quarta-feira, junho 01, 2005

Cadê você, meu pinho?!

Cadê você, meu pinho,
pinho daquela madeira viva
chamada juventude
que amiúde sentia
a paixão verdadeira e definitiva
e se apaixonava por outra ilusão,
cadê você, meu pinho,
pinho altivo
que todos os dias
dedilhava meu derradeiro caminho
posto que passageiramente definitivo,
cadê você, meu pinho,
pinho que entoava o amor
ao gosto do moço valente e guerreiro,
ao sabor do alvoroço
de uma alma irrequieta e aberta,
repleta de incertas certezas,
capaz de esboçar o universo
numa fração de segundo,
de captar a beleza do mundo
num verso avulso,
cadê você, meu pinho,
impulso forte o bastante
pra traçar minha sorte
e me levar adiante,
cadê você, meu pinho,
que sabia me tocar as cordas do peito
ao jeito de mãos amorosas,
que me alumiava a chuvosa madrugada,
me sublinhava o pôr-do-sol
com um bemol e um sustenido
e me deixava a Lua, a rua
muito mais prateada,
cadê você, meu pinho,
pinho querido
que meu coração acariciava
com os dedos da paixão
que nos incendiou desde cedo,
cadê você, meu pinho,
inspiração, mocidade,
meu pinho,
por que a idade
amordaçou nossa canção?!

Que fique a mulher, que fique a fêmea morta

Esses desejos machos
apontados para mim
são fuzis,
exigem que a mãe tenha fim,
que a parceira saia
surda, muda e cega,
pois quer de qualquer maneira
a puta,
a meretriz,
e me nega o macho
o direito de ser mulher,
e quando se dá,
me marca,
quando se satisfaz,
goza
e me encharca,
e não se entrega,
na verdade,
sempre toma,
me toma os seios,
o ventre,
mãos
e boca,
quer que me mostre
louca de prazer,
quer que lhe dê o prazer
de ser meu dono,
depois,
se abraça com seu sono
e nada mais importa,
enquanto estiver
o macho morto,
que fique a mulher,
que fique a fêmea morta!

Mais Lua do que nunca

Quero ainda mais você
com essa meia-lua
e mais Lua do que nunca,
quero ainda mais você
cheia e nua,
ainda mais Lua
com essa Luazinha,
com essa meia-lua, minha Lua
me prateia
mais que Lua e meia,
quero você
com esse umbigo que me fita
mais que olho grande,
quero você
com essa Luazinha
que ao seu abrigo brande,
palpita, se agita e me chuta,
minha alma escuta e fica radiante,
quero você
com essa meia-lua
e mais Lua do que nunca,
com essa meia-lua, minha Lua
me prateia
mais que Lua e meia,
quero você
como nunca quis antes,
Lua e meia-lua,
mais fêmea, mais amante,
toda mulher,
Lua que vai me dar
minha Luazinha!

Não vá ainda

Não vá ainda,
fique mais um instante,
por favor,
quem sabe,
a foto desse momento na lembrança
consiga fixar o amor que finda
e o faça resistir,
apesar das inevitáveis mudanças,
esmaecimento,
perda de nitidez;
e,
num distante depois,
tão distante do agora
que num piscar de olhos vem,
não seja bem
só mais uma dessas fotos
tiradas amiúde hoje,
e que, amanhã,
nos fazem duvidar do ontem,
quem sabe,
será aquela mistura
de absoluto vazio e plenitude,
virtude que o ser
encontra em um só sentimento,
saudade,
a única prova
de que o antes foi realidade
e não loucura,
simples fruto da imaginação!

Se foi amizade de barca

Se foi amizade de barca
e a barca chegou ao porto
após navegar breve e torto,
o que se há de fazer?,
mas,
meu ex-amigo,
escreva o que te digo,
como o que se sabe
é que não se sabe nada,
vamos esperar pra ver
de que jeito
no peito ficará marcada
porque há de ficar marca,
alguma herança,
talvez modesta,
quiçá incapaz
de levar festa à lembrança,
talvez deixe até
uma dolorida recordação
que do coração tira a paz
e tanto entristece,
mas,
por mais que não lembrar se tente,
nunca mais a gente esquece!

