportagem
e dissipo a edição do jornal,
amorteço no peito esfera de chumbo
e dou jeito em qualquer ladrão,
arrefeço tara e tesão de mulher
sem fada e sem vara de condão,
seguro a orelha desse tal de Dumbo
e lhe juro que a fera se ajoelha,
se for preciso,
desço do muro, tiro a hera e faço opção,
bato o portão em cara de fiscal,
sento o pau em cobrador
que vier cobrar conta ou prestação,
viro de ponta-cabeça
qualquer um que esqueça
posição de sentido e continência,
perco a paciência e boto pra quebrar
com qualquer atrevido
que tente não me dar o devido valor
ou invente de me sacanear,
se for preciso conto história
de baleia pescada com linha e anzol,
de andorinha que fez verão sozinha,
de terçol maior que o maior melão
que já apareceu lá no CEASA,
de teia de aranha com mais de milha,
de rês com picanha de seis quilos,
de um grilo que voou da Glória
à Ilha de Marajó só com uma asa,
e façanhas do meu cãozinho
que pelo focinho pegava tubarão,
pois tenho muitas na memória!

Olha!

Olha bem pra foto,
vê se nota
o amor que meu peito
ainda lota,
a paixão que ainda boto
por meus poros
e dá brilho à minha tez,
como ainda te adoro
do mesmo jeito
que te adorava no dia
em que a fotografia se fez,
olha bem pra foto,
vê meu sorriso escancarado
a sorrir o louco querer
que ainda me consome,
vê teu nome
gravado no meu olhar,
vê o desejo
exposto no meu rosto,
a fome do teu beijo,
a vontade de te dar prazer,
mas,
se já puseste a foto de lado
ou se lhe deste fim,
olha pra mim!

quinta-feira, novembro 17, 2005

Viva! el ouro!

Viva! el ouro,
el ouro, viva!,
não esse ouro de veio,
mina ou jazida,
tirado por meio de metal
terminado em bisel
e que exaspera a gana,
a cobiça do abutre
e atiça a miséria humana,
viva! el ouro
de veias e artérias
do qual estão cheias
as esquinas da vida
e que cai do céu
quando menos se espera,
viva! o ouro
que emana da centelha,
da razão quando prevalece,
resplandece e ilumina,
viva! el ouro
de muitos quilates
que alimenta e nutre,
banana, mel de abelha,
e o do açafate que enfeita,
viva! el ouro
que nos aquece
quando amanhece
e que nos prateia quando se deita,
viva! todo e qualquer ouro
que não careça de guarda e forte,
todo e qualquer ouro
que não escureça
nem encarda o peito,
todo e qualquer ouro
que não seja feito essa armadilha
que consome o homem,
leva o homem à pilha e à morte!

Veja a receita do malandro

Se deu errado desta feita
porque era impossível não dar
ou porque
não teve competência
pra ser esperto o bastante
e fazer dar certo,
paciência...
leve a vida adiante!,
mas,
veja a receita do malandro,
do malandro bom:
de saída,
só fique aborrecido e aflito,
só se amofine
o que for necessário,
da medida não fique aquém
nem vá além um tostão sequer,
e não passe recibo não!,
só otário bota derrota por escrito,
entretanto,
se recibo tiver que passar
pressionado pela situação,
passe mas não assine,
depois,
pise,
ou melhor,
deslize com passos macios
pra fazer o menor ruído
e saia de circulação,
deixe que o vazio
trate de ocupar o espaço
que você ocupava antes
e que a lente de cada dia
a cada instante
altere da foto cada exemplar,
e espere até que,
por mais que tente,
nem você
não consiga apontar você
na sua versão da fotografia!

quarta-feira, novembro 16, 2005

Elixir e mulher nova!

Poxa!,
cara,
com essa trouxa frouxa
e com tanta fada por aí
fazendo xixi de pé,
segurando vara de condão
e botando fé no zero a zero,
você não vai conseguir nada,
e pode perder a esperança
até de sair na mão,
pois,
tal atividade
demanda boa lembrança,
quando a sua anda vaga
e andando à toa,
aí,
a habilidade fica gaga
e a vontade vira hesitação,
além disso,
e de viço e compasso,
no fim,
é preciso apertar o passo
com uma boa dose de aceleração,
o que já não permite sua artrose,
assim,
meu irmão,
se você quer
mudar a situação
e se eximir de levar sova,
tente aquela poção
com dois ingredientes:
elixir e mulher nova!

Dês que

Nosso patrão é o nosso freguês,
manda, desmanda e tem sempre razão,
dês que
não seja um cliente
com um exíguo bestunto,
ou seja,
dês que
não se queixe da cerveja
que vem quente
pra não lhe causar dano,
nem se deixe afetar pelo copo fosco
pois lavado com detergente natural
e secado em avental de pano
pra evitar poluição,
dês que
esteja disposto a apreciar
o visual do tira-gosto,
especialmente o de presunto,
esverdeado e tosco
por motivo estético,
e seja suficientemente vivo
pra curtir seu ambíguo paladar,
ou melhor,
contíguo ao eclético,
dês que
mostre estima pela vaca,
matéria-prima do churrasquinho,
e não invente de ser engraçadinho,
fazendo pilhéria e tachando de inhaca
o aroma do nosso peixe
frito em nosso óleo polivalente,
dês que
não goze o nosso bom garçom
em razão da esclerose e do coma
nem desfeche grito e pito
quando solta palavrão,
dês que
não discuta religião, política nem carnaval,
e prefira tomar cicuta ou falar de críquete
a falar mal ou fazer crítica ao Vascão,
nosso freguês é o nosso patrão,
manda, desmanda e tem sempre razão,
dês que
não insista
em conferir as comandas
de ponta a ponta,
nem banque o moleque
na frente do nosso caro gerente
questionando sua soma,
e, é claro,
dês que a conta pague à vista
e não use tíquete, cheque nem cartão!

segunda-feira, novembro 14, 2005

Não se abata

Não se abata
com essas pessoas pequenas
que esquecem
apenas o momento passa,
não se apoquente
com o desprezo
dessas pessoas que nada têm
além do vezo de ser ingrata,
elas não merecem
sua lamúria, seu lamento!,
deixe de lado essa gente
que viveu mercê de você,
de sua graça, favores e guarida,
mecenas e protetor
de coração sempre escancarado,
e nunca se deixe tentar
por arrependimento, fúria e rancor,
que nem isso merecem
esses arremedos de atores
fiéis à ingratidão
que desde cedo
vêm encenando os piores papéis
pelos palcos menores da vida,
com o tempo,
se vai o talco e a máscara cai!

Nunca se sabe

Por mais que se procure,
nunca se sabe
se é só casca, fragrância, anilina,
se engole o que masca,
se está na parole que vomita
a substância que rumina,
por mais que se procure,
nunca se sabe
se é alguém totalmente duro,
puro ferro, pura brita,
indiferente a agruras e berros
de seus semelhantes,
por mais que se procure,
nunca se sabe
se é mesmo criatura boa,
mansa e fraterna
como o olhar,
como a voz afiança,
terna o bastante para amar
como o seu abraço insinua,
por mais que se procure,
procura-se à toa,
nunca se sabe
se, diante de nós,
está nua e crua a pessoa!

Salve!, salve! a cauda!

