quarta-feira, novembro 30, 2005

Se conselho fosse bom... (II)

Não se esqueça
que ruga só tem graça
em bolso de cirurgião plástico
ou em conta-corrente de esteticista,
na sua lata,
só lhe retrata mais ainda a velhice,
portanto,
não persista na burrice,
trate de não ser
drástico com ninguém,
especialmente com você,
não se aborreça,
não seja bombástico
nem faça alvoroço
por nuga, tostão ou tolice,
quiçá nem por milhão,
não deixe a cabeça
entrar em ebulição
por boato ou disse-me-disse,
muito menos
em razão de chalaça,
faça o que for preciso,
mas sem afobo,
e se faça até de bobo
se for menor o prejuízo,
nunca se grile nem estrile
se não souber direitinho
tudo a respeito do fato,
e tenha muito tato
mesmo quando souber,
nada de estrilo,
meu irmão,
estrilado no embalo da emoção
pra não arranjar um grilo inda pior,
não invente
corno em focinho de cavalo
e fique frio
se achar na sua tal adorno,
se frio não puder ficar,
trate de apagar o pavio
antes que não haja retorno,
e cuidado com essa conversa
de que o vizinho
foi um lobo mau à beça
e sua mulher,
Chapéuzinho Vermelho,
e, preste atenção,
não é ocasião
pra carregar no tom,
fazer barulho
ou mesmo ruído
por causa da vaidade,
do orgulho ferido,
nem pra questionar a paternidade
do fedelho mais novo,
se der pra se mandar,
saia bem de fininho,
desapareça de mansinho,
deixe que o povo esqueça...
mas,
não deixe de lembrar:
se conselho fosse bom...

Auto de infração

O fiscal da natureza,
embora
não meter o bedelho
no que não interessa
seja o só mandamento
da seita que professa,
fez desta feita
um auto de infração
que não tinha o intento
de ficar uma beleza,
e não ficou,
mas foi suficiente
pra multar o pardal
que ignorou que a pressa
não é amiga da perfeição,
fingiu que não viu
o sinal vermelho
e fez o cruzamento
bem em cima da faixa
que não respeita o aviso
pendurado no meio ambiente
e atravessa a rua fora do pedestre,
mas,
como, de gode,
eu dizia
ao mestre da banda
quando ele fingia
que ia tocar
o que não sabia:
quem manda não tem juízo
e obedece quem nada pode!

quinta-feira, novembro 24, 2005

Uai!, buy, buy Brazil!

Uai!, buy, buy Brazil!,
se não se escreve assim,
releve, por gentileza,
que meu espanhol é assim-assim,
tal qual meu inglês,
e o portugês não faz jus à portuguesa,
mas,
fez psiu pra mim
uma moça estranha,
muita banha, buço, tersol,
e cambembe como nunca vira,
aí, já viu!,
sem grana e sem manha,
mas cheio de pressa, gana e animação,
e tudo ficando ruço, indo às avessas,
não prestei muita atenção,
e a Ouvira
virou passado mais-que-perfeito
e nem lhe dei tchau direito,
me lancei ao mar pra vencer a poça,
como sói acontecer,
peguei a nau em Niterói
sem apetrechos, candembe e caniço,
que não ia mesmo pescar nesse trecho,
e passei ao largo de pargo, traíra e pacu
que a Baía nem tem,
cheguei ao Rio
e tentei passar o paco,
e uma sirigaita cafona
que parecia a dona da gaita
quase embarca,
mas,
houve um enguiço
e um baita rebuliço
e me pregaram um peça,
escapei por um fio
mas tenho a marca,
arranha, arde, coça e dói,
mas quem está na água,
se não afoga as mágoas,
amarga a droga da ressaca
e deita carga ao mar,
então,
meti a casaca do jeca-tatu,
fiz par, cama e mesa,
e o caixa do circo com Irene Pelicano,
se não erro,
por causa do berro e do bico,
mas uma beleza de atriz
que ostenta a faixa
com os dizeres:
“dama perene do mambembe”,
e todos os anos,
há mais de sessenta,
da Praça Paris a São Luís,
tenta a fama na estrada,
na excursão daqui pra lá,
me interessei por jacu,
pintada, tiziu, xanxão, anacá,
mas chamaram o meganha
que veio atrás de mim,
quase, outraz vez,
fui pego pelos quadris,
aí me mandei pro Pará,
que me assanha o xinxim
e assim o acarajé,
e nem sei se fazem por lá,
mas levei umas castanhas
e a piranha perequeté
quase me abocanha
de um jeito exótico,
escapei por um triz
e com um simples dano,
uma ardência danada
que curou o antibiótico,
e decidi dar o fora,
a todo o pano,
me meti no Amazonas,
conheci fauna, flora, pororoca
e malocas bem malocadas,
tomei sauna em Manaus,
na zona, franca,
uma senhora
me ofereceu
ninfeta estrangeira, nacional,
e branca, preta, mestiça,
inata ou postiça,
tudo falso,
mas feito na hora,
e cedida por besteira,
mercadoria barata,
pois não tem imposto,
mas,
questão de gosto,
preferi ir à cata
de delícia mais tradicional,
por nuga
entrei no jacaré guisado,
na sopa de tartaruga
e me pus em fuga
que, por causa do defeso,
a polícia em peso
ia vir no meu encalço,
mas, antes de partir,
fui à missa na sé pedir perdão,
pois a gula é pecado,
que seria de mim
se não tivesse essa fé
que me faz crer assim!,
uai, buy, buy Brazil,
releve
se não é assim que se escreve,
mas,
se a gente não vai,
o boi já foi ao Uruguai,
o moço simpático,
ao Paraguai, à Cochabamba,
e vai e vem muamba pela divisa,
e o barulho do foguetório avisa
a chegada de mula e bagulho,
e que alvoroço democrático
faz nosso povo,
simplório, acadêmico,
anêmico, bem nutrido,
velho curtido, guri novo,
e de Acari à Vieira Souto,
e o dinheiro grosso não vai preso,
corre solto,
e sigo teso
e a coisa segue assim,
mulher mirim
a venda no interior,
que suas prendas
têm valor nas capitais,
uai, buy, buy, Brazil,
se não é assim que se escreve,
releve,
que Brasilia anda chinfrim,
e, no mais,
as Gerais,
assim, assim,
em Sampa,
nada em cartaz,
no Rio,
outra trampa saiu no pasquim,
no Nordeste,
seca e ananás,
no Norte,
outra clareira,
que floresta é besteira,
ruim pra urbanizar,
mas, quem sabe,
se agente tiver sorte,
um dia ganha o Oscar,
o Sul esperneia às pampas
e solta o berro,
mas não é de ferro,
então acampa, carneia
e toma o chimarrão,
mas não é só,
uai, by ou buy ou bye Brazil,
que tá demais o tesão
e a aflição vem de trás,
é preciso ungüento,
banho de assento,
mas cem por cento
não fico mais,
aliás,
nem cinqüenta,
meu traseiro não agüenta, uai,
assim sendo,
se não bais,
como diria aquele lusitano
mais brasileiro do que eu,
até um dia,
bye-bye!,
hermano meu,
se é que é assim que se escreve,
se não for,
por favor,
releve, pegue leve,
pois me tornei poliglota
e analfabeto em muitos dialetos,
e gente assim
não nota nenhuma imprecisão,
enfim,
buy bye-bye by Brazil!