Melhor não dizer nada

Meias-palavras
em bocas covardes,
temem falar por inteiro,
por isso,
sempre dizem nada,
ficam à flor da pele
reles elogios,
comentários banais
e não tocam nas feridas,
receiam até as paredes,
que elas têm ouvidos,
meias-bocas
em palavras covardes
que gemem qual carneiros,
por isso,
sempre somam nada,
prendem-se às aparências,
evidências do feitio,
esquecidas dos traços vitais
que marcam a vida,
presas em suas redes,
deixam de ter sentido,
meias-palavras,
meias-bocas
de gente fosca,
melhor não dizer nada,
bem melhor
ficar de boca calada,
bem fechada,
pelo menos,
não entra mosca!

Mas não vá assim

Se quiser,
se acha que é hora,
vá em frente,
mulher,
vá embora,
mas não vá assim,
exibindo o despeito
qual blusa cínica exibe os seios,
ensaiando essa mímica confusa
que mais parece espasmo
de fantoche sem recheio,
com esse sarcasmo indecente
envergonhando o peito
qual broche pervertido,
com essa exigência de escusa
tão reclusa na inclemência
que recusa dar ouvidos ao perdão,
se quiser,
se acha que é hora,
vá em frente,
mulher,
vá embora,
mas não vá assim,
pisando com rancor as lembranças,
ignorando que também foi feliz,
sei que não fiz
o que estava ao meu alcance,
que nem mesmo passei perto,
mas foi nossa a chance,
infelizmente não deu certo,
cada um de nós,
a seu jeito,
tentou entrelaçar os cordões
pra dar um laço no nosso amor,
mas o pano de fundo
acabou puído pelo cotidiano,
não que fosse diferente,
vagabundo,
talvez,
porque foi tecido às pressas,
confiança à beça nas emoções,
nas tais razões
que até a razão desconhece,
talvez,
esperança demais,
com tanta esperança,
quem não esquece os senões?!,
o que fazer?!,
é a vida,
e se é hora de partida,
jogue fora a aliança
e vá embora,
mulher,
mas não vá assim,
me fuzilando,
me olhando com esse olhar
de quem só quer vingança,
e pode acreditar,
não falo por mim!

Feitas as contas, só uma foi paixão

Não há garantia,
seguro, reza, nem patuá,
mulher,
paixão é loteria,
moeda ao ar,
e ninguém consegue
sequer prever se virá,
e não adianta querer,
e, se vier um dia,
ninguém sabe dizer
se ficará
por mais de um olhar,
se deixará emoção,
recordação de momentos felizes,
ou desengano, feridas, cicatrizes,
as perdas e danos,
mesmo assim,
é privilégio de poucos mortais,
um punhado de loucos
que, por sortilégio,
o destino permite
ir além dos limites
dos seres normais,
mas,
preste atenção,
sempre termina,
seja de morte matada,
seja de morte morrida,
de uma forma doída,
que nos alucina
e deixa a alma
repleta de calafrios,
contorcida,
desesperada de dor,
ou,
assim,
somente coisa acabada,
pura exaustão,
sem traumas,
mágoas, tristeza ou rancor,
simplesmente fim,
entretanto,
seja qual for o remate,
nos abate o desencanto
e fica um grande vazio
sem solução,
e uma convicção,
não haverá outra,
porque,
feitas as contas,
só uma foi paixão!

Mas não volte

Caso prefira outra dança
por não ter mais esperança
na minha poesia,
por não ver mais
magia na minha rima,
por achar
minha rima pobre,
mero cobre sujeito ao azinhavre,
vá,
espero que encontre o poeta
que lavre o seu poema perfeito,
estrofes repletas de versos de ouro,
ricas rimas,
e que esqueça este mouro
que transpira e fede,
sangra e se desespera
e quase cede à morte
pra que o peito esprema
um simples verso
antes que a poesia mofe,
desejo que encontre o poeta
quem tem a sorte
da poesia fácil e nobre
que cobre a vida de quimeras
e que ele saiba declamar o beijo
que sua boca espera,
entretanto,
se não o encontrar,
se não houver esse poeta
em nenhum canto,
em nenhum lugar,
por favor,
mulher,
escolte outra poesia qualquer,
mas não volte!