Salve!, salve! a cauda!,
toda e qualquer cauda!,
que cauda é cauda!,
não há distinção!,
pra provar que não há,
comecemos pelo pavão,
salve!, salve! a cauda do pavão
cuja beleza seduz a pavoa,
salve!, salve! a cauda presa
que não está presa à toa,
salve!, salve!
a cauda do beberrão,
embora não tenha dono,
a da avestruz
que ela sempre deixa de fora
e a desse avião
que me faz perder o sono,
salve!, salve!
do girino a cauda perdida,
a cauda do cometa gigante
e a do gameta masculino,
tão importante
quando da corrida é hora,
salve!, salve!,
com a permissão do inquilino,
a cauda farta e gostosa
que tem minha vizinha,
salve!, salve!
a cauda da Marta,
a da Alda e a da Jussara,
horrorosa de cara
como a Raimunda,
mas a cauda também abunda,
salve!, salve!
a cauda de Fulana, de Beltrana e de Sicrana,
salve!, salve!
a cauda da Esmeralda,
cauda preciosa,
caudalosa no contorno,
mas,
a rainha de forno e fogão
me tenta, esquenta e requenta,
depois,
faz cu-doce,
além de arroz, feijão
e doce de ameixa em calda,
e nem tirar a sardinha me deixa,
mas,
como cauda é cauda,
salve!, salve!
a cauda do piano,
a do vestido da soprano
e a do contralto controvertido,
salve!, salve!
a cauda da amante,
exuberante no salto alto,
a da rapariga divertida,
a da amiga dedicada
e até mesmo a da esposa,
tão cansada e tão batida,
salve!, salve!
a cauda de verdade
e sem vaidade da Amélia,
a da galinha velha
que dá bom caldo
e a felpuda da raposa experiente,
salve!, salve!
a cauda polpuda
da inocente Amelinha,
a raposinha iniciante
antes negaceia, titubeia,
mas acaba dando bom saldo,
salve!, salve!
a cauda da secretária sedentária
que se encheu de veias
batendo de cabo a rabo
laudas e mais laudas,
salve!, salve!
a cauda da atleta
que malha todos os dias,
cauda sem falha,
repleta de viço e de energia,
salve!, salve!
toda e qualquer cauda!,
da cauda da neta
à cauda da vovozinha,
que cauda é cauda,
não há distinção,
por isso,
meu irmão,
a minha cauda já tirei da reta!

quarta-feira, novembro 09, 2005

Aí!, perdeu!, perdeu!

Aí!,
perdeu!, perdeu!,
fique frio!, fique frio!,
não se mexa!, não reaja!, não se agite!,
não grite!, não muja, não chore!,
não implore!, não dê nem um pio!,
nem me fuja!,
meu camarada,
aja como se nada
estivesse acontecendo,
senão lhe meto aquela ameixa,
e não vou ficar lendo seus direitos
porque não sou ridículo
nem me sujeito a mentiras e gracinhas,
direito é coisa minha
quando sou apanhado pelos tiras,
e adiante o meu lado,
não tenha enfarte,
morrendo antes,
e de morte morrida,
você caga meu currículo,
estraga e suja minha parada,
e eu vou ficar puto da vida,
e vai passando logo tudo pra cá,
menos suas contas,
não preciso desse prejuízo
que nem sei a quanto monta,
depois,
boto você pra sair correndo
com votos de boa sorte e chispo,
você parte e toma seu norte,
e, passado o cagaço,
vai penar um bocado
pra se queixar ao bispo,
ao reverendo, ao rabino, ao pastor,
ao inquilino de algum paço,
e, a pedido do doutor delegado,
vai fazer a lista
do que levei e tinha algum valor,
vai fornecer alguma pista,
dando traços ou olhando uma foto,
mas,
não esqueça,
se não tiver virado presunto,
não seja bobo,
não perca a cabeça
ao falar do assunto na tevê e no jornal,
fale muito bem e bem alto
do roubo e do ladrão,
não banque o ignorante,
seja resignado,
como um irmão decente,
inteligente o bastante
pra saber que é culpado
pelo ambiente que motiva o assalto
e ativa o assaltante
que cumpre só seu papel
no contexto social,
e mais,
nunca tope falar mal,
seja qual for o pretexto,
não dá ibope,
a fala de quem reclama
é repleta de fel, de preconceito,
politicamente incorreta,
de qualquer jeito,
você ainda fica me devendo
seus dez minutos de fama,
mais tarde,
faça bastante alarde
com cartaz e faixa
de sua ONG predileta,
mesmo que não adiante,
com essa atitude legal,
sensível às vicissitudes
dos amigos do alheio,
você se encaixa em cheio
no conceito de sujeito normal!

Cabeça-de-bagre (Outro milagre da mídia)

Em vez de matar
a bola com jeito
e no peito,
com ela se embola
e mata com a canela,
como não sabe
chutar de trivela,
erra ao dar o efeito
e chuta pra fora,
e berra com o time inteiro,
adora tentar um drible
se na hora não cabe,
aí,
dribla a bandeira de escanteio,
e, pelo meio das pernas,
auxiliar do juiz, doutor e gandula,
por um triz,
não dribla até o roupeiro,
entra em campo sem roupa
e pula nu no alambrado,
ele não poupa
nem treinador no treinamento,
ou está machucado,
ou não está cem por cento,
tenta mais um drible
e sai com bola e tudo
pela linha de lado,
pela linha de fundo,
ou perde a bola
e culpa chuteira e gramado,
ou reclama de meio mundo,
não passa de primeira,
não abraça o jogador
que fez mais da metade do tento,
comemora com o povo
mostrando um passo novo,
cobra falta e a bola incauta
vai parar na geral,
é o tal
arte da perder gol
cara a cara com o goleiro,
bota a mãos nas cadeiras
antes de cobrar o penâlti
e bate por cima da baliza,
pisa na bola e se atrapalha,
se não se atrapalha,
falha no passe
ou se embaralha
com algum companheiro,
quando lança,
lança mal
ou alcança
quem está na banheira,
fica puto da vida
com quem não deu a bola,
e com quem deu
quando não a controla,
não ganha bola divida
quando finge que vai nela,
cabeceia de olhos fechados
e com o cocuruto,
nunca com a testa,
e sempre por cima do travessão,
chega atrasado
e protesta contra lançamento
que foi feito na medida,
dá entrevista à tevê,
ao jornal,
e não usa a primeira do plural,
que só sabe usar
a terceira do singular,
e sua foto sai na revista,
e ganha uma grana por mês,
e já bateu o pé
tomou até atitude drástica:
foi rude com a torcida
por causa de armação e perfídia;
já fez plástica no menisco,
joga pelada com artista
e dá belisco
na gostosa de plantão,
a bunda da vez,
e não perde festa
nem badalação,
embora o pessoal o consagre,
é outro milagre da mídia,
mais um cabeça-de-bagre
cheio do dinheiro
que criou fama
e se deitou na cama,
mas,
nem mesmo é o primeiro!

Com muita sorte

Após esse tal de ontem,
e descontem
mais um degrau!,
a nau segue nessa corrida
medida em eus e nós,
eus e nós demais,
e corre por tempo incerto,
que a gente não sabe
se o fim está longe
ou já range bem perto,
mas não há jeito,
muito menos ,
direito ao amanhã,
e o corpo é a nau
na rota da vida,
e o dia sopra,
a noite venta,
a maçã nos tenta
e mais uma mordida
pra sentir o velho sabor,
e a gente alopra e nem se manca,
perde o nexo e bota banca,
come sardinha e arrota camarão,
perde a linha e desanca a razão
com esse complexo de ser superior,
e a gente se orgulha de ser capitão,
o que na mão segura o timão,
e agente nem nota que é pura,
burra impressão
de quem vive às turras com o norte,
pois,
nessa aventura
que não tem carta
nem agulha magnética,
com muita sorte,
antes que a gente parta,
no ponto final,
eu,
você se despede
dizendo que teve só
a tal avaria estética,
o tal desgaste natural,
e que quem fica
fica sentindo algum dó,
embora por tempo breve,
que nunca se demora
mais do que deve,
depois,
eu,
você fede e vira pó.

