terça-feira, maio 03, 2005

Bar da dona Maria

Quem nunca viu
não vai acreditar,
não é mais um bar em mil,
alvoroço dentro e fora,
aquele calabouço
onde cerveja e chouriço
são traçados
qual notícia no jornal do lado
no Queimados-Central
engarrafado na Brasil;
não é lugar
pra comer um terço
no afã de ir embora,
o que não quer dizer
oração por inteiro,
nem pra beber três quartos,
só isso,
e de prédio moderno,
onde quase não dá
pra curtir agora
o parto de amanhã,
e depois não cabe o berço,
e deixar o dinheiro
ou mandar botar no caderno
e dar o fora,
não é nada disso!,
porque não é um bar,
de fato,
é uma sé,
e a gente vem sem pressa
e vem porque tem fé,
fé na conversa e na cachaça,
fé na lingüiça e no antigo,
no atual e no futuro amigo,
que ainda não veio,
mas há de vir,
e, quando vier,
daqui na certa não passa;
fé porque bem perto dali
mora o Aldir,
às vezes desaparece, some,
mas a gente sabe que está por ali;
fé porque à luz
o Moacyr faz jus,
Luz que já traz nome,
grande Moa;
fé porque vem
gente muito boa,
e nem preocupa
a gente maluca que vem,
pois gente que não atrasa,
só adianta;
e vem o Basile,
secretário honorário
e encarregado dos patuás
que mantêm afastados
chatos, otários e que tais!;
é um desfile de gente,
gente que faz
e gente que não faz alarde,
gente que não fala
e gente
que embala
e não pára de falar,
e tanta,
que pra contar
não me bastam todos os dedos,
por isso,
paro por aqui,
mas se quiser aparecer,
encare esta como um convite,
mas evite vir tarde
que dona Maria dorme cedo.

Nem mesmo assim

Um duende
me prende à madrugada,
mas já não me faz sorrir,
ainda algum galo
tenta uma cantada,
só pra não desistir,
porque é só cruz,
só espada,
por fim,
eu me calo,
fingindo que falo
nas entranhas de meu silêncio
com John Lennon, Janes Joplin,
Elis, Paulo Emílio, Noel,
finjo que falo
sobre aquele brilho,
a clara claridade
que fazia a luz do céu,
que não invade mais a cidade,
nem, ao menos,
me ilumina,
e nem sei
se eles podem me ouvir,
enquanto isso,
chove chuva fina
de foscas estrelas,
e vem recebê-la,
a moça Lua,
nua, crua e cruel,
pois se afoga
em negras poças de chão,
fugindo das minhas mãos,
"se essa rua,
se essa rua fosse minha,
eu mandava,
eu mandava..."
ah... alma minha,
mas,
nem mesmo assim
aquela moça
voltava pra mim
e largava as esquinas,
onde se alucina
em alucinadas fantasias,
uma louca loucura
que não tem mais cura,
porque é mera pluralidade,
pura ausência de censura,
gulosa gula
de um sangue singular
que circula circulação e meia
pelo lado de fora das veias
e menstrua o canal do Mangue,
qual triste hemorragia
em aborto de filho morto,
e nem todo esse desgosto
faz uma única gota
se arrastar pelo rosto,
pois,
já não sou capaz
de chorar poesias
por aquela mulher,
sequer guardo alguma!

Abraçado à viola

Abraçado à viola,
enfrento a luta
das notas e das rimas,
sofro, sonho,
tenho esperança
que essa minha criança
siga brincando dentro de mim;
abraçado à viola,
desperto essa voz
que se encanta
quando canta o amor,
mas que também chora de saudade
com um canto doído,
cheio de dor;
abraçado à viola
encaro a labuta
e dou a volta por cima,
seja qual for o palco ou a dança,
de partida, de chegança,
de tempo bom ou de tempo ruim;
abraçado à viola
excito o poeta feroz
que fere e afaga com o mesmo furor,
e também a aquela outra metade,
que desata o nó do peito,
o cantador;
abraçado à viola,
nós dois somos um só.

Sou ninguém

Sem você,
sou turnê sem roteiro,
picadeiro sem palhaço,
traço sem sentido,
rugido sem volume,
perfume sem aroma,
sou Roma sem Coliseu;
sem você,
sou Romeu sem Julieta,
ninfeta sem desejo,
beijo sem afeto,
objeto sem serventia,
magia sem encanto,
sou acalanto sem carinho;
sem você,
sou ancinho sem jardim,
querubim sem asa,
casa sem habitante,
Rocinante sem Quixote,
Pixote sem cinema,
sem Iracema sou Moreno;
sem você,
sou veneno sem teriaga,
mágoa sem remédio,
prédio sem entrada,
passarada sem arvoredo,
Toledo sem El Greco,
sou beco sem saída;
sem você,
sou guarida sem sentinela,
cabidela sem miúdo,
entrudo sem folgança,
aliança sem parceiro,
guerreiro sem guerra,
sou terra sem plantio;
sem você,
sou navio sem capitão,
Sansão sem Dalila,
argila sem artista,
passista sem samba,
caçamba sem corda,
sou horda sem antanho;
sem você,
sou estranho
num estranha ilha
que água não banha,
sou Marília sem Dirceu,
sem você
não sou eu,
sou ninguém.