O canto e a manhã

Quando sinto o aroma e o esplendor,
quando escuto o canto e a manhã,
meu coração disperta
e concerta oração e louvor,
gratidão por mais um minuto de vida,
pelo encanto da vida moça
que passa viva e louçã
e me toma o peito,
pela força,
pela graça da vida criança
que brinca de brincar
uma brincadeira qualquer
e me faz reviver,
pela vida fruto que cresce no pé
e me repleta de esperança,
pela vida flor
que me enfeita e perfuma o olhar,
e dá mais cor ao prazer,
meu coração disperta
e concerta oração e louvor,
gratidão por medeixar
dar asas à vida sonho
que extravasa o infinito
quando me agonia
o espaço de que disponho,
por deixar meu peito
visitar um peito vizinho e aflito
que quer abrir o coração comigo,
por me deixar
achar abrigo num coração
que viu o meu bater sozinho
e me ofereceu um peito amigo,
por me deixar repartir prato e copo,
por me alertar
quando topo com o afeto,
com o amor,
com o bem querer,
agradeço,
Pai,
pois sei que não mereço,
vira e mexe,
esqueço,
saio dos trilhos,
não ando assim tão reto,
mas,
por favor,
Pai,
me ilumine,
me ensine a ensinar meu neto
a ter no coração a paixão
que Teus filhos
devem sentir por Ti!

Paz

Quero a chama da palavra certa,
certa palavra
que desperta a indulgência,
mas não se dobra nem se verga,
covardia não alberga
nem valentia cobra;
quero a chama da palavra certa,
certa palavra
que alerta a consciência
e a inflama,
que traduz a olímpica flama
e traz luz infinita à alma;
palavra bendita
que acalma revoltas e sedições,
solta as tensões,
alivia as algemas,
clama justiça
sem desforra, sem vingança;
quero certa palavra,
a esperança da palavra certa,
palavra-poema
que jorra do coração
e atiça a voz da razão em todos nós,
quero essa palavra,
nada mais,
a palavra que a guerra encerra,
Paz!

O louco é você!

Não me venha dizer
que sou louco
só porque,
pela manhã,
a aparência é malsã,
tenho acessos de pigarro,
dispnéia,
por isso,
quase não falo;
por causa da cefaléia
não me agarro às idéias;
as mãos tremulam,
transpiram
e seus abalos
me fazem tremer
dos pés à cabeça;
por mais que pareça,
é muito pouco;
nem me venha dizer
que sou maluco,
só porque,
na sala escura,
entre náuseas,
tonturas,
bebo jarros de café
e fumo muitos cigarros,
ao revés de comer
geléia, mamão e maçã,
com um copo de suco,
e não leio o jornal,
porque faz menos mal!,
ou, então,
porque não combina
o tom da calça
com a cor do blusão,
e, menos ainda,
com meias, cinto, sapatos,
e sempre trato
de trocar as peças,
roupa fina
no frio do Rio
e casaco de lã,
se me dá arrepios
o calor do verão,
e,
quando ando
a esmo pelas ruas,
vou de viés,
em tom de valsa,
com os pés
enchendo os hiatos,
pois,
não tenho pressa,
e, em alguns dias,
me dão mais alegria,
que samba e pagode,
rapsódia, fado, tango e bolero,
e não almoço
porque é meio-dia
se não pede a barriga,
e, quando como,
prefiro torresmo e chouriço
ao peito de frango,
e antes bebo uma pinga,
e me deito às duas,
às três,
às dez,
se me autua a fadiga,
e nunca espero
até ter o que quero,
vou mesmo indo
pelo que posso,
não me diga
que sou louco,
só por isso,
é muito pouco;
nem que vivo
no mundo da lua,
somente porque
sua vida-padrão não receito,
quase sempre
desconsidero a razão
em prol do peito,
e não fico
automaticamente feliz
só porque o dia é de sol,
e falo com quem
você não ouve nem vê,
assisto tevê
sem imagem nem som,
escuto o batom
quando ela me diz
não ter nada a dizer,
e sinto,
sinto muito,
mas,
pelo que não fiz
e podia fazer,
e minto,
minto sim,
se assim
não faço sofrer,
ou, ainda,
porque faço caretas
e dou infindas risadas,
quando a coisa anda preta,
e faço uma nova piada
a cada nova mutreta
e não sugo nada,
enquanto
tantos outros
se fartam nas tetas,
por exemplo: você;
ou, então,
porque nas mãos da viola
meu coração
percorre a canção,
enquanto,
você corre,
"terras do seu reino
em vão",
se esfalfa, se esfola
atrás do tal corpo são,
sem perceber
que, mesmo assim,
não resolve a questão!,
e esqueço a vida,
a lida,
carteira assinada,
aposentadoria,
mulher, crianças,
quando,
em dia de treino,
fico cheio de euforia,
grudado à arquibancada,
no campo do meu Mengão,
hipnotizado
pela bola que dança,
é muito pouco,
torno a dizer;
bem,
se você não vê
que pra escapar
das tramas dessa rede,
pra não deixar
que se quebrem os elos
com os trancos
e arrancos desse trem,
você tem que cantar,
fazer graça,
de jeito que jorre
o que resta da alegria,
tomar um porre por dia,
combinar,
mesmo na raça,
e por todas as praças
de norte a sul,
azul, branco, verde, amarelo,
preto e vermelho,
bem,
se não vê!,
o louco é você!