E a filosofia saiu pela culatra

Era ainda menino
quando me pegou colando
o professor de Filosofia,
mas,
já me fazia de ladino
e filosofei:
“quem não cola
não sai da escola”;
entretanto,
o mestre austero
nem deu bola,
e a filosofia saiu pela culatra,
além do zero no teste,
do diretor ganhei
dois dias de suspensão,
pra completar,
o coroa soube
e lhe coube acabar a correição
usando o meio padrão
que me avariou a alcatra,
mas a coroa
não se deu por satisfeita
e, com um ar maroto,
me deixou inchada a mão direita,
e alguns dias sem diversão
que não sou canhoto,
mas,
aprendi a melhor lição:
se tivesse estudado,
não teria sido apanhado,
e teria apreendido
que filosofar é coisa do Platão!

Amor acabado é folha morta

Amor acabado é folha morta,
um alguém
que já não faz bem
quando liga ou bate na porta,
amor acabado é folha morta,
presença
que já não importa,
ausência
que já não nos fustiga,
opinião que já não faz
mais nenhuma diferença,
amor acabado é folha morta,
sem essência,
já não perfuma,
e até desenfeita
o que poderia ter graça,
e passa e a gente nem vê,
amor acabado é folha morta,
beijo que a boca enjeita,
abraço que o peito se ajeita
pra não precisar receber,
amor acabado é folha morta,
desprazer!

Não passa de um sopro

Não passa de um sopro
que vaga por agora,
sopro que se apaga
a qualquer hora
e se acende a vela,
não passa de sopro
que rende
o que dura um encanto
que tanto assim não dura,
seja sopro bom ou ruim,
sopro velhaco ou santo,
seja um sopro chinfrim,
caco de sopro
soprando um triste canto,
seja um opulento sopro
que se vangloria de ser vento,
que se acha ventania
que pode ventar
acima de tudo e de todos,
contudo,
não passa de um sopro
que vaga por agora,
sopro que se apaga
a qualquer hora
e se acende a vela!

Você é a graça da vida!

Você é a graça da vida!,
do sonho, o enfeite,
do peito, o deleite e o sossego,
feito praça florida
em avenida louca de pressa,
de dor e ferida,
é emplastro, compressa, ungüento,
e ponho, e passa,
você é a daia da tribo,
estribo da alma,
conforto e aconchego
em momento de guaia,
na tempestade,
você me acalma,
me dá alento e abrigo,
na verdade,
sem você,
sou desespero de aborto
sangrando a esperança do parto,
sou criança de castigo
trancada no quarto,
sou barco sem porto,
mendigo
que não deixa rastro,
sou mastro
que não agüenta bandeira,
com você,
sou o astro
que o Sol afronta e enfrenta
e deixa a Lua tonta,
sou o passo que não cabe na rua,
sou fundo e forma
em poesia de primeira,
você é a magia
que meu mundo transforma,
você é paixão, bem querer,
minha razão de ser
é você!

quarta-feira, novembro 23, 2005

Vai correr rio de sangue!

Não invente
de pedir a alguém
pra botar panos quentes,
não tente também
se fazer de songamonga,
pensando
que esse expediente
a pendenga ameniza,
minimiza o esbregue
e consegue evitar a mironga,
você meteu a ronca na nega,
disse que a nega cafunga,
tem tunga e coriza,
disse que a nega é brega,
bronca, buchuda e cambeta,
quase uma barrica,
disse até que a nega é baliza
em desfile de quenga no Mangue,
justo a que mostra o busto
e se prostra aos pés do negão
que um bastão sugestivo carrega
com o qual ela faz pirueta impudica,
agora,
se escuda
nesse choro compulsivo
e implora que eu não estrile,
que não me zangue,
tem jeito não,
chega!,
meu irmão,
vai correr rio de sangue,
que não há no mundo
sujeito imune
a fio de peixeira,
nem vagabundo
que tenha feito a besteira
de meter a ripa na nega
e tenha seguido impune,
tenha se dado ao luxo
de seguir por aí
com tripa no bucho!