A orquestra não sabia de nada

Ao som de Waldir Calmon,
deixaste teu perfume
em meu lenço de cambraia,
raias de ruge, sombra e batom
na minha camisa de linho,
e me juraste baixinho,
num queixume insincero:
"nunca,
nem que o mundo caia
sobre mim,
nem se Deus mandar,
nem mesmo assim",
te negarei meu carinho;
no meu peito ardia um bolero
e o salão parecia feito
só pra nós dois,
depois,
veio um beijo,
que hoje ainda
me encanta os desejos,
o calor dos teus seios
queimando meu corpo,
teu corpo
enfeitando meus braços,
nossos passos
entrelaçando nossas pernas
em compassos infinitos,
o brilho do teu rosto
exposto aos refletores,
o fogo dos teus cabelos
ardendendo para trás,
acirrado pelo sorriso,
teu pesçoco alvo e liso
a mercê da minha boca
e aquele jeito falso-aflito
de prometer coisas eternas,
com a voz quase rouca,
era a fada,
mestra do devaneio,
mas,
a orquestra
não sabia de nada,
e no fim da madrugada
encerrou a minha festa!

Estou cansado de tanta magia

Poxa,
é fogo,
estou cansado de tanta magia,
de tanto mágico de araque,
é omelete sem ovo
e o perna-de-pau do jogo
virando craque no jornal,
é a democracia de urna
que me mete na furna
durante o intervalo,
me calo e só falo de novo
na próxima eleição,
também,
pudera,
faço opção por lebre
e botam um gato na minha mão,
todo verão, outono, inverno, primavera,
aderno e perco o sono
por causa do casebre
que pega embalo e carona na corrente,
escorrega pela encosta
e a gente desce o morro
fazendo o barranco de atabaque,
todo dia tem cachorro dando lição de asseio,
mostrando à dona
como se deixa bosta no passeio
em plena luz do dia,
e ela ainda se arrelia e late
quando a gente se queixa,
é universitário que levou xeque-mate
do magistério elementar,
só sabe usar o vocabulário do berço
e quase entra em coma quando soma,
mas,
conseguiu desvendar o mistério,
são necessários três terços
pra rezar um terço inteiro,
é deflação de diário oficial,
edição especial de primeiro de abril
em homenagem ao de maio,
que caia quem nunca viu,
tudo bem,
mas todo ano eu caio,
é saúde sem grude, remédio e plano,
é prédio sem viga, pilar e sapata,
é Carnaval só com a nata,
sem povo, confete e serpentina,
em cada esquina,
um cara de fraque me ilude,
enrola e bota meu coelho na cartola,
é a menina de lábios carnudos
que se equilibra no fio dental,
virou especialista em receber turista
fazendo aquele malabarismo sacana,
mostrando quase tudo,
seios,
bumbum,
e já falei dos lábios,
e carregando um aviso:
“Quem acha que chegou
ao paraíso do turismo sexual
se engana e acaba entrando em cana,
com direito a foto e digital”,
e até minha nega,
aquela santa,
entrou na festa,
vai pronta ao mercado
e volta pra casa meio tonta,
mas com grana e mercadoria,
isso é que é feitiçaria,
nasceu até chifre na minha testa,
chega,
estou cansado,
me arrasa toda essa magia!

Mangueira do Amanhã

Olha aí,
moçada,
ela vem pela Avenida
exalando nova harmonia
qual fruta nova exala cheiro bom,
fruta quase madura na Mangueira
que se apura o ano inteiro na sua Estação,
olha aí,
moçada,
sente o dom dessa nova gente
encantada com o canto novo
que sai do novo peito
feito água nova que jorra da fonte
e se faz novo rio por uma razão de Primeira,
dar vida nova à ribeira,
fazer a ponte com o Amanhã,
olha aí,
moçada,
a onda de nova alegria
que pinta com a nova evolução,
corre qual novo sangue nas veias
e no coração novo faz maré-cheia,
olha aí,
moçada,
se emocione e viaje na emoção
com essas novas alambas cheirosas,
novos verdes versos, novas notas rosas,
venha nessa viagem
que passa pelo Maracanã,
cruza a Praça da Bandeira,
margeia o Canal do Mangue
e traz o samba novo
no pé do novo bamba,
a Mangueira do Amanhã
pede passagem,
e agradece a você,
Alcione!,
agradece a todos,
pais, mães, irmãos, amigos,
aos sambistas antigos,
a todos
que nos dão o que têm de melhor,
nos dão sua vida e seu suor
por amor e prazer,
e obrigado também a você
por vir aqui nos ver e aplaudir!

segunda-feira, maio 02, 2005

Coisas da vida

A Avenida se escancara,
vem doída lá da Praça da Bandeira,
qual súplica de quarta-feira
depois de Carnaval aposentado,
e vara a Praça da República,
e acontece de tudo,
mas de que serve essa verve,
se é que há alguma,
de que vale a pena incendida,
se não muda a vida da escuma,
de Madalena,
que penou um bocado
no pau-de-arara
e em outros tantos,
e não ouviu o canto,
nem viu o entrudo na Central do Brasil,
vê o muro
pichado com seu nome de guerra,
mas não lê,
e enxerga muito bem,
e nem está escuro,
pois a luz do dia é plena,
e berra pelas cercanias
um cabrito por minuto,
e se cala mais um presunto,
outro bruto feito aflito
de algum peito juvenil
que afeto não encerra,
também,
pudera,
nem bem finda a campanha
e o eleito muda de assunto
ainda no champanha:
"quem pariu Mateus que o crie",
é..., Europeu,
acelere os tamancos
e arrie aquele traçado,
daqui ao Méier tem muito tranco
e do Méier pra lá,
me espera um bom bocado
num trem inda mais xucro,
mas,
pensando bem,
acho que tô no lucro,
perto dos trinta
e com pinta e tez de noventa,
sou o famoso três em um,
e dou um duro
que não agüenta nem japonês
de quimono e faixa preta,
e com tanta escopeta aí por perto,
e furo não tem dono,
e sono por aqui é estado de coma,
e quem soma,
toma de alguém!,
acho que tô no lucro,
porra,
mais um vintém se foi nos descontos,
tanta zorra me deixa tonto,
e o Zorro,
coitado,
menino de recados,
tá pedindo socorro,
levando esporro
e muita porrada,
foi apanhado em flagrante
descendo o morro
com as turbinas ligadas,
e hoje a meninada rica
fica a ver navios
das belas janelas da Avenida Litorânea,
coisas da vida,
mas desconfio
que é falta momentânea
porque a insânia é imensa
e só crime pequeno não compensa!