Flor d'Água

Você,
minha mãe,
é a vida das águas,
desata a cabeceira dos rios
e cria correntezas,
cachoeiras
e cascatas,
depois navega bela e altaneira,
mulher guerreira,
enfrenta os desafios,
traça os caminhos,
com graça, força e raça,
me acalenta, me acalma,
não me nega colo e carinho,
e calor nas noites de frio,
frio do corpo e da alma,
sou sua filha,
mãe Oxum,
nossa gente vê
que brilha em mim
a luz que vem de você,
e assim pra sempre será,
receba as palmas
e o amor de sua Flor d'Água,
saravá,
mãe Oxum Apará,
pra você as palmas
e o amor de sua Flor d'Água,
saravá,
mãe Oxum Apará.

terça-feira, novembro 08, 2005

Mas nunca me deixe!

Me vire, desvire e revire fundo
até mais nada restar de mim,
se quiser me ver
escorrer assim
qual escorre o suor,
me transpire,
se achar melhor,
me ponha na roda
e me rode
à moda de menina
que se alucina
e gira o quanto pode
pra rodopiar o mundo,
faça o que mandar seu desejo,
me trate como um festejo
caso goste de festa,
me encoste
como se faz
com um bem
que já não presta,
que já não tem serventia,
faça tocaia e me atinja
qual se faz com fera bravia,
finja que sou mera cobaia
e experimente suas fantasias
mais imorais e estranhas
nas mais indecentes farras,
me agarre, amarre e encarcere
em suas entranhas,
me arranhe, lanhe e lacere
com suas garras,
e não permita sequer
que eu me queixe,
me serve qualquer prazer,
qualquer afago,
me queira como puder,
seja até um vago querer,
mulher,
faça o que você quiser,
mas nunca me deixe!

É tudo tolice!

Escondes o olhar
atrás de lentes escuras,
mas as do querer
são transparentes,
e vejo com nitidez
as agruras do teu coração
afogado num mar de amor,
buscas um jeito de mascarar
com lápis e batom
a palidez, a emoção dos lábios,
pra que não denuncie a boca,
louca por um beijo,
mas a alma não precisa de cor
pra pintar o desejo que te devora,
te queixas e imploras ao lenço
que não revele o suor
que a paixão põe em tua mão,
mas tantos rastos deixas,
o arrepio denso
que percorre pêlos e pele
e leva direito, direto ao peito,
tomas outros caminhos,
braços, carinhos,
me evitas,
de todos os modos e jeitos,
e não percebes
que nenhum desvio pode evitar
os inevitáveis encontros do amor,
fazes mandingas,
promessas a Santos e Santas,
xingas, maldizes teu querer,
mas não adianta não,
como a cigana te disse
ao ler tua mão,
é tudo tolice!

É só desabafo!

Podem meter a ripa,
baixar o sarrafo na gente,
ninguém vai nos impedir
de seguir em frente,
e não é ameaça, desafio ou aviso,
é só desabafo!,
podem meter a ripa,
baixar o sarrafo na gente,
ninguém vai nos impedir
de seguir sendo esse rio
que suadamente passa,
que suadamente
não pára de ir em frente!,
quando é preciso,
a gente se vira e vai na raça,
que gente como a gente,
afeita à subida escarpada
quando a jornada termina,
gente que se ajeita
na morada tosca e nua,
ofuscada pela luz fosca
que indetermina e acua
a sombra mais renitente,
gente como a gente
que se nutre
com a comida indecente
que toma do abutre
e não se assombra,
gente como a gente
não se acovarda nem medra,
faz da razão gato-sapato,
das tripas coração
e tira leite de pedra,
guarda no peito
a dor que nos fustiga,
dá um jeito e esquece o vazio
que enche a barriga,
o frio que amola a madrugada,
e, quando o bamba se alumbra,
vislumbra a saída
e da agrura do dia-a-dia
faz um samba,
nada mais nos segura,
e nossa Escola deslumbra a Avenida!

sábado, novembro 05, 2005

Imagine então como era...

Mesmo não estando mais
a miúdo dentro da roda,
não sendo mais a xoroca
o centro da moda,
mesmo não sendo parrudo,
mesmo estando
mais pra totó ou bilola
do que pra rola ou estrovenga,
veja só!,
inda provoca pendenga!,
imagine então como era
quando gata,
à cata de bilunga,
caprichava no visual e na ginga
e era freqüente
haver liça por punga,
por tunga de binga e batom,
imagine então como era
quando pantera
comia carne quente,
pedia chouriço, lingüiça
e brachola ao garçom,
imagine então como era
quando madame
não dava bola pro vexame
e se ajoelhava
diante do gregório
fosse no lar ou no escritório,
e valia o tal
do ‘ajoelhou tem que rezar!’,
que tempo bom!,
no mar, na montanha,
na área de serviço e na social,
a disputa era tamanha!,
que era comum
rolar soco e pontapé
até por causa de um zé!;
se ainda há confusão,
mesmo não cabendo mais
a denominação de parte central
face à grande expansão
que sofreu a arte,
tente imaginar como era
quando zero a zero
era uma puta exceção!,
e, mesmo entre os bacanos,
só ocorria por baixo dos panos!

O conselho do Drummond!

Pelo jeito,
o tempo não muda,
não muda a hora,
ninguém se atrasa ou demora
mais do que é preciso,
quem chega,
mais dia, menos dia,
vai embora,
e sem aviso,
portanto,
sujeito,
tome tento,
deixe seu cavalo no meio chuva,
se molhe,
tire os óculos escuros,
olhe,
veja as cores naturais,
ajeite nas costas o arreio,
se há carga de mais
e embarga os movimentos,
por que não a despeja?!,
tire o pé desse freio
que o deixa parado
e cheio de medo
em cima do muro,
sem esquecer
que a virtude está no meio,
dê-se conta dos dois lados,
das duas pontas,
afinal,
se há certa amplitude,
não deve ser à toa,
se pode não ser boa,
pode também não ser ruim,
e, enquanto você fica assim,
fixado em luvas, réis e anéis,
esquece os dedos,
e as raposas o fazem de bobo,
pegam suas uvas,
e os lobos vão atrás da sua esposa,
e nenhum deles tem pudor,
e o rondam, doutor, as saúvas,
num piscar de olhos o trituram,
já trituraram tantos feito você,
com esse mesmo jeito,
com essa mesma arrogância
que, em última instância,
é falta de sensatez,
pois não cabe muito bem
em que precisa ser freguês
de várias refeições diárias,
vitaminas, proteínas, sais minerais,
não cabe muito bem
em quem tem
aquelas necessidades
que aumentam com a idade,
e que, digamos assim,
são um tanto prosaicas,
tão arcaicas
quão o mais arcaico
exemplar da sua raça,
uma lição exemplar
pra quem é capaz de aprender,
falo daquelas necessidades
que o ser civilizado
faz questão de dizer
que não faz no meio da praça,
embora ali faça
negócios bem mais feios, bem piores,
e com maiores e menores,
meu irmão,
já que o tempo não pára,
o relógio dispara
e nenhum tem eterna garantia,
aproveite cada dia da viagem
e siga o conselho ladino
que ao Sabino deu o Drummond:
“caia na sacanagem!”;
se não achar de bom-tom
cair de corpo e alma
por considerar muito louco
e preferir um pouco mais de calma,
caia de cara!

Nunca mais me peça pra não pedir seu perdão!