Vá em frente sem dó de mim

Leve o currículo em papel ofício
que lhe dá tanto orgulho
por ser o primeiro exemplar,
leve seu perfume,
cheiro que me faz sentir ciúme
e fazer um barulho ridículo
ao ver você se perfumar pra sair,
leve sandália e chapéu de palha,
início do seu new-look,
e seu songbook predileto,
leve a navalha
que traz as iniciais
que seu vô Anacleto
entalhou no conto de marfim
e a toalha da Ilha da Madeira
com pesponto carmim,
leve a pilha de jornais
que guarda na prateleira,
a farda do colégio interno
que não tive o privilégio
de ver você usar
e terno e suspensórios
que usou em nosso casório
e nunca mais quis vestir,
leve o souvenir do hotel
da nossa lua-de-mel
que sempre
fez surgir no seu olhar
esse brilho de desdém,
leve também fornilho,
panela, alguidar de barro
e jarro de asa amarela,
presentes da sua avó,
enfim,
vá em frente sem dó de mim,
vou suportar os escombros
abraçada ao meu menino,
dirigindo meu carro,
conferindo a pensão
num canto da varanda de casa,
e, como manda
o figurino da separada,
vou chorar meu pranto
nos ombros do meu Ricardão!

sexta-feira, novembro 18, 2005

Se for preciso

Se for preciso,
não perco a viagem,
mostro coragem e jogo duro,
dou pernada e safanão,
antecipo furo de reportagem
e dissipo a edição do jornal,
amorteço no peito esfera de chumbo
e dou jeito em qualquer ladrão,
arrefeço tara e tesão de mulher
sem fada e sem vara de condão,
seguro a orelha desse tal de Dumbo
e lhe juro que a fera se ajoelha,
se for preciso,
desço do muro, tiro a hera e faço opção,
bato o portão em cara de fiscal,
sento o pau em cobrador
que vier cobrar conta ou prestação,
viro de ponta-cabeça
qualquer um que esqueça
posição de sentido e continência,
perco a paciência e boto pra quebrar
com qualquer atrevido
que tente não me dar o devido valor
ou invente de me sacanear,
se for preciso conto história
de baleia pescada com linha e anzol,
de andorinha que fez verão sozinha,
de terçol maior que o maior melão
que já apareceu lá no CEASA,
de teia de aranha com mais de milha,
de rês com picanha de seis quilos,
de um grilo que voou da Glória
à Ilha de Marajó só com uma asa,
e façanhas do meu cãozinho
que pelo focinho pegava tubarão,
pois tenho muitas na memória!

Olha!

Olha bem pra foto,
vê se nota
o amor que meu peito
ainda lota,
a paixão que ainda boto
por meus poros
e dá brilho à minha tez,
como ainda te adoro
do mesmo jeito
que te adorava no dia
em que a fotografia se fez,
olha bem pra foto,
vê meu sorriso escancarado
a sorrir o louco querer
que ainda me consome,
vê teu nome
gravado no meu olhar,
vê o desejo
exposto no meu rosto,
a fome do teu beijo,
a vontade de te dar prazer,
mas,
se já puseste a foto de lado
ou se lhe deste fim,
olha pra mim!

quinta-feira, novembro 17, 2005

Viva! el ouro!

Viva! el ouro,
el ouro, viva!,
não esse ouro de veio,
mina ou jazida,
tirado por meio de metal
terminado em bisel
e que exaspera a gana,
a cobiça do abutre
e atiça a miséria humana,
viva! el ouro
de veias e artérias
do qual estão cheias
as esquinas da vida
e que cai do céu
quando menos se espera,
viva! o ouro
que emana da centelha,
da razão quando prevalece,
resplandece e ilumina,
viva! el ouro
de muitos quilates
que alimenta e nutre,
banana, mel de abelha,
e o do açafate que enfeita,
viva! el ouro
que nos aquece
quando amanhece
e que nos prateia quando se deita,
viva! todo e qualquer ouro
que não careça de guarda e forte,
todo e qualquer ouro
que não escureça
nem encarda o peito,
todo e qualquer ouro
que não seja feito essa armadilha
que consome o homem,
leva o homem à pilha e à morte!

Veja a receita do malandro

Se deu errado desta feita
porque era impossível não dar
ou porque
não teve competência
pra ser esperto o bastante
e fazer dar certo,
paciência...
leve a vida adiante!,
mas,
veja a receita do malandro,
do malandro bom:
de saída,
só fique aborrecido e aflito,
só se amofine
o que for necessário,
da medida não fique aquém
nem vá além um tostão sequer,
e não passe recibo não!,
só otário bota derrota por escrito,
entretanto,
se recibo tiver que passar
pressionado pela situação,
passe mas não assine,
depois,
pise,
ou melhor,
deslize com passos macios
pra fazer o menor ruído
e saia de circulação,
deixe que o vazio
trate de ocupar o espaço
que você ocupava antes
e que a lente de cada dia
a cada instante
altere da foto cada exemplar,
e espere até que,
por mais que tente,
nem você
não consiga apontar você
na sua versão da fotografia!

quarta-feira, novembro 16, 2005

Elixir e mulher nova!

