quarta-feira, fevereiro 27, 2008

Nem em bruxa dá certo

Nunca vi feiticeira
dar bobeira
tão mole assim
e tão feliz com um nasal
que mais parece chafariz,
no botequim,
pra espanto geral,
deu o gole do santo
e com gosto pagou o trago
do pinguço pedinchão,
e lhe curou o soluço,
fez questão de derramar
pó errado no caldeirão
e, em vez
de poção indigesta,
fez pudim caramelado,
fez festa, afago
e amparou ancião
cansado da lavoura
que achou largado
em posto de saúde,
e, veja você,
perdeu brevê e vassoura
de uma vez só
que teve dó da velhinha
e tomou atitude,
parou em lugar proibido
e a cruzar a rua
ajudou a vovozinha,
pra completar,
bate de frente
com mago envolvido
em estrago e falcatrua,
ajuda com desvelo
gente miúda de orfanato,
não divulga fofoca
nem provoca boato,
não julga sem prova,
nem é de botar
a tesoura em ninguém,
e inova no ofício
que tem o vício
de fazer magia boa
e, em vez de uivo
e gargalhada sombria,
paz e amor apregoa animada,
puxa!,
já li folheto de bruxa
e não vi
desmazelo tamanho
nem no mais progessista,
mas,
pra ser franco,
também
nunca tinha posto a vista
em feiticeira
com cabeleira dessa cor!,
e o cabelo não é preto
nem branco nem ruivo nem castanho!

sexta-feira, fevereiro 22, 2008

Bloco Mete com Vontade

Num passe de magia,
você se planta
na minha frente
com classe de cabrocha
sobranceira e tranchã,
debocha sem medo
do amanhã de manhã,
patrão, refeição, moradia,
e a bandeira
do Mete com Vontade
levanta na marra,
saca dos quadris
farra e folia,
e me ataca e reboca,
e da maloca o bloco zarpa
levando
enredo e comunidade,
e cantando canção que diz
de cortar dobrado
e suado dia-a-dia
que a gente teima em teimar,
de impulsão em impulsão,
o bloco
arpa novo folião
e o povo cresce
e vai adiante,
e com fé
no chão escaldante
a gente queima o pé,
e o bloco sobe na raça
ladeira escarpada
e quem vem atrás
açula quem vai na frente,
e desce escarpa sem arruaça
que desce
em fileira organizada
e quem vai na frente
estimula quem vem atrás,
e dobra a esquina,
que segredo ela guarda?,
nos aguarda que destino?,
mas,
o bloco
não amarela nem desatina,
se recobra da guinada
na balada do hino
e faz o que lhe compete,
Mete com Vontade
o dedo na cara
de placa d’inauguração de hospital
que não tem nem estaca
e de colégio tombado por temporal
e desatenção de autoridade,
Mete com Vontade
o dedo na cara
de privilégio, vantagem e regalia,
e de propina e comissão
que vem de patifaria e ladroagem,
que o Mete com Vontade
encara caminho
de farpa, espinho, dificuldade,
mas,
não aceita treita,
esculacho
nem cambalacho,
e que se frise bem
pra que ninguém esqueça,
o Mete com Vontade
com baixa
se choca e deplora,
mas não se amedronta,
chora, afronta o luto
e toca a vida
de fronte erguida
que o Mete com Vontade
não abaixa a cabeça
nem debaixo
de marquise, ponte e viaduto.

quarta-feira, fevereiro 20, 2008

Panamá tem serventia

Acho
que me achei
um bravo macho,
aí,
fiquei todo prosa
e resolvi bancar o vivo,
então,
driblei o cravo
e decidi passar
pelo crivo da rosa
debaixo de uma sacada,
mas,
minha atuação
não foi aprovada
que a chave não achei
nem bati na trave;
noutra ocasião,
em vez de palma
e favo de mel,
recebi uma glosa
da canção e do verso
e a alma ficou louca
com o travo perverso
que restou na boca,
incontroverso gosto de fel;
isto posto,
cabe falar
que o chapéu de palha
calha bem em mim,
inda bem!,
assim,
posso tirar o panamá
e homenagear
com o chapéu na mão
quem passou altivo
pelo crivo da rosa
e não ganhou glosa
do verso e da canção!