Não me peça,
meu amor,
pra não pedir seu carinho,
não me peça
pra seguir sozinho
ao sabor desse afeto
que não arrefece
com prece, promessa e ungüento,
não me peça
pra fingir que o peito
não descamba em tormento
com aquele projeto de samba
que não ata nem desata
pois carece de alento,
você!,
não me peça
pra não ir por aí
à cata do seu jeito de olhar,
de se esbaldar de rir
com o que há de mais tonto,
de sentir o que há de mais denso,
por favor,
meu amor,
não me ofereça um lenço
pra enxugar esse pranto
que me consola
quando sua falta
me assalta e amola o coração,
aliás,
nunca mais me peça
pra não pedir seu perdão!

terça-feira, novembro 01, 2005

Ela

Seu sorriso é decote ousado,
seu olhar, pote aberto,
é preciso seu semblante,
transparente qual vitrine,
define o que pensa e sente,
e não faz rodeio
nem manda recado,
fala às claras,
quando começa, não pára,
ela é assim,
começo, meio e fim,
quando ataca, saca,
quando saca, engatilha,
quando engatilha, mira,
quando mira, atira,
e dá tiro certo,
com seu jeito franco,
é preto no branco,
rompante
que desconhece limite,
e não espere brandura
nessa hora,
assim como
se emociona e chora
e com ternura
afaga, acata e se submete,
ela detona, desacata e arremete,
esmaga e fere,
se preciso, mata,
é baluarte no gueto,
guerreira que comanda,
anda na frente e leva o estandarte,
no salão elegante,
a dama tranqüila domina a elite,
dança e desfila,
na hora da prece, é beata,
ora com fervor e abomina o pecado,
na cama,
esquece combatente, madame, devota,
bota pra fora a amante,
mestra na arte de amar,
que não conhece
vexame, fronteira e pudor,
que respira, transpira amor,
ama, goza e faz gozar,
pra quem cultiva e sabe compor,
ao lado do jasmim,
é meiga rosa e enfeita o jardim,
pra quem maltrata a flor,
rasga e fura mais fundo que espinho,
pra quem procura um caminho,
é trilha, ponte
que liga a ilha ao continente,
onde há sede,
é fonte, água abundante,
mas nem tente causar mágoa,
ela muda e vai além do vinho,
azeda, se avinagra,
se dá um boi pra não entrar na briga,
pra não sair, dá toda a boiada,
pra quem necessita,
é fada, é amiga,
entre seus braços,
a alma aflita acha o regaço,
seu seio mata a fome,
a vida se faz no seu ventre,
sabe sentir, rir e chorar,
na paz, é calmaria,
na guerra, ventana e ventania,
sobe nas tamancas,
bota as mãos nas cadeiras,
roda a baiana
e faz a terra ter tremedeira,
é mulher,
mas, quando quer,
desbanca o macho
e fico por baixo,
com muito prazer!

Muito obrigado

O meu cupincha
entrou lá em casa sem pedir licença,
olhou pra mim com cara tensa e amarrada
como se eu fosse um sujeito chinfrim,
debaixo do meu nariz e sem dizer nada,
deu um amasso
e chamou minha patroa na chincha,
e a patroa ainda pediu bis,
depois,
sem fazer cerimônia,
calçou meu chinelo,
vestiu meu roupão amarelo
e tomou conta do banheiro,
fez barba com minha navalha,
ficou um tempão
se esbaldando com a patroa no chuveiro
e se enxugaram na minha toalha,
passou meu desodorante no sovaco
sem a menor parcimônia
e até no saco botou minha água de colônia,
pra culminar,
pôs debaixo do braço e levou a patroa,
conquanto eu não ache explicação,
em vez de sair em prantos,
ele saiu sorrindo!,
garantindo que aquilo ia dar o que falar,
mas, antes de sair,
me disse poucas e boas,
e foi direto contar o feito à vizinhança,
enfeitando ainda mais o pavão,
pegou a molecada
pra divulgar o fato de porta em porta
em troca de uns trocados,
alugou um carro de som
pra propagar em altos brados a façanha,
entremeando a divulgação com música sertaneja,
se gabou e contou vantagem no boteco da esquina,
deu entrevista às revistas Seja e Gente Fina,
editadas pela turma lá da rua,
e a ex-patroa pousou nua,
ele espalhou faixa e distribuiu panfleto
em pleno coreto da praça,
provocou um estouro no caixa do showmício
do candidato a presidente do bloco
“Não Troco Nem Por Ouro
Meu Diploma de Corno Vitalício”,
foi convidado pra fazer de graça
o comercial da cerveja
fabricada no quintal da quitandinha,
deu autógrafo em calcinha e sutiã
de fãs de mais idade,
na verdade,
meu cupincha ficou tão deslumbrado,
que me fez passar por mal educado
pois não me deu nem tempo
de lhe dizer muito obrigado,
muito menos,
de falar pra todo mundo
que vou mandar alianças,
sogra, cunhados e as crianças,
e abrir uma poupança em seu nome
com o dobro da pensão que devia pagar,
pra que possam viver numa boa
e nunca passem fome,
e, tendo sempre fundos,
nunca pense em devolver a ex-patroa!

O bicho

Se ficar o bicho come,
se correr o bicho pega,
muito braços tem o bicho,
cabeças e bocas,
as garras não são poucas,
nem pernas e presas,
e muitos nomes tem o bicho,
tanta sede,
tanta fome,
até parece muitos bichos,
seja maduro ou verde,
ele mastiga,
ele come,
quando não come,
ele cega,
que ela o diga,
nossa velha amiga,
e sua cegueira é antiga,
quando ela tenta
e enfrenta o bicho
com arma de corte,
é muito lenta
e o bicho muito forte,
e mal se arranha,
e quando ela pensa
que o bicho apanha,
avalia e pesa,
cheio de manhas,
o bicho lesa a nossa amiga
e ela se acanha,
e como sói acontecer,
e nem era preciso dizer,
a gente ganha as sobras da briga.

Fez feitiço comigo essa moça

Que ela não me ouça,
meu amigo,
mas,
essa moça
fez comigo
algum feitiço
que não tem fim,
só pode ser isso!,
espalhou seu retrato
por todos os cantos de mim,
não deixou um só intato,
meu peito tem uma pilha,
até parece álbum de família
e não cabe mais nada,
tenho foto dela na carteira,
aquela colada no carro,
bem ao lado de São Cristóvão,
em casa,
então,
a exposição me arrasa,
por onde ando,
esbarro em uma
e me arrepio,
estão em todos os vãos e vazios,
tenho fotografia
até no quarto-de-empregada,
no sótão, tenho um bando,
há uma enorme na sala
e exala perfume mais forte
que a braçada de flores no jarro,
a da mesinha-de-cabeceira é de morte,
não dorme,
me vigia a noite inteira,
proíbe até que eu fume na cama,
em cima da geladeira,
tenho uma que me dá calafrios,
me leva à loucura,
faz um drama
quando como torresmo, paio e chouriço,
e, além disso,
se transfigura,
pelos olhos solta raios a esmo
quando tomo cerveja,
mas,
veja que engraçado,
o retrato muda da água pro vinho,
fica sossegado
quando varro, passo,
cozinho e lavo a louça,
fez feitiço comigo essa moça,
só pode ser isso!

E eu ainda tão cru...

Hoje em dia,
o cartaz é à vista
e, quando é o caso,
a prazo o talento,
é a magia da novela
que concede,
por capítulo,
um título de artista,
e ele, e ela
dá a quem pede
entrevista
e opina sobre o crucial
no atual momento
segundo a doutrina
do seu personal ativista,
passa em revista
o achado que fez o mundo
ficar perplexo mas excitado,
vestígio do sexo dos anjos
em tela de pintor materialista,
e se alista
na claque do compositor
com um baita prestígio,
um craque em compor
complexos arranjos
pras gaitas da Paulista
que andam ensaiando
a peça socialista capital,
é artista demais...
é muito cartaz
e um festival de talento
nu na revista,
e eu ainda tão cru...

sábado, outubro 29, 2005

"O que os olhos não vêem..."