Poxa!,
cara,
com essa trouxa frouxa
e com tanta fada por aí
fazendo xixi de pé,
segurando vara de condão
e botando fé no zero a zero,
você não vai conseguir nada,
e pode perder a esperança
até de sair na mão,
pois,
tal atividade
demanda boa lembrança,
quando a sua anda vaga
e andando à toa,
aí,
a habilidade fica gaga
e a vontade vira hesitação,
além disso,
e de viço e compasso,
no fim,
é preciso apertar o passo
com uma boa dose de aceleração,
o que já não permite sua artrose,
assim,
meu irmão,
se você quer
mudar a situação
e se eximir de levar sova,
tente aquela poção
com dois ingredientes:
elixir e mulher nova!

Dês que

Nosso patrão é o nosso freguês,
manda, desmanda e tem sempre razão,
dês que
não seja um cliente
com um exíguo bestunto,
ou seja,
dês que
não se queixe da cerveja
que vem quente
pra não lhe causar dano,
nem se deixe afetar pelo copo fosco
pois lavado com detergente natural
e secado em avental de pano
pra evitar poluição,
dês que
esteja disposto a apreciar
o visual do tira-gosto,
especialmente o de presunto,
esverdeado e tosco
por motivo estético,
e seja suficientemente vivo
pra curtir seu ambíguo paladar,
ou melhor,
contíguo ao eclético,
dês que
mostre estima pela vaca,
matéria-prima do churrasquinho,
e não invente de ser engraçadinho,
fazendo pilhéria e tachando de inhaca
o aroma do nosso peixe
frito em nosso óleo polivalente,
dês que
não goze o nosso bom garçom
em razão da esclerose e do coma
nem desfeche grito e pito
quando solta palavrão,
dês que
não discuta religião, política nem carnaval,
e prefira tomar cicuta ou falar de críquete
a falar mal ou fazer crítica ao Vascão,
nosso freguês é o nosso patrão,
manda, desmanda e tem sempre razão,
dês que
não insista
em conferir as comandas
de ponta a ponta,
nem banque o moleque
na frente do nosso caro gerente
questionando sua soma,
e, é claro,
dês que a conta pague à vista
e não use tíquete, cheque nem cartão!

segunda-feira, novembro 14, 2005

Não se abata

Não se abata
com essas pessoas pequenas
que esquecem
apenas o momento passa,
não se apoquente
com o desprezo
dessas pessoas que nada têm
além do vezo de ser ingrata,
elas não merecem
sua lamúria, seu lamento!,
deixe de lado essa gente
que viveu mercê de você,
de sua graça, favores e guarida,
mecenas e protetor
de coração sempre escancarado,
e nunca se deixe tentar
por arrependimento, fúria e rancor,
que nem isso merecem
esses arremedos de atores
fiéis à ingratidão
que desde cedo
vêm encenando os piores papéis
pelos palcos menores da vida,
com o tempo,
se vai o talco e a máscara cai!

Nunca se sabe

Por mais que se procure,
nunca se sabe
se é só casca, fragrância, anilina,
se engole o que masca,
se está na parole que vomita
a substância que rumina,
por mais que se procure,
nunca se sabe
se é alguém totalmente duro,
puro ferro, pura brita,
indiferente a agruras e berros
de seus semelhantes,
por mais que se procure,
nunca se sabe
se é mesmo criatura boa,
mansa e fraterna
como o olhar,
como a voz afiança,
terna o bastante para amar
como o seu abraço insinua,
por mais que se procure,
procura-se à toa,
nunca se sabe
se, diante de nós,
está nua e crua a pessoa!

Salve!, salve! a cauda!

Salve!, salve! a cauda!,
toda e qualquer cauda!,
que cauda é cauda!,
não há distinção!,
pra provar que não há,
comecemos pelo pavão,
salve!, salve! a cauda do pavão
cuja beleza seduz a pavoa,
salve!, salve! a cauda presa
que não está presa à toa,
salve!, salve!
a cauda do beberrão,
embora não tenha dono,
a da avestruz
que ela sempre deixa de fora
e a desse avião
que me faz perder o sono,
salve!, salve!
do girino a cauda perdida,
a cauda do cometa gigante
e a do gameta masculino,
tão importante
quando da corrida é hora,
salve!, salve!,
com a permissão do inquilino,
a cauda farta e gostosa
que tem minha vizinha,
salve!, salve!
a cauda da Marta,
a da Alda e a da Jussara,
horrorosa de cara
como a Raimunda,
mas a cauda também abunda,
salve!, salve!
a cauda de Fulana, de Beltrana e de Sicrana,
salve!, salve!
a cauda da Esmeralda,
cauda preciosa,
caudalosa no contorno,
mas,
a rainha de forno e fogão
me tenta, esquenta e requenta,
depois,
faz cu-doce,
além de arroz, feijão
e doce de ameixa em calda,
e nem tirar a sardinha me deixa,
mas,
como cauda é cauda,
salve!, salve!
a cauda do piano,
a do vestido da soprano
e a do contralto controvertido,
salve!, salve!
a cauda da amante,
exuberante no salto alto,
a da rapariga divertida,
a da amiga dedicada
e até mesmo a da esposa,
tão cansada e tão batida,
salve!, salve!
a cauda de verdade
e sem vaidade da Amélia,
a da galinha velha
que dá bom caldo
e a felpuda da raposa experiente,
salve!, salve!
a cauda polpuda
da inocente Amelinha,
a raposinha iniciante
antes negaceia, titubeia,
mas acaba dando bom saldo,
salve!, salve!
a cauda da secretária sedentária
que se encheu de veias
batendo de cabo a rabo
laudas e mais laudas,
salve!, salve!
a cauda da atleta
que malha todos os dias,
cauda sem falha,
repleta de viço e de energia,
salve!, salve!
toda e qualquer cauda!,
da cauda da neta
à cauda da vovozinha,
que cauda é cauda,
não há distinção,
por isso,
meu irmão,
a minha cauda já tirei da reta!

quarta-feira, novembro 09, 2005

Aí!, perdeu!, perdeu!