segunda-feira, fevereiro 18, 2008

A folha e o carbono

Sob a folha
o carbono fiel:
estação vem e vai,
vai e vem estação,
vai o verão
e o outono vem e raia,
mas,
folha é vento,
sem sustento,
a folha cai,
e não há sob o céu
estação que vá
e não volte,
nem folha
que não se solte e caia,
e não adianta
poção já descoberta
nem alguém garantir
que há de surgir
santa poção
que há de adiantar,
quando acabar o verão
e o outono chegar,
na certa,
a folha há de cair!
que o carbono
é leal ao escrito
e o escrito
em cada folha é igual!

sexta-feira, fevereiro 15, 2008

Não manga do que devia

Não é legal mangar assim
qual você manga,
tal mangação é de amargar,
você manga na minha lata
do comprimento da manga
do meu paletó monocórdio,
do nó górdio
da minha gravata
que nem com cartilha
minha família desata,
manga de mim
em razão
do meu bobó de camarão
só porque não tem
camarão nem aipim,
manga
porque, na subseção
em que me asso pelo pão,
não passo de um mequetrefe,
o sub do sub do subchefe,
manga do meu clube
porque ele é o lanterninha,
manga sem dó do pobre chinó
que me emprestou a vizinha
e que me cobre o deserto capilar,
manga
da monofagia no meu lar
monossilábico de fato,
um aposento só
e só à farinha
o prato não tem alergia,
manga
porque sou de atamento
e vou embora
em latim ou arábico,
manga de mim
em dia que tem feira
e em dia que feira não tem,
e de janeiro a janeiro,
agora,
não manga do que devia,
do que dá pano pra mangas,
minha mangueira
que o ano inteiro
dá aquela fruta
que sua mullher deixa louca,
tão louca
que, a toda hora,
a fruta quer botar na boca!

Verbo solto

Se pensa que não é sério,
está enganado,
rapaz,
por conseguinte,
seja bom ouvinte
e me acate a sugestão,
trate de guardar
bem guardado,
e não abuse ao usar,
use com critério
e somente
na devida ocasião,
não o solte jamais,
tenha cuidado
com bebida,
euforia imensa,
emoção em demasia,
discussão,
mesmo que não seja tensa,
e o escolte sempre
cem por cento atento,
não deixe
o verbo correr solto,
verbo solto é mar
e o mar pode ser violento,
e mar violento não respeita
medida nem contenção,
mar revolto pode afogar
ou deixar miséria
ou uma séria ferida,
ferida que supura,
não aceita sutura
e cicatrização rejeita,
e pode doer a dor
por toda uma vida
se for um amigo,
um irmão,
um amor arrasado,
ou se o ganho
for alguém estranho
que virou um inimigo danado,
tenha tento
pra não deixar
o verbo correr solto,
verbo solto é mar
e o mar pode ser violento!

quarta-feira, fevereiro 13, 2008

Não era seu dia de sorte

Era dia de boemia
e mais um dia
de vai-da-valsa,
aliás,
todo dia era dia
que o rapaz
não fazia distinção,
botou camisa de fazer vista
sem espalhafato
e calça de feito e conquista,
calçou sapato
de quem sabe onde pisa
e desliza bem,
independente de dama e salão,
depois,
pôs o panamá
de fama e respeito,
por fim,
caprichou no extrato
que fazia brotinho
brotar em seus braços,
e fez os passos
de pegar bonde andando
e foi pegar,
que sujeito assim
não é tonto de ficar
no ponto esperando,
e pousou no estribo
tal qual passarinho,
e não deu estribo
ao seu condutor
que nem insistiu,
e seguiu seu caminho
ao léu do vento
de abrandar calor
sem revoltar cabeleira
que seu chapéu
não era de brincadeira,
na Galeria Cruzeiro,
não queria,
mas,
não era seu dia de sorte
e ficou diante
do desespero do Bento
de quem Iara roubara,
companheira e amante,
e a capoeira
não venceu a garrucha,
o estrebucho se deu
e na bucha veio a morte
com feio ferimento no bucho!