O que não faz um grande porre?!

Você,
madrinha da bateria,
e não era a da cozinha,
e eu me acabando na sua Sapucaí,
quando vi,
você já mandava ver
na coreografia da Comichão de Frente,
você se exibia,
Porta-Bandeira ardente,
beijava, abraçava, acarinhava o estandarte,
eu fazia a minha parte,
com a cortesia do Mestre-Sala
descia e subia levado pela sua mão,
e já o Abre-Alas
rompia pela cabeceira da sua Avenida,
e cada adereço,
cada alegoria mexia com a gente,
cada fantasia era feita sob medida,
e quem andava indiferente,
tão avesso à folia,
vivia cada momento,
cada eufórico movimento seu
em cima do carro alegórico,
a repentina parada na batida
nos enchia de adrenalina,
e vinha o repique,
alucinava,
dava arrepios, tremeliques,
e outra parada
pra retomar a cadência,
que a essência
é não perder a harmonia,
e deixar o tempo ir,
que no fim a gente corre
e não perde ponto à toa,
e quando amanhecia
chegamos juntos à Apoteose,
e a vibração foi demais,
olha só o que faz
uma dose a mais,
tudo isso com a patroa!,
o que não faz um grande porre?!

Aos dezoito

Aos dezoito,
nada é muito,
tudo é muito pouco
ou quase nada,
aos dezoito,
um louco mais sisudo
põe até os pés no chão,
mas nunca conta até dez,
que contar um, dois e três
é coisa de brincadeira infantil,
e, pra frente,
besteira,
vacilação de gente de senil,
aos dezoito,
o agora tem amanhã
que, por sua vez,
tem outro amanhã logo depois,
aos dezoito,
o presente é infinito
e transcrito em gerúndio,
e um latifúndio o futuro,
aos dezoito,
tudo é quente, é cio,
nada é frio, nada é morno,
aos dezoito,
nada é obscuro ou raro
a ponto
de não ser claro ou banal,
e tudo se move
em torno de um ser imortal,
e pronto,
aos dezoito,
nada é muito,
tudo é muito pouco
ou quase nada,
só mesmo os loucos
fazem dezenove!

Pela Avenida Brasil

Na passarela do dia a dia,
pelo inverso da alegria,
esse povo desfila
de corpo e alma
suas mazelas descoloridas
pela Avenida Brasil,
mas não perde a calma,
não estrila;
na arquibancada vazia,
sob esse céu,
cujo anil essa gente nunca viu,
bate palmas doloridas
o avesso da folia;
entra ano e sai ano
e nada acontece de novo,
o enredo não varia,
pelo oposto da fantasia
esse povo indigente
vai sorrindo,
de juras e garantias,
e sorriso sem dentes,
e, no seu dia de sorte,
o da morte,
essa gente se alivia,
se livra desse cotidiano de cão
do dia a dia dessa passarela,
em que tem
que fazer das tripas coração
essa gente esverdeada e amarela.

Ninguém desiste, não adianta

Ninguém desiste,
não adianta,
a força é tanta,
que a gente dá um jeito
nessa dor que amola,
que esfola o peito,
e o samba resiste
à saudade do poeta,
e sua poesia mais dileta
vai entrar na pista
em fevereiro,
nossa escola
não vai perder o rumo
nem o prumo o sambista,
que o bamba verdadeiro
tem raça,
vai sempre na bola,
não toma gol de graça
fazendo golpe de vista,
nem quando ela se embaça,
nem fumo na lapela
debela a chama do artista,
pois o show continua
com a força da vida e da rua,
e quanto mais sentida a dor,
mais ainda embala
mestre-sala e porta-bandeira,
e não há dó,
nó na garganta
capaz de calar o cantador,
de se opor a verso e melodia,
e o chorinho do cavaquinho
contagia pandeiro, tarol e tamborim,
e a amargura vira flama,
se inflama o passo do passista,
se espalha o canto do coração
por toda a Avenida,
na fronteira da emoção,
aflora a magia da mistura,
sorri a tristeza,
chora a alegria,
recorte de alma irrequieta,
alma de poeta,
pois,
dentro de nós,
sua voz é poesia,
e essa voz
nem a morte aquieta.