Aí!,
perdeu!, perdeu!,
fique frio!, fique frio!,
não se mexa!, não reaja!, não se agite!,
não grite!, não muja, não chore!,
não implore!, não dê nem um pio!,
nem me fuja!,
meu camarada,
aja como se nada
estivesse acontecendo,
senão lhe meto aquela ameixa,
e não vou ficar lendo seus direitos
porque não sou ridículo
nem me sujeito a mentiras e gracinhas,
direito é coisa minha
quando sou apanhado pelos tiras,
e adiante o meu lado,
não tenha enfarte,
morrendo antes,
e de morte morrida,
você caga meu currículo,
estraga e suja minha parada,
e eu vou ficar puto da vida,
e vai passando logo tudo pra cá,
menos suas contas,
não preciso desse prejuízo
que nem sei a quanto monta,
depois,
boto você pra sair correndo
com votos de boa sorte e chispo,
você parte e toma seu norte,
e, passado o cagaço,
vai penar um bocado
pra se queixar ao bispo,
ao reverendo, ao rabino, ao pastor,
ao inquilino de algum paço,
e, a pedido do doutor delegado,
vai fazer a lista
do que levei e tinha algum valor,
vai fornecer alguma pista,
dando traços ou olhando uma foto,
mas,
não esqueça,
se não tiver virado presunto,
não seja bobo,
não perca a cabeça
ao falar do assunto na tevê e no jornal,
fale muito bem e bem alto
do roubo e do ladrão,
não banque o ignorante,
seja resignado,
como um irmão decente,
inteligente o bastante
pra saber que é culpado
pelo ambiente que motiva o assalto
e ativa o assaltante
que cumpre só seu papel
no contexto social,
e mais,
nunca tope falar mal,
seja qual for o pretexto,
não dá ibope,
a fala de quem reclama
é repleta de fel, de preconceito,
politicamente incorreta,
de qualquer jeito,
você ainda fica me devendo
seus dez minutos de fama,
mais tarde,
faça bastante alarde
com cartaz e faixa
de sua ONG predileta,
mesmo que não adiante,
com essa atitude legal,
sensível às vicissitudes
dos amigos do alheio,
você se encaixa em cheio
no conceito de sujeito normal!

Cabeça-de-bagre (Outro milagre da mídia)

Em vez de matar
a bola com jeito
e no peito,
com ela se embola
e mata com a canela,
como não sabe
chutar de trivela,
erra ao dar o efeito
e chuta pra fora,
e berra com o time inteiro,
adora tentar um drible
se na hora não cabe,
aí,
dribla a bandeira de escanteio,
e, pelo meio das pernas,
auxiliar do juiz, doutor e gandula,
por um triz,
não dribla até o roupeiro,
entra em campo sem roupa
e pula nu no alambrado,
ele não poupa
nem treinador no treinamento,
ou está machucado,
ou não está cem por cento,
tenta mais um drible
e sai com bola e tudo
pela linha de lado,
pela linha de fundo,
ou perde a bola
e culpa chuteira e gramado,
ou reclama de meio mundo,
não passa de primeira,
não abraça o jogador
que fez mais da metade do tento,
comemora com o povo
mostrando um passo novo,
cobra falta e a bola incauta
vai parar na geral,
é o tal
arte da perder gol
cara a cara com o goleiro,
bota a mãos nas cadeiras
antes de cobrar o penâlti
e bate por cima da baliza,
pisa na bola e se atrapalha,
se não se atrapalha,
falha no passe
ou se embaralha
com algum companheiro,
quando lança,
lança mal
ou alcança
quem está na banheira,
fica puto da vida
com quem não deu a bola,
e com quem deu
quando não a controla,
não ganha bola divida
quando finge que vai nela,
cabeceia de olhos fechados
e com o cocuruto,
nunca com a testa,
e sempre por cima do travessão,
chega atrasado
e protesta contra lançamento
que foi feito na medida,
dá entrevista à tevê,
ao jornal,
e não usa a primeira do plural,
que só sabe usar
a terceira do singular,
e sua foto sai na revista,
e ganha uma grana por mês,
e já bateu o pé
tomou até atitude drástica:
foi rude com a torcida
por causa de armação e perfídia;
já fez plástica no menisco,
joga pelada com artista
e dá belisco
na gostosa de plantão,
a bunda da vez,
e não perde festa
nem badalação,
embora o pessoal o consagre,
é outro milagre da mídia,
mais um cabeça-de-bagre
cheio do dinheiro
que criou fama
e se deitou na cama,
mas,
nem mesmo é o primeiro!

