segunda-feira, fevereiro 16, 2009

Já estou farto

Já estou farto de saber
da tua nova paixão
e de passar pela tua rua
pra ver teu novo lar
à prova de caso pretérito,
já estou farto
desse novo entusiasmo
que incendiou teu coração,
e dizes que o mérito
é do novo querer
que manda no teu peito
e te faz ter alegrias,
já estou farto de saber
que teu novo amor
dos teus dias
o marasmo expulsou
e na tua ciranda deu um jeito,
já estou farto
de ver a nova flor
enfeitando o novo vaso,
a nova rede
e os novos guizos na varanda,
já estou farto
de ficar imaginando
teus novos risos
e o novo nu
que tu penduraste
na parede do teu quarto
pra admirar teu novo prazer,
enfim,
já estou farto de saber
que nunca mais
tu vais voltar pra mim!

terça-feira, fevereiro 10, 2009

Cantei de fato aquele samba da Mocidade

Acordei cedo,
tomei embalo
e nem tomei café,
estufei o peito
e olhei feio pro garnisé,
e sem medo cantei de galo,
e, pimba!,
peguei a catimba
e acertei em cheio!,
e dei um jeito
no descalabro aqui de casa,
agora,
eu falo alto
e ninguém reclama,
não abro minha mão
nem pra jogar peteca
e não aceito drama,
a geladeira eu assalto
a qualquer hora
e não me arrasa a minha filha
quando me pilha em flagrante,
me deito de cueca
na esteira da varanda
e bem diante da vizinha,
e de cueca samba-canção,
dou banda
no mascote da família
quando ele me aporrinha
e ninguém me esculhamba,
e na cervejada
varo a madrugada
e só paro quando atufo o pote,
e, quando chego,
bufo à vontade
e a patroa
não faz cara feia,
me dá boa-vinda
e me faz um chamego,
e vai pra cozinha
e prepara a minha ceia,
e ainda exclama
que na cama sou um bamba,
pois é,
meu camarada,
acordei cedinho e de fato cantei,
mas,
pra ser mais exato,
cantei aquele samba da Mocidade:
“Sonhar não custa nada...”;
e cantei bem baixinho
pra não acordar minha cara-metade
que até quando ressona minha dona me assusta!

quinta-feira, fevereiro 05, 2009

Não cai em nós como uma luva

Chuva de verão
não cai em nós
como uma luva
porque
a vertente engrossa
e destroça a barreira
que pega a gente
e lá pra foz do Rio
nos carrega a corrente
com geladeira, sofá e fogão,
e a gente
vai sem dar um pio,
e só flutua
após abotoar o paletó,
e vai dar em Ipanema,
e a areia da praia cheia
a arraia-miúda tumultua,
o que não é de bom-tom,
então,
aquela gente boa de lá
blasfema, pragueja e nos maldiçoa,
mas,
meu irmão,
veja que bela ironia,
quem chegou sem ajuda de vela
é recebido por quatro
e as quatro têm serventia,
mostram o lugar do fardo
que está ao aguardo do rabecão,
todavia,
apesar do feriado,
a fiscalização atua
e autua nossa morte forasteira
por não ter passaporte
e autorização
pra morrer dessa maneira
e virar trambolho no calçadão,
e, de olho arregalado e queixo caído,
não sei bem
se em razão da morte ou do susto,
fica ciente o falecido
que vai ter de pagar multa
e de arcar
com o custo do transporte,
e indigente ninguém indulta!

quarta-feira, fevereiro 04, 2009

Primeiro amor

Pra ser franco,
era tão moço,
que, na hora,
fiquei sem saber
o que fazer de mim,
me senti no fundo do poço
e achei que era o fim do mundo,
mas,
sei agora
que não passou de um tranco,
um tranco que me balançou,
todavia,
não tanto assim,
a mossa que ficou
não foi assim tão grande,
o pranto não chegou
a fazer uma grande poça,
nem a fossa durou tanto
quanto acreditei que duraria,
enfim,
moça,
danos e avarias
não foram tão medonhos
e, apesar das fraturas,
não se espatifou a louça,
e o mais duro
não foi ver a fragilidade
das juras de eterna paixão
que essa dor a idade cura,
o mais duro foi o dissabor
de perder a primeira esperança,
primeiros planos, primeiros sonhos,
e foi tão duro
que, depois de tantos anos,
de certa maneira
essa lembrança
ainda muito me consterna,
ainda muito me aperta o coração!

terça-feira, fevereiro 03, 2009

Picando a mula

Quando vi
que o rei estava nu
e o ouvi gritar que trocaria
o seu reino por um cavalo
e notei que era à vera
que não era dia de treino,
estava a pé na estrada
e lavando urubu
que não havia
mais nada pra lavar,
aí,
tremi qual matagal
quando vem a ventania,
mas,
tremendo assim
tive um tremendo estalo
e lembrei
do Mustangue do Sul
que ganhei
num bingo de botequim,
um pangaré
que de sangue azul
não tinha nem um pingo,
todavia,
me pertencia
e era bem real até,
aliás,
lembrei de algo mais,
que de fidalgo
eu não tinha nada,
que a confusão
não era da minha alçada
e que quem foi rei
nunca perde a majestade
que reinar é parecido
com andar de bicicleta!,
então,
dei marcha a ré,
peguei à fula uma reta
e piquei a mula da cidade,
e do monarca
despido e desmontado
nunca mais ouvi falar,
mas,
uma senhora
que parecia muito fula
contou agora este babado,
que no reino da Dinamarca
tem algo que não cheira bem
e não sei bem o que é
e o que é
não vou perguntar
pra não dar bandeira,
e, como não sou dinamarquês,
cedo me mandei do colégio
e tem medo quem tem...
a minha meta
é pegar a primeira barca
e mais uma vez picar a mula
e em outra comarca ir buscar abrigo,
mas,
já sei que não sou amigo do rei de lá
que ser amigo do rei é privilégio do Poeta!