domingo, maio 01, 2005

Não deixe que a hora de ir embora passe

Por favor,
ponha o que é seu na sacola,
sandália,
viola,
seu diário,
a nossa primeira toalha,
aquela meio amarelada
que está dobrada no armário
e que tentou nos enxugar,
cobrir nossa nudez,
e não deixamos nenhuma vez,
não deixe de levar
a foto da nossa sede de amor
enxarcando aquela tarde na rede
não me faz bem,
arde demais
me ver entranhada na sua tez
e o prazer à flor de mim,
quero esquecer que bebi essa água,
leve também cordão,
medalha,
a conta do botequim
onde ontem bebemos a saideira,
não esquece a mágoa
que me deu de lembrança
ao esquecer nosso aniversário,
nem aquela prece
que não esqueci de pegar
e você não foi capaz de lembrar
de colocar na carteira,
um dia,
talvez,
você precise rezar,
não protele mais os estragos,
arranca de uma vez
seus afagos da minha pele,
e deixe as cicatrizes comigo,
dizem que o tempo a dor estanca,
leve o abraço que lhe dava
quando me procurava
em busca de abrigo,
leve a sua maneira
de dizer uma besteira qualquer
e me fazer rir
quando no meu peito não havia
um pingo de alegria sequer,
se tem a paixão um traço mais vivo,
é esse poder de fazer sorrir
mesmo sem motivo,
leve a camisa de brim
que eu vestia
pra vestir o seu cheiro,
bem assim aquele modo moleque
de me espreitar no chuveiro
e que me fazia fazer
o que você queria ver e ouvir,
leve daqui as alianças
que, já de pileque,
trocamos naquela feira
numa manhã de domingo,
leve aquele modo nada sutil
de ludibriar minha fúria
com lamúrias
e choramingos de criança,
rasgue bilhetes e lembretes
que pendurei aqui e ali
e você de propósito nunca viu,
leve tudo que é seu
e ignore meus cacos de coração
que ainda não varri
pra baixo do tapete,
e mesmo que eu ameace,
chore
e lhe implore,
não demore,
não deixe que a hora de ir embora passe!

Ajoelhou, tem que rezar!

Que moço brabo!,
usa bigode,
fala grosso,
pratica cabo-de-guerra,
queda de braço,
luta greco-romana,
salta de pára-quedas,
pela barbatana
agarra tubarão,
só dá aperto de mão
de quebrar osso
e abraço de partir costela,
que moço!,
amarra o bode,
se emperra
e faz alvoroço por bagatela,
não leva desaforo pra casa,
arrasa e arranca o couro
de quem não se manca
e cruza seu caminho,
trata mulher na chibata,
e se recusa
a lhe dar colher, afago e carinho,
não fuma,
não bebe nem um trago
e não come gordura
nem carne vermelha,
em suma,
sua dieta é de atleta,
e a figura é um armário,
mas,
é bom frisar,
muda da água pro vinho
e se ajoelha
diante do Mário Fartura,
e, ajoelhou,
tem que rezar!

Não posso...mas sempre vou negar!

Não posso negar
que gosto muito do copo,
que topo tomar um trago
a qualquer hora,
que aflora aquele brilho no olhar
quando afago a loura e a branquinha
e elas estão cheias,
não vou negar,
está nas minhas veias,
não posso negar
que acho a fidelidade um castigo,
mas,
entenda o que digo,
mulher de amigo,
pra mim,
é do sexo masculino,
mas,
havendo oportunidade,
meu lado feminino
sabe muito bem apreciar,
depois,
privadamente,
faz questão de se lembrar,
não posso negar
que esqueço da hora e da vida
jogando conversa fora,
batendo papo,
nem que escapo de obrigação
pra ver meu time
jogar um apartida ou mesmo só treinar,
não vou negar,
são meus crimes,
confesso
e não peço perdão,
se você puder,
pode me condenar,
agora,
não vá fazer intriga
qual faz
um leva-e-traz de uma figa,
dizendo o que eu disse
à minha senhora,
e mais,
não adianta,
porque,
praquela santa,
eu sempre vou negar!

Apesar até do apesar

Apesar do clima pesado,
mais do que de penitenciária
em plena tarde de rebelião,
apesar da confusão danada
de astros, cobras e prima-donas
que têm o vício
de fazer alarde na área
nos momentos de balacobaco,
mas não põem azeitona
na empada de ninguém,
apesar do cordão dos puxa-sacos,
mais grudentos que emplastro,
e de apenas um punhado mixa
de paus pra toda obra
que segura a barra na marra
e capricha do início aos finalmentes,
apesar do intestinalmente bruto
e intestino alvoroço,
fruto do ferino tempero
do habitual angu-de-caroço,
que a oposição concorrente
não fica na encolha
e seu destempero
só aparentemente é mole,
e não há rolha que controle
a pressão do desarranjo
da corrente da situação,
e não há anjo nesse entrevero,
que essa briga é pau puro
e um osso duro de roer,
apesar até do apesar,
o Muda o Neném de Cima
faz o que tem que fazer,
agita o trabalho,
e espera o Carnaval chegar!,
mas,
por mera precaução,
toma banho de sal grosso,
se arrima no galho de arruda,
não abre mão de figas, fitas e patuás!

Se a inspiração vier, faço um verso

Minha nega,
com licença,
se quiser me ouvir,
tudo bem,
ouça,
se não quiser,
tudo bem também,
cabe a você decidir,
vou seguir sendo assim,
pra mim,
chega!,
não faz mais diferença
se é de alta ou de baixa
a tendência dos juros,
da bolsa,
do mercado futuro,
se o dólar sobe ou cai,
se um revés
e não o viés da faixa
é o que a gente extrai
da previsão do real,
se o que produz
a ereção do custo de vida
é justo a racha da Previdência
ou se é um caso anormal
do tal priapismo financeiro,
ou se, de fato,
é um abismo,
com nome, CPF e endereço,
em conluio com o chefe,
que traga o dinheiro o SUS,
ou é o preço que paga essa gente
por ter a ousadia de ficar doente,
não me interessa
se, depois da partida,
não vou fazer jus
à bandeira a meio mastro
em razão da minha calva,
ou, como dizem os astros,
será um dia de glória,
com banda e salva de tiros,
aliás,
esta eu realmente prefiro depois,
não agora,
como anda acontecendo,
e todos estamos vendo,
quer dizer, sofrendo,
moral da história,
pra mim,
é indiferente
se é o presidente indo na faixa de pedestre
ou o pedestre indo com faixa de presidente,
se o tal golpe de mestre a miss deu no vice
ou se no vice o golpe da miss deu o mestre,
e não quero nem saber
se transplante fez o jasmim pra virar hortênsia
ou se a hortênsia fez implante pra virar jasmim,
e, muito menos,
se no jardim tem havido muita indecência,
pra mim,
tanto faz, como tanto fez,
cada um tem sua preferência,
preocupem-se vocês,
meu negócio é andar por aí à toa,
imerso no ócio,
rodeado de mulher boa,
e, no meio do chope gelado,
se a inspiração vier,
faço um verso!