Com muita sorte

Após esse tal de ontem,
e descontem
mais um degrau!,
a nau segue nessa corrida
medida em eus e nós,
eus e nós demais,
e corre por tempo incerto,
que a gente não sabe
se o fim está longe
ou já range bem perto,
mas não há jeito,
muito menos ,
direito ao amanhã,
e o corpo é a nau
na rota da vida,
e o dia sopra,
a noite venta,
a maçã nos tenta
e mais uma mordida
pra sentir o velho sabor,
e a gente alopra e nem se manca,
perde o nexo e bota banca,
come sardinha e arrota camarão,
perde a linha e desanca a razão
com esse complexo de ser superior,
e a gente se orgulha de ser capitão,
o que na mão segura o timão,
e agente nem nota que é pura,
burra impressão
de quem vive às turras com o norte,
pois,
nessa aventura
que não tem carta
nem agulha magnética,
com muita sorte,
antes que a gente parta,
no ponto final,
eu,
você se despede
dizendo que teve só
a tal avaria estética,
o tal desgaste natural,
e que quem fica
fica sentindo algum dó,
embora por tempo breve,
que nunca se demora
mais do que deve,
depois,
eu,
você fede e vira pó.

Flor d'Água

Você,
minha mãe,
é a vida das águas,
desata a cabeceira dos rios
e cria correntezas,
cachoeiras
e cascatas,
depois navega bela e altaneira,
mulher guerreira,
enfrenta os desafios,
traça os caminhos,
com graça, força e raça,
me acalenta, me acalma,
não me nega colo e carinho,
e calor nas noites de frio,
frio do corpo e da alma,
sou sua filha,
mãe Oxum,
nossa gente vê
que brilha em mim
a luz que vem de você,
e assim pra sempre será,
receba as palmas
e o amor de sua Flor d'Água,
saravá,
mãe Oxum Apará,
pra você as palmas
e o amor de sua Flor d'Água,
saravá,
mãe Oxum Apará.

terça-feira, novembro 08, 2005

Mas nunca me deixe!

Me vire, desvire e revire fundo
até mais nada restar de mim,
se quiser me ver
escorrer assim
qual escorre o suor,
me transpire,
se achar melhor,
me ponha na roda
e me rode
à moda de menina
que se alucina
e gira o quanto pode
pra rodopiar o mundo,
faça o que mandar seu desejo,
me trate como um festejo
caso goste de festa,
me encoste
como se faz
com um bem
que já não presta,
que já não tem serventia,
faça tocaia e me atinja
qual se faz com fera bravia,
finja que sou mera cobaia
e experimente suas fantasias
mais imorais e estranhas
nas mais indecentes farras,
me agarre, amarre e encarcere
em suas entranhas,
me arranhe, lanhe e lacere
com suas garras,
e não permita sequer
que eu me queixe,
me serve qualquer prazer,
qualquer afago,
me queira como puder,
seja até um vago querer,
mulher,
faça o que você quiser,
mas nunca me deixe!

É tudo tolice!

Escondes o olhar
atrás de lentes escuras,
mas as do querer
são transparentes,
e vejo com nitidez
as agruras do teu coração
afogado num mar de amor,
buscas um jeito de mascarar
com lápis e batom
a palidez, a emoção dos lábios,
pra que não denuncie a boca,
louca por um beijo,
mas a alma não precisa de cor
pra pintar o desejo que te devora,
te queixas e imploras ao lenço
que não revele o suor
que a paixão põe em tua mão,
mas tantos rastos deixas,
o arrepio denso
que percorre pêlos e pele
e leva direito, direto ao peito,
tomas outros caminhos,
braços, carinhos,
me evitas,
de todos os modos e jeitos,
e não percebes
que nenhum desvio pode evitar
os inevitáveis encontros do amor,
fazes mandingas,
promessas a Santos e Santas,
xingas, maldizes teu querer,
mas não adianta não,
como a cigana te disse
ao ler tua mão,
é tudo tolice!

É só desabafo!

Podem meter a ripa,
baixar o sarrafo na gente,
ninguém vai nos impedir
de seguir em frente,
e não é ameaça, desafio ou aviso,
é só desabafo!,
podem meter a ripa,
baixar o sarrafo na gente,
ninguém vai nos impedir
de seguir sendo esse rio
que suadamente passa,
que suadamente
não pára de ir em frente!,
quando é preciso,
a gente se vira e vai na raça,
que gente como a gente,
afeita à subida escarpada
quando a jornada termina,
gente que se ajeita
na morada tosca e nua,
ofuscada pela luz fosca
que indetermina e acua
a sombra mais renitente,
gente como a gente
que se nutre
com a comida indecente
que toma do abutre
e não se assombra,
gente como a gente
não se acovarda nem medra,
faz da razão gato-sapato,
das tripas coração
e tira leite de pedra,
guarda no peito
a dor que nos fustiga,
dá um jeito e esquece o vazio
que enche a barriga,
o frio que amola a madrugada,
e, quando o bamba se alumbra,
vislumbra a saída
e da agrura do dia-a-dia
faz um samba,
nada mais nos segura,
e nossa Escola deslumbra a Avenida!

sábado, novembro 05, 2005

Imagine então como era...