“O que os olhos não vêem,
o coração não sente”,
que grande engano
da sabedoria popular!,
e pra que ninguém tente
dizer que eu minto,
eu vou provar!:
é de amargar
o dano que me faz a pimenta,
me arrebenta o dito-cujo,
e eu sinto
mesmo sem contato ótico,
quase fico louco com a mazela,
quase ponho
o dito-cujo na janela
pra tomar um pouco de ar,
e acho
que ninguém ia se espantar,
no máximo,
iam achar exótico,
e a moda podia até pegar!,
só ando cheio de dedos
e ainda não fiz
porque tenho medo
que vente um vento do cacete,
eu pegue o cacoete
e acabe pedindo bis!

Dê tempo ao tempo

Não se afogue na cachaça
por causa de mulher,
companheiro,
sequer se jogue na fossa
por mais que possa parecer
não haver mais graça,
não se entregue o dia inteiro
à lamúria e ao lamento,
nem descure da aparência,
também não consinta
que a fera minta
e procure alento na luxúria,
na fúria do prazer sem enredo,
mera reticência,
dê tempo ao tempo
e não tenha medo do navegar,
sua vida é o mar!,
marinheiro,
aproveite a calmaria!,
tome pé das correntes,
inserte o acidente na carta,
a maré baixa no roteiro,
vai ajudar lá na frente,
ajeite as avarias da vela,
conserte o leme,
depois,
peça proteção à Iemanjá,
reme e parta,
a qualquer momento
um bom vento se revela,
com ele,
um novo amor virá!

sexta-feira, outubro 28, 2005

Se conselho fosse bom... (I)

Não faça nada,
meu irmão,
se não souber fazer direito
e mais,
faça sempre bem feito,
aliás,
como você não tem fada madrinha
nem varinha de condão,
se não puder ser desfeito,
não vá adiante
sem antes pensar muito
e muito bem!,
vai por mim!,
fazendo assim,
você vai ter alguma chance
de não fazer um papelão,
ou seja,
se proteja cem por cento!,
se possível,
cento e cinqüenta!,
pra não passar vergonha,
e ponha na cabeça
e nunca mais esqueça:
caldo de galinha e água benta
não fazem mal a ninguém!,
portanto,
vamos lá:
não confie só no fado
se se tratar de cartada,
trate de escolher a dedo
e bote de lado
a que for mais arriscada
mesmo se tiver na mão
um trunfo muito bom,
se o medo de perder
tira a vontade de ganhar,
não é menos verdade
que triunfo a qualquer preço
pode ser o começo
de grande derrocada!;
não seja boboca,
fique esperto no seu canto,
atento à demanda da cerveja,
não se lance
de peito aberto à ciranda,
antes veja como a banda toca,
e não avance
em cantada e romance
se não souber quem é a mulher
ou se houver alguém por perto,
mesmo não sendo um macho!;
se não souber bem da platéia,
meu camarada,
não se exponha
explorando fato, cacho ou boato,
não meta na idéia
que é contador de piada
ou craque em fazer caco
se não tiver aquele jeito gaiato,
nem caia na esparrela
de se meter a cantor
se não tiver bossa
ou não souber se é oportuna
por mais que a canção seja bela;
por precaução,
nunca saia
com quem enfurna o que tem
e não se coça
na hora de pagar a despesa;
embora não seja o mais fraco,
só puxe a corda
quando tiver certeza
de que não será forçado
a mudar de repente de lado;
só desembuche
se puder afirmar
que vai falar o que pode ser ouvido,
caso contrário,
fique mudo!;
não seja louco nem otário!,
não entre no jogo,
mesmo se levar partido,
se não souber tudo e mais um pouco
a respeito do sujeito
que vai usar o outro taco;
comece pela borda
mesmo se lhe for garantido
que o mingau já está frio;
e não saia metendo o pau
nem pondo fogo no pavio
se não souber de antemão
o tamanho da explosão,
bem,
meu irmão,
como já diziam antanho,
se conselho fosse bom...

quinta-feira, outubro 27, 2005

Meu retrato

Eu sou assim mesmo,
mistura de rábula
e poeta precário,
levo a esmo cada dia
da discreta loucura
que me repleta
de manias e cismas
que não cita o dicionário,
sou sócio honorário do ócio
e sócio atleta
da conversa fiada,
e vice-versa,
sou partidário da dieta
com moela, lingüiça e torresmo
e regada com aquela cachaça
que atiça em mim
fábula, sofisma e falácia,
graças à eficácia
de um prisma particular
lapidado em banheiro de bar,
consegui descobrir
que o dinheiro não é a saída,
apesar de pagar
entrada e prestação
de boas coisas da vida,
eu sou assim,
calça surrada de brim,
mocassim cambeta
e camiseta chinfrim,
durmo e acordo tarde,
quando pinto e bordo
e o coração fica tinto e encarde,
me ponho de molho na canção
e sonho de olho aberto,
quando tudo está certo demais
ou alguém me faz
favor ou louvor
sem razão aparente,
fico cismado,
eu sou assim
e vou indo em frente,
quer dizer,
vou indo de lado,
que trás de mim
vem vindo gente!

quarta-feira, outubro 26, 2005

Que ironia!

Que ironia!,
é de pura madeira
o manípulo do machado
que sem nenhum dó cesura o tronco!,
que ironia!,
é o nó do coração
abafado pelo ronco do canhão
que desata a paz e a faz virar bandeira!,
que ironia!,
ser sempre capaz
de ser um tenaz discípulo
é que é do bom mestre o grande dom!,
que ironia!,
é diante dos cacos
que o ser consegue preceber
qual é, por inteiro, a sua real dimensão!,
que ironia!,
é na força da mão
ao irmão mais fraco concedida
que a gente conhece o forte verdadeiro!,
que ironia!,
a marca registrada da vida
não é a chegada,
mas a partida!

Tudo se passa como se eu fosse assim!

Se não sou esperto,
não esperto respeito
e ninguém me dá valor,
não devo ter valor nenhum,
por isso,
sempre compro dois
e aceito levar um,
pago pelo prato feito,
não pego arroz nem feijão
e não como no ato
nem carrego pra comer depois,
faço questão
de não dar carteirada
com carteira de estudante
pra não ter direito à meia-entrada,
compro cadeira
e fico exultante com arquibancada,
pago o aviso-prévio
que seu Mévio não me deu,
que o patrão tem sempre razão,
arco com prejuízo, multa, consulta,
quando me indulta o ladrão,
chamo sua atenção,
mas,
com muita educação,
que louco não sou não,
e ponho muito pouco
meus pés no convés do barco
porque acho melhor
quando, no porão,
me enxarco de suor,
acho normal
ser caça em tempo integral,
e qualquer pirralho rouba meu doce!,
por fim,
mesmo sem remumeração,
acho que me enobrece o trabalho!,
na verdade,
minha gente,
e falo meio sem graça,
acho que sou bem diferente,
mas,
como as autoridades
fazem gato e sapato de mim,
tudo se passa como se eu fosse assim!

quinta-feira, outubro 20, 2005

Chega!

PARTE I
Chega desse pingo de pinga,
de catinga de bode
por carência de banho,
desse moleque com ranho
por ausência de vitamina
e de sacode diário na esquina;
chega de gringo sem ginga
virar sambista honorário,
aí... desafina o samba
quando entra na pista
e descamba pro tango
abanando leque feito de mango;
chega de loucura,
essa fartura de nego no guichê
à procura de emprego,
menina fazendo michê pelo rango
e sujeito que dá propina
pra, depois, pichar o samango;
chega desse pessoal cara-de-pau
que acha muito normal
privilégio, caixa dois,
carência de colégio,
hospital e habitação,
até mesmo de arroz e feijão;

PARTE II
chega!,
minha nega,
não agüento mais esse carma,
não tenho mais saco
pra encarar as armadilhas
que essa quadrilha tanto arma,
mas,
sem ilha paradisíaca
pra fugir dessa matilha
e curtir um bom descanso,
vamos juntar ranços, cacos,
trancar o barraco e mandar ver,
pelo menos,
vai ser gozado,
eu tentando ser tarado
e você, ninfomaníaca!,
quem sabe assim,
por fim,
a gente faz sucesso
e ainda arranja grana
com a venda de ingresso?!

sexta-feira, outubro 14, 2005

Não é bravata não!