Fã da vida

Sou de lutas,
de disputas,
sou da lida,
que a labuta não me cansa,
nem perco a esperança,
a crença no amanhã,
sou fã da vida,
sou criança solta ao vento
sem licença nem censura,
estou atento ao verso,
que é o inverso da clausura,
sou liberto na mistura,
que raça pura é algema
e não tem tanta graça,
trago o peito aberto
a credos, templos, ritos,
a dúvidas e dilemas,
quem pelo bem tem devoção,
não se perde no conflito,
acredito na alforria,
libertação de terras, de gentes,
sementes de paz,
e muito mais
na magia do ser
que encerra seres
tão igualmente distintos,
sinto prazeres
que a razão desconhece,
que só os merece a emoção,
e por você,
meu irmão,
irmã querida,
sinto um grande ardor,
que os fãs da vida,
assim como eu,
lutam, disputam, lidam por amor!

Amigos, rua, esquina e botequim!

Sou de ato,
ação,
prefiro ir ao fato
a ouvir a narração,
prefiro o risco da calçada
à segurança no regaço da janela,
a pasmaceira e calo no cotovelo,
prefiro andança atarantada,
embalo e atropelo de multidão,
e poeira, cisco no olho, erisipela,
e muito suor,
acho melhor buzinaço no sinal,
marcha engarrafada na primeira,
que ficar de molho no recolho
quase sem dar sinal de vida
e descendo a ladeira em ponto morto,
prefiro arquibancada, geral, bola dividida
a conforto e futebol em miniatura
pela tela da tevê,
que não nasci pra clausura
nem pra ser ermitão ou bicho-do-mato,
ao inverso,
sou de gente presente, contato, corpo a corpo,
sou de prosa, copo e brinde,
sem hora pra chegada,
sem hora pra partida,
topo opinião controvertida, contraponto,
mas conto com verso
pra não deixar que a poesia finde,
sou do riso, da piada,
mas não renego o pranto
quando sossego num canto
pra ouvir a canção e sentir saudade,
na verdade,
sou bem mais chegado à emoção
que ao juízo,
preciso de sonho
até quando me exponho
e enfrento a realidade,
e não me tenta
o coerente cem por cento,
com quarenta fico bem,
talvez bem menos,
não sou do plano anual,
do orçamento mensal,
sou do momento,
do lucro ou dano diário,
não sou chucro nem um perfeito cavalheiro,
não sou louco por dinheiro,
mas não o rejeito,
sou do você,
que senhor não me soa legal,
se for necessário,
não descarto
um aperto de mão formal,
mas sou muito mais
o prazer de um bom abraço,
coração a coração,
prefiro a noite ao dia,
não vou dizer
que tenho alergia
quando respiro outros ares,
que estou farto
e já não consigo ir a outros lugares,
mas já parto
com uma dor que azucrina
e deixa o coração apertado,
de antemão,
sinto falta do meu quarteirão,
não me comparo com ninguém,
pois não fica bem
e cada um fica na sua,
eu sou assim,
amigos, rua, esquina e botequim,
os meus, é claro!

É a vida que a gente leva o que se leva da vida

“É a vida que gente leva o que se leva da vida”,
por isso,
meu samba,
vamos por aí sem demora,
sem dia e sem hora marcada,
sem artista na pista,
sem turista na arquibancada,
vamos levar nosso recado
enfeitado de asfalto e mais nada,
e por toda a cidade,
de alto a baixo,
vamos levar nosso recado
a quem estiver disposto
a curtir o gosto do samba,
seja homem, mulher,
velho, moço,
que nosso samba é aberto
e não quer saber
do prazo de validade do cantador,
e pode até
não ser o tom o mais certo,
pois não precisa ser o tal,
bamba, profissional,
basta ser do samba amador,
bom de emoção e de amor no coração,
vamos lá,
meu samba,
vamos hastear nosso enredo
sem medo de atravessar nosso canto,
e se correr uma imprevista gota de pranto,
o cavaquinho não vai deixar que dê na vista,
vamos lá,
meu samba,
vamos abrir caminho
por todas as ruas, avenidas e guetos,
que nosso samba não tem cor
nem classe preferida,
prefere o encanto da vida,
que não é branco, mulato, nem preto,
nosso samba
é o que a gente tem dentro do peito,
e não é samba
de direita, de esquerda, nem de centro,
nosso samba é do PS,
que não quer dizer pós-escrito,
mas Partido do Samba,
vamos lá,
meu samba,
e, se for preciso,
vamos levar no grito:
“é a vida que a gente leva o que se leva da vida”.

Berra sim, e como berra

Bom cabrito não berra!?,
isso é conversa fiada,
piada ruim
ou conto do vigário,
cabrito bom berra sim,
e como berra,
só não berra
quando erra,
pois aí seria burro,
do contrário,
cabrito dá gritos
e urros,
se não for cabrito otário,
pois aqui nessa terra,
galinha que põe ovo
e não cacareja,
o dono despeja,
quem não abre o berreiro
não mama,
se dana,
quem sua,
trabalha
e não espalha,
a sorte não bafeja,
e essa história
de mineiro trabalhar em silêncio,
meu irmão,
tem paciência,
nunca vi mineiro mudo
ganhando eleição,
e,
até aí,
nada de novo,
pois,
veja você,
só não berra o povo,
por isso,
não tem
nem o que comer!