Mesmo não estando mais
a miúdo dentro da roda,
não sendo mais a xoroca
o centro da moda,
mesmo não sendo parrudo,
mesmo estando
mais pra totó ou bilola
do que pra rola ou estrovenga,
veja só!,
inda provoca pendenga!,
imagine então como era
quando gata,
à cata de bilunga,
caprichava no visual e na ginga
e era freqüente
haver liça por punga,
por tunga de binga e batom,
imagine então como era
quando pantera
comia carne quente,
pedia chouriço, lingüiça
e brachola ao garçom,
imagine então como era
quando madame
não dava bola pro vexame
e se ajoelhava
diante do gregório
fosse no lar ou no escritório,
e valia o tal
do ‘ajoelhou tem que rezar!’,
que tempo bom!,
no mar, na montanha,
na área de serviço e na social,
a disputa era tamanha!,
que era comum
rolar soco e pontapé
até por causa de um zé!;
se ainda há confusão,
mesmo não cabendo mais
a denominação de parte central
face à grande expansão
que sofreu a arte,
tente imaginar como era
quando zero a zero
era uma puta exceção!,
e, mesmo entre os bacanos,
só ocorria por baixo dos panos!

O conselho do Drummond!

Pelo jeito,
o tempo não muda,
não muda a hora,
ninguém se atrasa ou demora
mais do que é preciso,
quem chega,
mais dia, menos dia,
vai embora,
e sem aviso,
portanto,
sujeito,
tome tento,
deixe seu cavalo no meio chuva,
se molhe,
tire os óculos escuros,
olhe,
veja as cores naturais,
ajeite nas costas o arreio,
se há carga de mais
e embarga os movimentos,
por que não a despeja?!,
tire o pé desse freio
que o deixa parado
e cheio de medo
em cima do muro,
sem esquecer
que a virtude está no meio,
dê-se conta dos dois lados,
das duas pontas,
afinal,
se há certa amplitude,
não deve ser à toa,
se pode não ser boa,
pode também não ser ruim,
e, enquanto você fica assim,
fixado em luvas, réis e anéis,
esquece os dedos,
e as raposas o fazem de bobo,
pegam suas uvas,
e os lobos vão atrás da sua esposa,
e nenhum deles tem pudor,
e o rondam, doutor, as saúvas,
num piscar de olhos o trituram,
já trituraram tantos feito você,
com esse mesmo jeito,
com essa mesma arrogância
que, em última instância,
é falta de sensatez,
pois não cabe muito bem
em que precisa ser freguês
de várias refeições diárias,
vitaminas, proteínas, sais minerais,
não cabe muito bem
em quem tem
aquelas necessidades
que aumentam com a idade,
e que, digamos assim,
são um tanto prosaicas,
tão arcaicas
quão o mais arcaico
exemplar da sua raça,
uma lição exemplar
pra quem é capaz de aprender,
falo daquelas necessidades
que o ser civilizado
faz questão de dizer
que não faz no meio da praça,
embora ali faça
negócios bem mais feios, bem piores,
e com maiores e menores,
meu irmão,
já que o tempo não pára,
o relógio dispara
e nenhum tem eterna garantia,
aproveite cada dia da viagem
e siga o conselho ladino
que ao Sabino deu o Drummond:
“caia na sacanagem!”;
se não achar de bom-tom
cair de corpo e alma
por considerar muito louco
e preferir um pouco mais de calma,
caia de cara!

Nunca mais me peça pra não pedir seu perdão!

Não me peça,
meu amor,
pra não pedir seu carinho,
não me peça
pra seguir sozinho
ao sabor desse afeto
que não arrefece
com prece, promessa e ungüento,
não me peça
pra fingir que o peito
não descamba em tormento
com aquele projeto de samba
que não ata nem desata
pois carece de alento,
você!,
não me peça
pra não ir por aí
à cata do seu jeito de olhar,
de se esbaldar de rir
com o que há de mais tonto,
de sentir o que há de mais denso,
por favor,
meu amor,
não me ofereça um lenço
pra enxugar esse pranto
que me consola
quando sua falta
me assalta e amola o coração,
aliás,
nunca mais me peça
pra não pedir seu perdão!

terça-feira, novembro 01, 2005

Ela

Seu sorriso é decote ousado,
seu olhar, pote aberto,
é preciso seu semblante,
transparente qual vitrine,
define o que pensa e sente,
e não faz rodeio
nem manda recado,
fala às claras,
quando começa, não pára,
ela é assim,
começo, meio e fim,
quando ataca, saca,
quando saca, engatilha,
quando engatilha, mira,
quando mira, atira,
e dá tiro certo,
com seu jeito franco,
é preto no branco,
rompante
que desconhece limite,
e não espere brandura
nessa hora,
assim como
se emociona e chora
e com ternura
afaga, acata e se submete,
ela detona, desacata e arremete,
esmaga e fere,
se preciso, mata,
é baluarte no gueto,
guerreira que comanda,
anda na frente e leva o estandarte,
no salão elegante,
a dama tranqüila domina a elite,
dança e desfila,
na hora da prece, é beata,
ora com fervor e abomina o pecado,
na cama,
esquece combatente, madame, devota,
bota pra fora a amante,
mestra na arte de amar,
que não conhece
vexame, fronteira e pudor,
que respira, transpira amor,
ama, goza e faz gozar,
pra quem cultiva e sabe compor,
ao lado do jasmim,
é meiga rosa e enfeita o jardim,
pra quem maltrata a flor,
rasga e fura mais fundo que espinho,
pra quem procura um caminho,
é trilha, ponte
que liga a ilha ao continente,
onde há sede,
é fonte, água abundante,
mas nem tente causar mágoa,
ela muda e vai além do vinho,
azeda, se avinagra,
se dá um boi pra não entrar na briga,
pra não sair, dá toda a boiada,
pra quem necessita,
é fada, é amiga,
entre seus braços,
a alma aflita acha o regaço,
seu seio mata a fome,
a vida se faz no seu ventre,
sabe sentir, rir e chorar,
na paz, é calmaria,
na guerra, ventana e ventania,
sobe nas tamancas,
bota as mãos nas cadeiras,
roda a baiana
e faz a terra ter tremedeira,
é mulher,
mas, quando quer,
desbanca o macho
e fico por baixo,
com muito prazer!