Não me peça perdão

Não me peça perdão,
pois perdôo,
e ainda me nego
a me dizer a razão,
e me dôo
outra vez a você,
coração, corpo, vida,
me entrego
sem medida ou limite
aos seus braços,
às suas mãos,
ao beijo de sua boca,
que a minha
deixa tão louca,
me faço seu objeto,
sem ter querer
ou desejos,
me deixo devorar
por seu apetite,
lhe dou o prazer
que você quiser,
viro montaria
se preferir cavalgar,
uma outra Maria,
basta um comando,
moça, dama ou meretriz
simples mucama
feliz tão-só por servir,
ou sua mãe,
se quiser tal afeto,
me retiro,
qual fazem os cães,
quando você ordenar,
me aquieto
quando você decidir,
prefiro
o que você escolher,
saberei mentir
quando você precisar,
chorar,
fingir,
implorar,
fazer sorrir,
quando você
quiser um palhaço,
ou me tornar
um mero regaço,
mudo
e inerte,
mas,
capaz de tudo
pra aliviar seu cansaço
por favor,
por todo esse amor,
por essa imensa paixão,
eu lhe suplico,
não me peça perdão.

Faça esse favor a você!

Refregue e persiga,
consiga e amarre,
se agarre,
se entregue ao amor,
vibre com seu calor,
deixe que o peito se equilibre
no ponto mais alto do querer,
sinta a deliciosa tontura de estar
na mais alta altura do sentir,
da existência do ser,
onde até o sofrer
tem sabor de fruto especial,
onde até o pranto
tem encanto que não tem rival,
refregue e persiga,
consiga e amarre,
se agarre,
se entregue ao amor,
se livre desse pudor,
descubra o prazer de se dar
sem precisar pedir algo em troca,
deixe que coração se abra
pra mostrar o que você nem sabia
que havia em você,
pra receber
o que você nem imaginava existir,
pra partilhar
o que você ignorava poder dividir,
refregue e persiga,
consiga e amarre,
se agarre,
se entregue ao amor,
mesmo sem saber,
faça esse favor a você!

Responda

Espalhe por aí
que me trocou por outro amor,
um amor melhor,
e que a dor,
o pior já passou,
diga que não deixei lembranças,
que já dança em outros braços,
passos e canção,
com a mão sobre a moldura vazia,
jure que foi mais fantasia que paixão,
aventura que não deixou traços
emoldurando o peito,
assegure que foi loucura passageira,
nada mais
que um certo jeito de ter prazer,
certa maneira de aplacar o desejo
que se evaporou com o suor,
afirme que não recorda mais meu beijo,
que seu sabor não sabe de cor,
que não acorda no meio do sonho
beijada por ele,
garanta que não foi verdade
a sorte tirada ao som do realejo,
nem o talismã comum
que cada um guardou a metade,
enfim,
mulher,
esconda seu sentimento como quiser,
como puder esconder,
mas olhe nos seus olhos
e responda:
por que,
longe de mim,
você não consegue ser você?