Meu moleque, meu menino

Quando brigo e ralho,
meu moleque brinca comigo,
ri à beça e nem se trinca,
desde pirralho é assim,
muda de conversa,
ameniza meus baques,
meus achaques,
quando me revolto,
solto os cachorros e malho a vida,
poetiza meus ataques,
mitiga minhas feridas,
morro de orgulho do meu moleque,
que nunca iniciou nenhum barulho,
mas não aturava esporro
nem bronca de ninguém,
nunca fugiu de uma briga,
pra casa nunca levou desaforo,
fosse o estouro com quem fosse,
que nunca foi de choro,
nunca pediu socorro
nem esmola a ninguém,
e meu moleque sabe muito bem
como é duro esse jogo,
como é fogo um sobrenome só
e agüentar aquele nó
quando a barriga ronca de fome,
e só ter meu corpo quente
pra enfrentar a noite fria,
sabe o que é não ter escola
pra aprender História, Geografia,
sabe o que é não ter na memória
sequer um Natal presente,
mas,
puxa!,
e parecia até magia,
sempre soube dar asas à imaginação,
de saída com linha, pipa, rabiola,
e bucha, e balão,
que voar é não ter limite,
depois,
aceitou o convite da bola,
e com ela foi o tal,
outro igual,
o morro nunca viu,
não fosse o menisco,
seria um craque no futebol,
mas,
como diz o dito,
há males que vêm para o bem,
e o dele não foi em vão,
como meu moleque sempre fez bonito
com alma, voz e viola,
sempre cheio de melodia,
de poesia no coração,
veio o primeiro, o segundo, o terceiro disco,
e agora o mundo inteiro bate palmas,
adora o meu moleque,
e tanto,
que me belisco pra ver se não é sonho
ou, então,
me ponho em prantos
de tanta felicidade,
mas se Deus não existisse,
não estivesse sempre por perto,
guiando nosso destino,
por certo,
não ia poder dizer hoje
o que disse do meu menino!

Carioca cem por cento

Carioca cem por cento,
moreno,
franzino desde menino,
desde pequeno
dando banda em pé-de-vento,
comigo é assim,
qualquer hora é hora
e não há tempo ruim,
crio um gato soçaite
que não mia,
“laite”,
o corredor lá de casa é polonês,
sou freguês das cheias do Rio
e já fiz até salvamentos,
entro no ar-condicionado
quando abro a geladeira,
sem nada pra gelar,
ela me congela,
incêndio lá na favela é lareira,
esquenta o nosso inverno,
o terno é dó de madeira,
e o cachorro é quente,
um dia,
alegria da gente do lado de fora,
no outro,
do lado de dentro,
e sem sal e sem coentro,
chuto a falta de emprego no canto
e não entro,
chego junto do cheque sem fundo,
mas não deixam
sequer fazer um remendo,
boto a mesa na rua,
numa boa,
e janto fora com a patroa,
um chique jantar in vitro,
as crianças estudam no exterior,
que a escola tá sem teto, sem merenda e sem professor,
mas,
no domingo,
eu me vingo,
banho de piscina com a família
na caixa de 100 litros
pra tirar a inhaca,
e não encho,
pra ninguém se afogar,
depois,
com aquela força danada,
vou ao Maraca,
e de geral,
enquanto não acaba,
e pra ver o futebol do Rio
levar outra porrada!

Como nunca tive identidade

Como foi normal,
não posso dizer
que o parto foi torto,
e nem deu
muito trabalho,
mas,
conforto em pau-de-arara
não dá pra ter não
que o saculejo é farto
e não pára um segundo,
todavia,
e não é gracejo
nem despudor,
a bolsa d’água
foi um estouro!,
molhou o couro
de meio mundo
e quebrou o galho
do radiador do caminhão,
antes do parto era Zé ou Zia,
depois,
virei José dos Santos,
o sexto filho vivo
de Maria dos Santos,
e denominação assim,
sem cinismo,
não que seja chinfrim
ou não tenha brilho,
mas,
não carece de certidão
passada em cartório
que é besteira achar
que há maneira
de não dar confusão,
faltei ao batismo
que no território
não havia igreja,
e não fui à crisma
nem à comunhão
por igual motivo,
vi cartilha um dia,
mas,
tão de pressa,
que tenho essa cisma,
a cobra
chamada cedilha
que manobra
e dá picada
e fica agarrada
no fundilho do tal de cê,
e nunca mais deu pra ver,
depois,
a panela vazia
e aquela barriga
que faz a alegria
de verme e lombriga,
e coice
de todos os lados,
e foice,
enxada e tanto calo
que cada dedo
de tão inchado
parece até um pilão,
e tenho medo
quando coloco a mão
e toco e acarinho
que ralo e esfolo,
quando dou colo,
sufoco o tadinho
que me asfixia a aflição,
e, de sobra,
uma tosse danada
que não passa
com simpatia
que remédio
não dá pra comprar,
e germe, anemia,
epiderme desbotada,
crendice e velhice precoce,
e cachaça
pra tratar do tédio,
e acho
que tenho pouca idade,
acho,
como não tenho identidade,
convicção não tenho não!