Não é bravata não,
troquei paletó, gravata,
pisa e peruca grisalha
por camisa de algodão,
bermuda de linho,
boné e sandália,
e veja só você
como é que é,
em razão da muda
mudei vida e bebida
da água pro vinho,
quer dizer,
pra uca e cerveja,
me livrei
da bandida ilusão
de ser o mocinho
do horário comercial
indo atrás
do bandido numerário
e passei a quebrar o pau
ou a fazer chiste
quando a mulher
quer tomar satisfação,
contudo,
como a perfeição não existe...
há um senão,
minha nada simpática
hepática glândula,
pois,
apesar do afago
ou, caso prefira,
do soldo que pago
em boldo-do-chile,
vira e mexe,
ela pira e escândula faz
por escabeche ou trago,
aí,
tome bile
e bile que não acaba mais!

sexta-feira, outubro 07, 2005

É só um jogo?!

Nunca se coloque
em perigo o rei!,
não sou eu que digo,
é a lei!,
então,
que o monarca
fique no roque
pois a fuzarca é fogo
quando não é treino
e o reino está em jogo,
que de peão em peão
enche o papo a rainha,
de esguelha o bispo caminha,
o que não é fácil,
e a casa pode cair
se não for na linha certa,
aliás,
pode cair o palácio,
por sua vez,
o cavalo alerta
e de orelha em pé
faz suas manobras,
salta uma vez, salta duas, salta três,
mas não vai reto,
dobra no meio do trajeto,
e até salta a ré
pra não deixar na mão o rei,
e o rei
acompanha os lances,
os avances, os breques,
mas,
um olho na campanha
e outro olho na lei,
pois sabe,
não havendo empate,
se não souber dar,
vai levar xeque-mate!

Estou seco

Que ela não me escute,
mas,
estou seco
pra calçar um bute,
dar um chute
no pau da barraca,
dar um bico na matraca
e ficar livre do enxeco,
já tô de saco cheio
e não vejo a hora
de poder mandar
essa bruaca pra escanteio
e acabar com seu desfrute,
mas,
se não tiver tento
e der agora,
na certa,
o tombo vai ser feio,
tanto quanto
o rombo no orçamento,
e vou ficar
num beco sem saída,
que a unha-de-fome
é mais esperta
do que eu supunha,
me enrola,
rebola e me dá come,
toca de efeito,
se dá bem em bola divida
e não põe
a grana no meu nome,
portanto,
o jeito
é tocar a vida a dois
e deixar a gana pra depois!

Falta de fósforo

Quase já sem fósforo
pra riscar
e acender a lembrança,
ando qual criança,
dei de fazer lambança
a torto e a direito,
saio pra comprar
garrafa de Mar Morto
e levando tarrafa
pra pegar vinho do porto,
dei de querer depenar
o Bósforo do vizinho gordo
e de tentar navegar
pelo Estreito da Galinha
porque a vizinha
não quis fazer acordo,
e ando jurando
que se foi de véspera o lorto
e numa festa do peru,
mas,
tem um lado que presta,
a patroa fica numa boa
e já não reclama
quando tiro a roupa
e fico nu na cama
enquanto a babá
está me dando sopa!

quinta-feira, outubro 06, 2005

Que zona!

Meu camarada,
que zona!,
nas minhas bochechas,
e sem me dar
ao menos uma deixa,
alguém tirou
azeitona e camarão
da minha empada,
em compensação,
quando dei por ela
e pensei em fazer queixa,
o alguém me telefonou
do meu celular
e jurou me dar o troco:
ameixa e quatro velas;
como não sou louco,
fiquei na minha!,
aí,
tocaram a campainha
e me deram um susto,
mas era
aquela senhora vizinha,
um avião!,
busto de fora,
sem calcinha
e fazendo gracinha
pra cima de mim,
fiquei tonto
e a fim de perder a razão!,
mas,
caro ouvinte,
de pronto,
lembrei do Joaquinzão,
o consorte,
além de muita sorte,
tem dois metros,
cento e vinte quilos
e aquilo roxo,
aí,
o meu ficou frouxo,
soltei um muxoxo,
revirei a munheca
e gritei:
vade retro, dona Teca”;
que zona!,
meu camarada,
fiquei sem recheio na empada
e na parada inda fiz feio!

Assim não dá!

Mulher,
me amarro em você,
mas,
vai por mim,
assim não dá!,
não dá não!,
é sarro, esfregação,
amasso, beijo, abraço,
desejo gemido
ao pé do ouvido
que a gente
chamega sem parar,
entretanto,
na hora H,
você sai fora,
alega
quebranto difuso,
se apega a fuso horário,
pega a falar
de ovário confuso
e me deixa a perigo,
literalmente na mão!,
qual é,
mulher,
assim não dá não!,
não há quem agüente,
você vai acabar
acabando comigo!,
se você quiser,
a gente até se casa,
e sua vida
vai ser conto de fada,
casa, comida, empregada,
carro caro e chofer,
eunuco,
é claro,
que não sou maluco!,
e você
nunca mais
vai andar lisa
que conta e cartão
não vão ter limite,
você só precisa
aceitar meu convite
e ser a rainha
da minha bateria
e do meu carnaval,
e desfilar
do quarto pra sala,
da sala pra cozinha
e da cozinha pro quarto
com aquele salto alto
e sua fantasia natural!,
e mais,
pode fazer
a arte que você quiser,
mulher,
que eu vou atrás
sem perder teu passo
e o compasso do teu samba
que sou bamba nessa parte!

quarta-feira, outubro 05, 2005

Com um canto, eu me contento

Com um canto, eu me contento
(Luiz Moreira)

Embora queira tanto,
não piso nesse terreiro
de qualquer maneira,
primeiro,
peço licença
a quem tem merecimento
e brilha no pedaço,
não que eu seja santo,
mas tenho tato,
meço tudo que faço
e tomo tento no que digo,
que não viso desavença
nem sou aventureiro,
depois,
passo pela porta de serviço,
eu não ligo,
não me apoquento,
não há vergonha nisso
e o trabalho não me humilha,
e se surgir algum atalho,
há de ser,
de fato,
da minha trilha cem por cento,
parte do meu caminho,
que ninguém o corta,
ele não comporta essa arte,
e aviso,
meus amigos,
não preciso de muito espaço,
num pequeno me abrigo,
faço um ninho,
com um canto,
eu me contento.

Não é assim não

Casa de ferreiro, espeto de pau,
com todo o respeito
que merece de mim
a sabedoria popular,
qual nada!,
meu irmão,
não é assim não,
é só modo de falar,
se fosse desse jeito,
mestre-de-obras
moraria em prédio sem cozinha e banheiro,
marceneiro poria as coisas no chão
por falta de armário de madeira,
cobras do ludopédio
não jogariam pelada no quintal
nem tomariam banho de banheira,
assistente social não aceitaria donativo,
papa-defunto seria enterrado sem esquife,
cuteleiro cortaria o bife com garfo e colher,
dono de lupanar não ia arranjar mulher,
empresário do setor auto-motivo
ia sempre andar a pé,
não haveria fé em lar de pregador,
nem remédio no de boticário,
em casa de artista,
não haveria tragédia, drama ou comédia,
colchoeiro dormiria em cama sem colchão,
em moradia de dono de bar,
biriteiro ia ficar a ver navios,
ginecologista saciaria o cio de outra forma,
nunca fazendo amor,
a norma em casa de bamba ou de batuqueiro
seria não haver roda de samba,
por favor,
meu irmão,
não é assim não,
casa de ferreiro, espeto de pau,
é só força de expressão!