Muito obrigado

O meu cupincha
entrou lá em casa sem pedir licença,
olhou pra mim com cara tensa e amarrada
como se eu fosse um sujeito chinfrim,
debaixo do meu nariz e sem dizer nada,
deu um amasso
e chamou minha patroa na chincha,
e a patroa ainda pediu bis,
depois,
sem fazer cerimônia,
calçou meu chinelo,
vestiu meu roupão amarelo
e tomou conta do banheiro,
fez barba com minha navalha,
ficou um tempão
se esbaldando com a patroa no chuveiro
e se enxugaram na minha toalha,
passou meu desodorante no sovaco
sem a menor parcimônia
e até no saco botou minha água de colônia,
pra culminar,
pôs debaixo do braço e levou a patroa,
conquanto eu não ache explicação,
em vez de sair em prantos,
ele saiu sorrindo!,
garantindo que aquilo ia dar o que falar,
mas, antes de sair,
me disse poucas e boas,
e foi direto contar o feito à vizinhança,
enfeitando ainda mais o pavão,
pegou a molecada
pra divulgar o fato de porta em porta
em troca de uns trocados,
alugou um carro de som
pra propagar em altos brados a façanha,
entremeando a divulgação com música sertaneja,
se gabou e contou vantagem no boteco da esquina,
deu entrevista às revistas Seja e Gente Fina,
editadas pela turma lá da rua,
e a ex-patroa pousou nua,
ele espalhou faixa e distribuiu panfleto
em pleno coreto da praça,
provocou um estouro no caixa do showmício
do candidato a presidente do bloco
“Não Troco Nem Por Ouro
Meu Diploma de Corno Vitalício”,
foi convidado pra fazer de graça
o comercial da cerveja
fabricada no quintal da quitandinha,
deu autógrafo em calcinha e sutiã
de fãs de mais idade,
na verdade,
meu cupincha ficou tão deslumbrado,
que me fez passar por mal educado
pois não me deu nem tempo
de lhe dizer muito obrigado,
muito menos,
de falar pra todo mundo
que vou mandar alianças,
sogra, cunhados e as crianças,
e abrir uma poupança em seu nome
com o dobro da pensão que devia pagar,
pra que possam viver numa boa
e nunca passem fome,
e, tendo sempre fundos,
nunca pense em devolver a ex-patroa!

O bicho

Se ficar o bicho come,
se correr o bicho pega,
muito braços tem o bicho,
cabeças e bocas,
as garras não são poucas,
nem pernas e presas,
e muitos nomes tem o bicho,
tanta sede,
tanta fome,
até parece muitos bichos,
seja maduro ou verde,
ele mastiga,
ele come,
quando não come,
ele cega,
que ela o diga,
nossa velha amiga,
e sua cegueira é antiga,
quando ela tenta
e enfrenta o bicho
com arma de corte,
é muito lenta
e o bicho muito forte,
e mal se arranha,
e quando ela pensa
que o bicho apanha,
avalia e pesa,
cheio de manhas,
o bicho lesa a nossa amiga
e ela se acanha,
e como sói acontecer,
e nem era preciso dizer,
a gente ganha as sobras da briga.

Fez feitiço comigo essa moça

Que ela não me ouça,
meu amigo,
mas,
essa moça
fez comigo
algum feitiço
que não tem fim,
só pode ser isso!,
espalhou seu retrato
por todos os cantos de mim,
não deixou um só intato,
meu peito tem uma pilha,
até parece álbum de família
e não cabe mais nada,
tenho foto dela na carteira,
aquela colada no carro,
bem ao lado de São Cristóvão,
em casa,
então,
a exposição me arrasa,
por onde ando,
esbarro em uma
e me arrepio,
estão em todos os vãos e vazios,
tenho fotografia
até no quarto-de-empregada,
no sótão, tenho um bando,
há uma enorme na sala
e exala perfume mais forte
que a braçada de flores no jarro,
a da mesinha-de-cabeceira é de morte,
não dorme,
me vigia a noite inteira,
proíbe até que eu fume na cama,
em cima da geladeira,
tenho uma que me dá calafrios,
me leva à loucura,
faz um drama
quando como torresmo, paio e chouriço,
e, além disso,
se transfigura,
pelos olhos solta raios a esmo
quando tomo cerveja,
mas,
veja que engraçado,
o retrato muda da água pro vinho,
fica sossegado
quando varro, passo,
cozinho e lavo a louça,
fez feitiço comigo essa moça,
só pode ser isso!

E eu ainda tão cru...

Hoje em dia,
o cartaz é à vista
e, quando é o caso,
a prazo o talento,
é a magia da novela
que concede,
por capítulo,
um título de artista,
e ele, e ela
dá a quem pede
entrevista
e opina sobre o crucial
no atual momento
segundo a doutrina
do seu personal ativista,
passa em revista
o achado que fez o mundo
ficar perplexo mas excitado,
vestígio do sexo dos anjos
em tela de pintor materialista,
e se alista
na claque do compositor
com um baita prestígio,
um craque em compor
complexos arranjos
pras gaitas da Paulista
que andam ensaiando
a peça socialista capital,
é artista demais...
é muito cartaz
e um festival de talento
nu na revista,
e eu ainda tão cru...