Samba sem eco, sem fim e sem começo

Sei que você se recusa
a ouvir o que falo,
mete o malho em mim,
me acusa e diz que espalho
um ponto de vista chinfrim
e que peco
porque não meço o que digo,
mas não ligo nem escusa lhe peço,
e não me calo também
porque prefiro pecar por excesso,
não por falta,
porque já falta muito treco,
telecoteco, reco-reco,
aquele tapete de confete sobre o chão,
aquele arco-íris de serpentina no céu,
falta carícia de lança-perfume
na pele da menina
e que delícia seu queixume,
falta o reco sureco
capaz de fugir do quartel,
de trocar quatro dias de folia
pelo resto do ano na masmorra,
falta a fuga dos casados
na tarde da terça,
falta o bloco de sujos
com bando de machos
vestidos de mulher ou de neném,
com cachos, madeixas,
chupeta, borra nas fraldas
lembrando calda de ameixa,
e mamadeira e caneco na cabeça,
falta criança
de marujo, pierrô e colombina
no baile infantil,
falta coreto na praça
e a massa em volta,
falta aquela volta no bonde,
e a gente nem sabia aonde ia,
como o bonde faz falta,
falta o fordeco,
a emoção, o sabor popular,
falta calor de boteco,
chão sem sinteco,
falta asfalto e avenida
sem bala perdida
e sem medo de assalto,
falta apego ao molejo da raça,
agora,
aos trancos e barrancos,
o saculejo de turista estrangeiro
dita o compasso no baile chique,
não há mais família no salão,
o garçom amador perdeu o pique,
cedeu vez ao profissional,
que, em vez de avental, veste um jaleco
com debrum na lapela,
e já não corre, não berra
nem equilibra a bandeja na praça,
parece maneco na passarela,
recebe libra e dá troco em real,
por causa do xaveco,
o pandeiro perdeu seu traço,
o couro, primeiro,
depois, perdeu a graça,
e lá se foi o repenique,
no lugar do terreiro,
da cerveja em lata, da pinga,
da costela com molho à campanha,
camarote com canapé,
caviar, escargô e taça de champanha,
a mulata Margô,
cheia de dotes no quadril e no pé,
virou uma loura estranha, sem ginga,
que se emaranha quando rebola
e se embola com um artista viril
ao desfilar pela pista,
e, lá no morro,
depois de virar cacareco,
a escola foi pro brejo
e nem pediu socorro,
agora,
um colégio na cidade,
com bom preço,
tem curso diurno e curso noturno,
e tudo por computador,
e anuncia no pasquim
que prepara
pro vestibular da Faculdade de Bamba,
e o cara vai sair de lá doutor
em samba sem eco, sem fim e sem começo!

Brasileiro

Se for preciso,
ponho o acanhamento de lado
e vou de alma em alma,
porta em porta,
bar em bar,
organizo lista, manifesto,
saio à cata de nome pro abaixo-assinado,
repriso passeata de protesto,
e tome comício no largo,
quermesse na praça,
e exorcizo o coreto,
o preto,
o branco,
o mulato,
embargo e anarquizo a pista
no peito e na raça,
arranco benesse, emolumento,
interpretação do regulamento,
alimento debate, embate e discussão,
seja qual for o rival,
vou à guerra e quebro o pau,
se for preciso,
movo céus e terras,
monto esquema
capaz de deixar tontos
professor, doutor e bamba,
que não nego fogo,
não entrego os pontos,
faço tudo pra ganhar esse jogo,
que ninguém vai fazer pouco
nem bagunçar meu samba,
e mesmo quem fizer ouvidos moucos,
vai ouvir surdo, tarol, pandeiro,
vai ouvir o verso
que o coração bombeia pelas veias da poesia,
vai sentir a magia desse poema
intitulado Brasileiro!

Diante de um mar rubro

Diante de um mar rubro
por causa dos raios de sangue
de um Sol
que cortara as veias dos pulsos
e deixara por um fio
um dia que bem podia ser
de outubro ou de maio,
pois anda baço meu calendário,
acabei vendo as crianças,
a gangue que não se cansa,
apesar do meu cansaço,
de tentar encher o vazio
furtando grãos avulsos
da areia da nossa costa
que gruda nas costas do turista,
então,
esfreguei a vista,
tirei do armário
e vesti a calça da briga diária,
a mais pura mistura
de jeans e água sanitária
que parece não ter fim,
e que já naquela fase
quase andava sozinha,
e a primeira que tinha
fecho ecler na barriguilha,
com aquela antiga e falsa
caricatura de estudante,
paguei meia
e sentei no banco da igreja
pra me lembrar
daquele filme marcante
que fingi que entendi,
na saída,
reparei que ninguém ouvia
a partida de domingo
no radinho de pilha
ao lado da sardinha
e da cerveja barriguda,
também descobri
que de causa aguda e defintiva,
se fora a beleza do belo tipo faceiro
que não tenho mais ao meu lado
embora
eu não tenha deixado de ser passageiro,
pra não perder a confiança,
da qual restou só o prédio,
e como o que não tem remédio
remediado está,
bebi o pingo de rum que havia sobrado,
e, desolado, concluí:
da fábrica que produziu
o tecido da cortina
que cobriu a esperança
que tinha nos meus mitos
não sobrou nem mesmo o apito;
bem,
deixa pra lá,
que fique o dito pelo não dito;
mas,
preciso saber
se menino e menina
ainda precisam
de muro e canto escuro
pra tirar um sarro?!,
preciso saber
se algum par ainda vê
corrida de submarino
no banco de trás do carro?!,
porque o meu
já não passa da primeira
e bate pino
até descendo ladeira...
preciso saber
de Januária, Helena, Sá Marina, Madalena?!,
das mocinhas septuagenárias
que embalaram minha libido?!,
e daquela vizinha
que nem sequer era fantástica
mas me fazia fazer,
entre suspiros e gemidos,
a maior ginástica pontual
só pra vê-la tirar o vestido
e ficar de calcinha e sutiã?!,
aliás,
e o sutiã, que fim levou?!,
eu preciso saber
em que posto parou a gasolina
que virava repórter na tevê?!,
eu preciso saber
quando vou poder ver
um clássico no Maracanã?!,
eu preciso saber...
o que é mesmo
que eu preciso saber?!