Quem nos dera!

Quem nos dera!,
não fosse à vera,
fosse à brinca,
sem trincas,
nodas,
rachas,
e não houvesse baixas;
quem nos dera!,
a volta dos ponteiros
fosse só pra fazer hora,
mera brincadeira de roda,
todos dentro,
ninguém de fora;
quem nos dera!,
não houvesse guardas, guaridas,
cavaleiros
cavalgando mulas
com albardas cheias de venenos,
quadrilhas e matulas;
quem nos dera!,
a vida,
mesmo sendo ilha,
fosse o centro,
e conteúdo e continente,
quem nos dera!,
não existissem grandes e pequenos,
não existisse gente
mais gente que outra gente!

Mulher...

Mulher...
chora quer de dor lancinante,
quer de insignificante alegria,
quer de farsa, quer de verdade,
chora
quer por solidariedade ao comparsa,
quer pela apatia,
pela indiferença do companheiro,
chora
quer porque é intensa a agonia,
quer porque,
num primeiro instante,
parece o meio pra atingir seu intento,
chora quer de amor, quer de ira,
quer alguém se fira,
quer alguém se cure de uma ferida
que curada não queria ver,
chora quer queira,
quer não queira,
chora
quer seja maneira de comover,
quer seja comoção verdadeira,
quer seja pra se valer do choro,
quer o choro seja pra valer,
e chora quer só, quer em coro,
e chora quer seja pra dar dó,
quer seja porque tem dó de outrem,
e chora
quer pranto de lata, quer de prata, quer de ouro,
chora
quer seja o choro ingrato,
quer seja a ingratidão a razão do choro,
chora
quer seja de fato,
quer seja de encenação,
mulher...
chora quando quer chorar
e quando não quer,
quando quer ser mais mulher
e quando quer mostrar
que não é porque é mulher que chora,
mas porque é hora de chorar,
chora
quer de felicidade, quer de tristeza,
por bondade, por avareza,
quer de maldade, quer de brandura,
quer de mera vontade de chorar,
quer de pura impossibilidade de se conter,
de evitar o choro,
mulher...
chora,
mas,
sem o choro,
é quase impossível saber
se é mesmo você!

Hoje, aqui e agora

Às terras do amanhã,
cavalgando o tempo invisível,
tentamos ir todos os dias,
mas o sempre amanhã
segue sendo esperado,
uma esperança
que a gente carrega
nos braços do destino
e que nos faz sonhar
na roda dos anos,
um sonho impossível,
e sonhamos qual crianças,
e ficamos tontos,
pois, na dança das horas,
é o hoje, aqui e agora,
e pronto, e ponto;
às terras do ontem,
cavalgando o tempo incontível,
tentamos voltar todos os dias,
mas o sempre ontem
segue sendo passado,
uma lembrança
que a gente carrega
nos braços do destino
e que nos faz sonhar
na roda dos anos,
um sonho impossível,
e sonhamos qual crianças,
e ficamos tontos,
pois,
na dança das horas,
é o hoje, aqui e agora,
e pronto, e ponto.