Aos meus Orixás

Minha saudação,
meus orixás,
saravá,
que hoje é quarta-feira,
kauô kabiecile,
Xangô,
meu pai,
deus do raio e do trovão,
senhor das pedreiras,
filho de Yemanjá,
que teve de Orânhiã
também Dadá e Xampanã,
saravá, rei de Oyó,
sei que não mereço, mas me abençoas,
sei que me proteges
mesmo se esqueço de te pedir,
perdão,
meu pai,
pra me redimir,
já estão no peji teus axés,
xeré, oxê, coroa, braceletes,
e pra comer
tem amalá, caruru e muito dendê,
em trinta de setembro,
no teu ossé,
pode deixar,
eu lembro de botar no banquete,
acarajé, feijão preto, farofa e arroz;
sois minha mãe,
Iansã,
mãe Oyá,
saravá,
esposa do rei,
epahei,
rainha guerreira,
com tuas pulseiras,
teu colar de balangandãs,
e essa tua beleza,
eu nunca vi outra igual,
tens os ventos, raios,
as tempestades nas mãos,
teu temperamento é pura paixão,
e com firmeza e teus axés,
teu alfanje, teu iruexim,
tanges o mal pra bem longe de mim,
por tua proteção te agradeço,
minha mãe,
em tua mesa tem amalá, acarajé,
em quatro de dezembro, no teu ossé,
pode deixar que lembro de botar
feijão fradinho e muito dendê
e não vou esquecer o milho branco,
saravá, meus dois orixás,
vestidos de vermelho e branco,
saravá,
meu pai,
saravá,
minha mãe,
que é quarta-feira,
por favor,
sua proteção,
com amor e emoção,
Luiz Moreira.

Cada vez mais Rio

O Rio tá cada vez mais rio,
Rio que corre,
escorre pro mar,
e leva casa, rua, ponte,
arrasa quarteirão,
e barracos leva aos montes,
mas janeiro é janeiro,
e não há nada a fazer
com as chuvas do verão,
mas vem fevereiro, março, abril,
e o Rio segue rolante
como antes nunca se viu,
tanto que as águas
nem precisam rolar,
rola o Rio e dá até pra pescar
na Vargas com Rio Branco,
agarrado ao barranco
pra não se afogar,
que o tranco não é mole,
e sai outro gole
que a água anda fria
na Praça da Bandeira,
e na Brasil,
e não é brincadeira,
nem pense em travessia
sem ajuda do pessoal,
aquele que nos alivia
do peso do vil metal,
a gente fica mais leve e flutua,
escoa melhor,
e quando a rua seca,
a turma sapeca
mais taxa, imposto,
contribuição de melhoria,
e mais a gente deve,
e tira esse riso do rosto,
senão tributam sua alegria.

Blefe

Ainda me iludo
com esse moderno teatro:
“Peixe graúdo
de terno e gravata
pego em mutreta polpuda”;
eta! bravata!,
porque o bicho é mixo,
arraia-miúda
que cabe em foto 3x4,
mas,
o pessoal do papo furado
outra vez me empulha,
lança de mão de microscópio,
amplia a agulha
e me mostra um tubarão,
e me faz de palhaço
com esse ópio de segunda,
ou seja,
pegam um sócio bunda
de um negócio oceânico
e fazem o maior estardalhaço,
e o chefe,
sem pânico e sem alarma,
vai no comando da gangue,
chupando nosso sangue
e mamando com a mamata,
e achando graça do assunto,
bebendo champanha
e comendo presunto de parma
no intervalo entre campanhas
e a caminho do Adriático
a bordo de um iate
de pés e cavalos que não acabam mais
e âncoras de mais de dezoito quilates,
enquanto o âncora carismático
de algum jornal afoito
fala com tanta alma e gana
do revés do colarinho branco,
que não me manco
e acabo achando simpático o blefe
e batendo palma
ao ver o mequetrefe entrar em cana
pra sair depois de umas semanas!,
mas,
no fim do noticiário,
sigo com ritual diário
me dando umas bananas!

Sonho

Sonho é balão
sem amarras, sem lastros,
é alforria
de coração amolado,
cansado de bater de rastros,
sonho
não carece de guia, de leme,
nem esbarra na razão,
não teme frio, calor,
alegria, pranto...
as incertezas certas
do dia a dia,
sonho
não abre mão de flor
por recear espinho,
não desiste de amor
por temer desencanto,
não troca de caminho
por causa de pedra,
sonho
medra e arde sem medo,
sabe que sonho sempre cabe,
que pra sonhar
nunca é cedo demais,
jamais é muito tarde!

domingo, outubro 02, 2005

Desilusão

Porta que corta
e sela emoções
em porões sem janela,
subidas e descidas
em infindas escadas,
idas e vindas
em vielas escuras
à procura de entradas
que dão em becos sem saída,
sobre a mesa,
folhas e mais folhas amarelas
preenchidas com um vazio
frio e seco
pela fraqueza
da mão sem esperança
que a lembrança desespera,
exaspera de todo a inspiração!

sexta-feira, setembro 23, 2005

Essa louca não tem limite!

Não há compêndio
que fale de coisa igual,
com fogo de palha
ela faz incêndio
e se espalha
tal qual boato,
aliás,
muito mais!,
que não é só boca a boca,
é tato a tato,
corpo a corpo,
leito a leito,
evite essa louca!,
essa louca não tem limite!,
não lhe serve
a verve de paixão intensa
cheia de densas emoções,
não...
não lhe serve...
só lhe ferve veias e artérias,
só lhe incendeia as entranhas
a luxúria pela luxúria,
a fúria e a miséria
de espúrias sensações,
a sanha de cios desvairados,
ela não quer
que você zele por ela,
não quer
que seus lábios sele
com beijos apaixonados,
não quer
que um arrepio
revele os desejos dela,
ela não quer o prazer
que um gemido extravasa,
ela quer ter na pele
marca de ferro em brasa,
quer o berro sofrido
de um ser que se esfacela!

quarta-feira, setembro 21, 2005

Freqüente o bar certo

Você não tem sido esperto,
aliás,
tem trocado o certo pelo duvidoso,
não enfrente mais
cerveja quente em copo seboso,
tira-gosto sem sabor,
pois dormido e requentado,
papo chinfrim, furado e pastoso,
nem entre nessa de aturar gente
doente de eterno humor ruim,
que já era exatamente assim
no ventre materno,
depois,
ao que parece,
levou um baque do berço
durante um ataque de estresse,
hoje,
não há santo que agüente,
por fim,
pague somente um terço
do tanto que paga ao concorrente!,
não se iluda com o que há por aí,
freqüente o bar certo,
Bar da Dona Micas,
que fica ali no arrebalde
e dali não se muda!,
agora,
um aviso preciso dar:
salde em dia o total da conta,
quem apronta e banca o esperto
ou faz barganha na hora de pagar
sempre se dá mal,
que ninguém cinza Dona Micas,
ela sabe manhas e artimanhas,
e perde a calma,
fica ranzinza e pisa nas tamancas
com a falta de um vintém,
aí,
não tem pra ninguém,
não arranca o escalpo,
mas deixa a alma incauta
em palpos de aranha!