terça-feira, fevereiro 12, 2008

Uma tal de dama da van

Você apronta sem acanho
e bem além da conta,
depois,
quando estamos sós,
só nós dois,
chora de soluço e solavanco,
de ranho encharcar o buço
e pingar no chão,
perdão implora rasgando blusa
que você não usa sutiã,
e faz jura beijando a cruz,
fura-bolo com fura-bolo,
jurando
que a jura não é vã,
e eu me comovo
com tanta emoção
e de novo banco avestruz,
e te perdôo mais uma vez,
mas,
assim que anoitece,
você esquece que fez
mais uma jura pra mim,
se solta e levanta vôo,
sai à procura de festa,
e da refrega só volta
quando amanhece,
e o pessoal esfrega
a mão na testa
quando me vê,
e comenta
de uma reputação
que na lama chafurda,
e me atormenta
falando de uma fã
d’A Dama do Lotação,
uma tal
de dama da van,
mas,
você que verseja
e apregoa
que paixão é assim,
surda e cega,
me diga:
por que
você graceja
e até me fustiga,
pega no meu pé
e caçoa de mim,
por quê?!

quarta-feira, fevereiro 06, 2008

Água!

Água de fonte boa,
fonte boa de água
que pela serra
não escorre à toa,
escorre
pra saciar tua sede,
escorre
pra regar o cio da natureza,
o da terra,
o do rio,
o do mar,
corre pra te dar certeza
de que tua luta
não vai ser vã,
que amanhã
a fruta tua mão vai colher,
e vai nascer o peixe,
peixe
que em tua rede
vai se aninhar,
água que corre
pra refrescar
teu corpo suado,
cansado de trabalhar,
água boa da fonte
que surge
na cima do monte
se anima
e escorre transparente,
e corre pra toda a gente,
urge vigiar,
não fique à aguarda
de alguém
que guarda monte,
monte você,
e monte já,
não deixe a água acabar!

sexta-feira, fevereiro 01, 2008

Oração pelo Rio

Cidade linda,
mas,
tem capitanias
e a crueldade
dos piores capitães-mores
e seus melhores cães de guarda,
e maiores, e menores,
tem águas turvas e avanias
nas curvas das suas águas,
meu Rio,
o que mais te aguarda ainda?,
mas,
apesar do risco,
do meu Rio não desisto,
luto e não reluto em rezar muitíssimo,
meu Cristo Redentor,
Santíssimo, Santo Cristo, Santa Cruz,
por favor,
ouvi-me a prece,
Piedade! Piedade! Piedade!
que por todos os cantos
a cidade carece tanto de luz,
Todos os Santos,
Santa Tereza, São Conrado,
São Cristóvão, São Francisco Xavier,
tenho certeza
que estarão ao lado de São Sebastião,
que ajudarão o padroeiro
a ter Paciência pra cuidar de seu mister,
resgatar São Sebastião do Rio de Janeiro,
Padre Miguel,
com sua suprema devoção,
ao Céu implore
clemência e Água Santa,
e tanta
que dê pra benzer o Rio
de janeiro a janeiro,
e que a bença não demore,
senão,
em vez de bença,
há de ser extrema-unção!
posto
que o Rio
anda tenso e violento
e a qualquer momento
de mala e cuia
pra Cacuia o Rio vai,
e vai de bala
ou vai de desgosto imenso!