Não nego

Não nego,
vira e mexe
me apego e apaixono,
e me entrego,
e não sei negar,
dizer não,
só digo sim,
o desassossego toma conta de mim
como se fosse um menino,
e não penso em mais nada,
cada sono é um sonho,
cada sonho um acordar repentino
no meio da madrugada
asfixiado pela falta,
a cada segundo de distância,
o coração mais salta dentro do peito
feito se quisesse fugir,
sair correndo atrás dela,
se revela a impaciência com todo mundo,
aquela implicância
com qualquer fragrância
que venha de outra mulher,
cada ausência,
por mais que eu evite
e já seja escolado,
é um convite à saudade intensa,
imensa saudade,
e ela me invade
e me rendo
já no segundo trecho do romance,
no segundo gole do café ou da cerveja,
e deixo tudo de lado,
ele esfria,
ela esquenta,
e acabo o livro não lendo,
a hora rende
e cada vez é mais lenta,
o cigarro se fuma entre meus dedos
e me queima,
e nem agrião, polenta e rabada
despertam meu apetite,
tanto teima a saudade,
que a graça fica fora de alcance
e não sorrio nem de uma boa piada,
quando telefono
e o telefone chama
e ela não atende,
uma noite escura e fria
desaba sobre mim,
vivo um drama
e fico morrendo de medo,
contando nos dedos
os minutos que faltam pra sua chegada,
se ela responde,
atormento com perguntas:
onde?,
como?,
com quem está?,
se está bem?,
se não está sentindo falta de nada?,
falta de mim?,
e imploro,
rogo,
jogo com seus sentimentos,
digo bobagem,
faço chantagem pra que volte mais cedo,
entretanto,
assim que ela chega,
fico completamente tonto
de tanto que me sinto feliz,
e a tal ponto,
que até perdão peço
por tudo que ainda não fiz,
por tudo que, ainda, não dei de mim,
mas,
confesso,
quando não sinto paixão,
minha vida fica muito chinfrim!

O chicote do tempo

O chicote do tempo
me açoita,
me leva adiante,
o freio da vida
me corrige o porte,
me dirige a cabeça,
boto o pé na estrada
levado pelo bridão,
garanhão fiel,
eu sigo,
sem refugo,
sem negacear,
e finjo que levo
o mundo comigo,
afinal,
de ilusão preciso,
e levanto a cabeça
nas rédeas do orgulho,
protesto,
faço barulho,
mas sinto as esporas
do ponteiro das horas
cravadas na minha barriga,
e a dor é antiga,
foi concebida comigo,
e assim eu vou
com essa sela pesada
e na cavalgada que o tempo
me faz galopar,
e nem sei da estrada,
cada passo é uma pedra,
em cada curva,
a estrada quase pelo avesso,
é o travesso destino,
moleque
que moleca comigo,
que um dia,
por fim,
me puxa o breque,
mas,
por enquanto,
segue fazendo
gato e sapato de mim!

Minha loucura, meu regaço

Fujo e saio fora de mim,
busco refúgio em você,
que você
é sempre assim,
dia claro e sereno
que dissolve minha agonia,
remove a venda
que me tolhia os olhos,
neutraliza o veneno
que me enchia a cabeça,
você
me devolve harmonias
que jão não ouvia,
sensações suaves
que a pele já não sentia,
à minha boca
o sabor de poemas
que não declamava mais,
e o breu que me envolvia
se desfaz,
aí,
por águas mansas,
a alma criança rema,
das águas transparentes
vem o chamado dos peixes
e pela porta azul-ondulada
entro em sua moradia,
lá dentro
não há suor nem lágrimas,
e dali ao céu
é um pequeno passo
que sequer desfaz o laço
que ao mar me prendia,
e no lar dos pássaros
a melodia da conversa
me faz falar de nós dois,
e a fala é solta,
livre,
que não há paredes
pra nos ouvir,
depois,
em asas deslumbrantes
desenhadas no ar,
vou à ilha dos animais
e pouso em terras prenhas,
descanso em sombras gentis,
entre frutos brilhantes
e se sacia minha fome,
e não há caça nem colheita,
uma cascata de cristais
envolve e bebe minha sede,
e não há chuva nem estiagem,
e montado no Tempo,
o nome do meu corcel,
faço uma viagem pelo infinito,
e abraço e beijo estrelas,
deixo pra trás os astros,
salto sobre cometas
e a poeira cósmica
esconde meus rastros,
mas,
por pura maldade,
algum doutor
incapaz de ver
o valor de verdade,
me censura
e prescreve meu são pedaço,
sem piedade,
proscreve minha loucura,
meu regaço.