segunda-feira, setembro 19, 2005

E faço que sei o passo

Contemplo o paço
e faço que sei o passo
que faz o rei,
faço que sei
que seu passo maneiro
não sai da linha,
faço que sei
que o rei capricha
nos pormenores da lei
e que o salsicheiro
segue seu exemplo
quando faz a salsicha,
faço que sei
que o rei não se embriaga
com vinho de suas vinhas
servido em taça de cristal,
faço que sei
que o dinheiro do rei
vem todo da mina real,
não da paga do zé-povinho
dos arredores do paço,
faço que sei
que não tem o rei
emoções ferinas,
relações espúrias,
nem troça da nossa moral
nos braços das concubinas,
faço que a rainha
não inspira, expira
e transpira ciúmes,
nem conspira
com fúria e azedume,
faço que a corte
não cochicha nem comenta,
faço que a patuléia,
quando se espicha e tenta,
se faz ver e ouvir
no interior do paço,
faço que é injúria
dizer que nossa queixa,
que nossa lamúria
deixa o rei de mau humor,
irritadiço e com cefaléia,
faço que é denegrir
o nome do rei
dizer que é omisso,
dado à incúria
e tem prazer
com o vezo
de sentir desprezo
pela fome,
pela penúria plebéia,
faço que sei
tudo isso sobre o rei,
que não sei bem
o que mais posso fazer!

sábado, setembro 17, 2005

Mudam as moscas, mas a merda é a mesma

Preste atenção,
não me diga
que é algo recente,
pois,
tal qual a roda, a moda...
(quase que a rima
me anima!),
é coisa bem antiga,
por isso,
moleque,
entro com esse aviso:
pise no breque
e não reinvente a reinvenção,
nem atente contra o juízo
jurando que a questão
tem novo centro!;
meus símbolos,
meus ídolos,
meus ícones
já tinham silicone,
só não era tão aparente,
só não se aplicava
como se aplica agora,
só não ficava o resultado
tão claramente do lado de fora,
mas era silicone igualmente,
embora posto
mais lá pra dentro,
e bem ao gosto do cliente!;
por ser assim,
só vi o indício no fim,
quando foram embora
na mão do vício ou da peste,
por isso,
preste bastante atenção,
bata palma, admire,
fique radiante,
perca a calma
e pire até
na hora da louvação,
mas,
não se entregue à isca
qual faz o peixe,
não deixe
que bisca ou rosca
deixe sua razão
ainda mais fosca,
mais tosca do que já é,
e faça de você um mané,
uma lesma,
e lesma mais lerda,
pois,
mudam as moscas,
mas a merda é a mesma!

sexta-feira, setembro 16, 2005

Mas vem a hora do castigo

Vida confundida
com conta no banco
em franco progresso,
com fama e sucesso,
um dia,
o neon se derrama,
a magia ecoa e inebria,
o dom embriaga e cega,
e a gente vira rei,
rei dos reis,
e a gente nega, renega
e apaga o metro,
e tira a própria medida
por cetro e coroa,
aí,
sou mais distinto,
mais sei,
sinto bem mais,
sei que não preciso
de conselho ou aviso
de amigo ou amiga
nem de lição antiga,
não preciso mais ver
os olhos vermelhos
de irmão, de irmã,
de ex-paixão, de ex-amante,
precisei cativar antes,
agora é cativo o fã,
e pinto e bordo,
e faço e aconteço,
acordo e ativo a sanha,
consinto a manha e a tara,
meu desejo dispara
e obedeço,
e me despejo,
como sou meu exemplo,
esqueço oração,
despeço meu santo
não mais me confesso
e passo ao largo do templo,
mas vem a hora do castigo,
sem um só coração
disposto a nos dar abrigo,
resta o pranto
e o gosto amargo da solidão!

Esse desejo esquisito da patroa

Esse desejo esquisito da patroa,
e na nona gravidez,
me deprime,
não é de grávida sublime
ávida pra matar a vontade,
muito menos encargo banal,
na verdade,
trata-se de infração penal,
instigação ao suicídio,
quer dizer,
ao auto-homícidio
usando as mãos de alguém,
ou incitação ao crime,
veja só,
pargo frito
com creme de aspargos
e gelatina de morango silvestre,
às três horas da matina
do derradeiro domingo do mês?!,
onde já se viu?!,
ela quer que alguém me defenestre
ou que eu seqüestre
o dinheiro de quem tem,
é mesmo de amargar,
gente fina!,
desejo assim
é coisa pra ver
em fita de vídeo alugada!,
ou, então,
em notícia surrealista
sobre alguma artista
dada em coluna social!,
mas,
a patroa é do lar
e sou um pobre pedestre,
um mortal desempregado
sem um pingo de cobre no bolso
e com todo esse alvoroço,
com toda essa zona
que a turma do bonde faz lá fora,
não tem como,
agora,
se Dona Honória,
vizinha da casa seis,
puder doar
um molho de chicória
e jogar aqui na cozinha,
por cima do muro do quintal,
minha cara-metade toma um caldo,
e olhe lá,
e se o desejo deixar algum saldo,
que durma de bruço da próxima vez,
se não evita desejo,
é tiro e queda pra evitar gravidez!

Galo da boca pra fora

Esse galo come sardinha
e arrota camarão,
e canta de galo,
mostra crista, bico, espora,
se pavoneia,
esperneia e cisca um bocado,
estufa o peito
e canta que é brigão
até dar na vista!,
mas,
é galo da boca pra fora,
que esse galo duma figa
adora sim uma rinha,
mas com pinto e galinha,
aí,
cresce, fica brabo,
briga, faz e acontece,
deita e rola,
canta palavrão a torto e a direito,
esfola, amarrota, escalpela,
dá safanão pra todos os lados,
quase dá cabo dos coitados,
entretanto,
quando aparece outro galo,
fica cheio de dedos,
se a coisa engrossa,
perde bossa e rebolado,
se mija, se borra, se péla de medo,
entre as pernas enfia o rabo,
no saco mete a viola,
e o canto,
e dá o pira,
guarda a valentia pra ir à forra
quando a galinha
ficar de novo sozinha,
há mesmo galo assim,
tão chinfrim,
tão dado a tal mudança?!,
ou meu canto
é um canto torto
que canta uma mentira?!,
por fim,
uma advertência:
qualquer semelhança
com galo vivo ou morto
terá sido mera coincidência!

"Mea culpa"

Miser ego homo,
e sei como agora!,
mea culpa,
mea culpa,
mea maxima culpa,
tomara!
qu'inda seja hora
de fazer mea-culpa!,
e faço,
durante boa parte,
bom pedaço da vida,
por pretensão,
desatino,
falta de tento e arte,
perdi totalmente o norte,
completamente a medida,
e pensei
que pensava
pensamentos isentos,
e pensei
que pensava
pensamentos genuínos,
e me senti
um arrogante ilhéu,
subida ilha,
ilha fora mapa,
ilha protegida por capa
forte e brilhante,
meu mar!, meu céu!,
e me senti solo e semente
e pensava cada pensamento
como um reto fruto todo meu,
e me senti óvulo e esperma
e pensava cada pensamento
como um bruto feto todo meu,
embora não fosse
palerma o bastante
pra fazer insultos à inteligência
a cada instante,
a cada minuto de cada hora,
nem bastante astuto,
vejo agora!,
passei boa parte da existência
assim pensando,
tinha arroubos de pleno adulto
mas era um crente,
inocente,
um menino bobo!,
mea culpa,
mea culpa,
mea maxima culpa,
pensando assim,
pensei pensar
isentos e genuínos pensamentos
por quase uma vida inteira,
mas o destino pôs fim
nessa besteira,
acabou com essa crendice,
e custo a crer agora
que andei convecido dessa tolice...
um pensamento todo meu...
exclusivamente meu...
e não tive um só pensamento
que não tenha sido
resultado de algum legado,
de alguma herança...
custei um bocado
a deixar de ser criança,
a fazer mea-culpa,
miser ego homo,
e sei como agora,
e mea-culpa faço,
tomara!
não estar além da hora
nem mesmo um passo!,
mea culpa,
mea culpa,
mea maxima culpa!