Ainda

Confessa
que ainda grita e me chama
no meio da madrugada
quando acorda encharcada e aflita
e minha ausência frustra o devaneio,
confessa
que em mim ainda pensa,
tensa e acossada pelo desejo,
e sonha disperta
e se desaperta sozinha na cama,
confessa
que ainda fica em chamas
sem motivo aparente,
quando recorda e sente vivos
meus abraços, beijos, carinhos,
confessa
que o coração ainda dispara
e as pernas esbarram pelo caminho
quando vê uma cara parecida com a minha,
confessa, mulher,
que sente que ainda me quer,
mesmo pensando
que já não me ama,
e não tenha pressa pra esquecer,
que, pelo resto da vida,
vou me lembrar de você!

Carta ao bom Velhinho (Uma aquarela do Brasil)

Meu bom velhinho,

quero ver
dançar o arvoredo do Noel
e a Lua nascer mais cedo
bem aqui,
bem aqui em Vila Isabel;

quero enfeitar o mundo
com um ramo das rosas
que plantou o Cartola,
que esse mundo,
muitas vezes,
meu bom Velhinho,
se confunde com um moinho;

quero a bola do gol de placa,
e gol de placa não existia
antes do Edson Arantes,
será que um dia
vai aparecer outro Pelé?,

quero aquela Formosa
que o Ciro Monteiro queria,
e Formosa
quem é que não quer?!;

sabe,
Papai Noel,
sou muito Carinhoso,
aprendi com o Pixinguinha,

e ando louco
por um pouco de carinho,

e preciso também
que ela tire a dor do meu caminho
pois quero passar com meu sorriso,
o Nelson Cavaquinho há de me perdoar,
e o Guilherme de Brito e o Alcides Caminha;

quero a modinha dos mineiros,
cálix bento e óstia consagrada;

quero mais das Gerais,
quero seguir na Travessia
com o Milton Nascimento,

quero ir ao Beco do Mota,

me desculpe esse pedido!,
meu bom Velhinho,
fui muito atrevido!;

quero uma nota
pra fazer um samba,
quem sabe o João Gilberto canta;

quero ter por perto
uma das mulheres de Atenas,
aquelas do Boal e do Chico,

uma apenas,
e já fico muito agradecido;

quero um amigo de fé,
sabe como é,
irmão, camarada,
Erasmo, Roberto;

quero também um posto,
e me contento com sargento,
ao lado do Nelson e do Martinho;

quero caminhar contra o vento
como um Super-Homem,
mãos dadas com Gil, Bethânia, Gal, Caetano,
baianos que do meu sonho nunca somem;

quero uma boa pinga
pra celebrar com Bosco e Aldir
tendo em vista
que tiveram muita ginga
e conseguiram uma mistura
difícil de conseguir:
O Bêbado e a Equilibrista;

e, antes que finde o papel,
com a tinta que me corre nas veias
peço que me leve pra Candeias,
se o Edu Lobo foi,
deve ser muito bom,

e que me deixe ir o Tom
nas Águas de Março
e com a Garota de Ipanema,
com a permissão do Vinícius também,
é claro,

bem,
páro por aqui,

mas,
Papai Noel,
se achar aí no Céu
que foi demais o que pedi,
ou se muita gente já pediu,
me traga só uma parcela
de tudo,
de tudo que fez o Ary,
Aquarela do Brasil!

É tudo que quero

Balanço de rede
na varanda da casa,
água de moringa
pra matar a sede,
aquela preguiça de fim de tarde
regada a verso,
viola,
pinga
e cigarro de palha,
cheiro de mar e de mato verde,
afago de vento
que se espalha
e passa bem rente
e a gente sente
o frescor na pele,
e meu amor,
cabelos soltos,
corpo em brasa
enfeitado de lua ou de sol,
enfeitando o lençol,
é tudo que quero,
gente!

Não se engane

Mão sujas,
mas sujeira
que você não vê,
mesmo assim,
se afaste,
fuja,
antes que os olhos
ofusquem a razão,
óleo e loção,
o verdadeiro odor,
e palavras bonitas,
a real intenção;
se afaste,
fuja,
por favor,
antes que sua alma pura
fique aflita
e lhe dê seu perdão,
o traste merece clausura;
não se engane,
não estão sujas as mãos
de barro, graxa ou carvão,
nem de sangue visível,
mas de um outro,
invisível,
mas não menos sangue,
embora não deixe
nenhum traço nas mãos