Amor abstrato

Nossa paixão
tem sinais exclusivos,
nossas almas ternas
trocam um beijo voraz,
nossos olhos cativos
se olham sem parar,
se olham
mesmo quando não trocam
nem aquele furtivo olhar,
nossos impalpáveis carinhos
pelos demais mortais
não são vistos,
no nosso ninho fantástico
em absoluto sigilo,
você entreabre as pernas e me alucina
com a umidade, o perfume e o frescor do buquê,
me oferece os seios
cravejados de excitados mamilos,
e me aposso de você
com abraços tão arrebatadores
quão intangíveis,
sob lençóis intransponíveis,
nos entregamos a desejos e prazeres
delirantes mas imperceptíveis,
esfuziantes mas inaudíveis,
prazeres e desejos sem medida
pois libertos do contato,
e somos exauridos
por orgasmos ideais,
livres por completo dos sentidos,
nosso amor abstrato
é amor demais
pra ser concreto nessa vida!

Cansei de dar vexame

Já tive que dar muito vexame
pra ganhar um troco,
tive que desistir do jogo,
tive que ir pro tatame
pra levar soco de anão japonês
que nem tinha faixa,
tive que encarar centelha
e apagar fogo
pra não ter que dar baixa,
com uma das mãos atrás
e a outra na mangueira,
tive que conter zoeira de enxame
sem violar o estatuto da abelha;
já tive que dar muito vexame
pra ganhar um troco,
tive que dançar
e cantar parabéns em inglês
e ajudar a soprar a vela do bolo
na festa de um totó dissoluto
que era orgulho e consolo da madame,
tive que ouvir bravata,
piada infame,
fazer, desfazer e refazer embrulho
só pra não perder o freguês,
tive que botar paletó e gravata
pra fazer exame gratuito
de fezes e urina;
já tive que dar muito vexame
pra ganhar um troco,
tive que botar batina e saia de escocês
pra escapar de reveses e curtos-circuitos;
tive que fazer reclame na esquina
metido em camisinha tamanho família;
tive que achar estranho
o pedido daquela vizinha boa
e, no lugar de lhe dar o salame,
deixar que a patroa lhe desse um bife;
tive que pagar pela Ilha de Notre Dame
e, pelo preço, ir passear em Recife;
tive até tomar santo-daime
fingindo ser refrigerante;
enfim,
tive que perder
bem antes do começo do certame;
agora,
pra mim,
chega,
cansei de dar vexame!,
só me chame
se não tiver que ser assim!

Desde cedo

Vive à margem desde cedo,
desprezado por aí,
e perambula,
flanelinha, baleiro, engraxate,
pelotiqueiro de sinal,
e não se encabula de pedir um trocado,
e não corre quando canta o pau,
fica de frente,
que só morre de medo de ter medo,
pois não cabe medo nessa rinha,
nesse embate permanente;
mais dia, menos dia,
comete algum deslize
e se mete numa fria,
e foge e se apinha,
se aninha entre irmãs e irmãos
sob viadutos e marquises,
e a estação não faz diferença não,
e se envolve em aniagem
e descansa nas linhas do Estatuto,
que ouviu falar
dos direitos da criança e do adolescente,
e faz bobagem, sacanagem, acarinha,
que o corpo a corpo esquenta,
a alma alenta
e a fome não atenta tanto,
ainda por cima,
troveja, chove e venta,
e há muitos ratos, gatos e pratos,
e é escasso o alimento,
e o alento é uma história
que nunca se viu
em nenhuma obra infantil,
e joga peteca
só pra não deixá-la cair,
no jogo da memória,
sobras do jornal,
da seção policial,
que não tem outro exemplo pra seguir;
brinca com "bolas" e "bonecas"
que não fabricou
nenhuma fábrica de brinquedo,
e entra de sola no sapateiro,
"passa nele o serol"
e descola uma cola,
que esse ofício, crime, vício,
não se aprende na escola,
e solta fogos de artifício,
o que não é difícil,
basta ter olhos pra ser olheiro,
ter pernas pra ser avião,
pra ser soldado,
cinco dedos em cada mão,
e o dinheiro escorre desvairado,
avermelhado feito sangue;
“mas,
não se zangue comigo,
doutor,
porque vou lhe pedir
anel, cordão e carteira,
é que o mano foi em cana,
a mana tá prenha
e sem cliente,
e a gente faz a feira com essa grana
e tira o pó da prateleira,
e o que sobra a mãe me cobra
que do porre não quer sair,
aí,
não socorre minha parceira,
que nem bem menstruou
e já está prestes a parir.

Que maluquice é essa?!

Espero que ninguém me ouça,
mas,
que maluquice é essa?!,
nem mesmo a camisa-de-força
tem o meu tamanho certo,
é grande à beça,
cabemos dois loucos nela,
bem,
melhor assim,
como somos espertos,
quando um sai,
o outro fica,
e sentem só meia falta de mim,
enquanto isso,
pra tomar conta do hospício
a bicharada se reveza,
rato, burro, gato, lesma, peru, pavão,
o monte muda um pouco,
mas as moscas são as mesmas,
e estamos de olho no camaleão
que se transforma
pra não perder o posto,
entretanto,
ninguém nega,
carteira de louco traz vantagem,
viagem de graça na condução,
pra cobrar, cadê coragem?!,
quando o bicho pega,
tem o santo artigo vinte e seis,
e já pedimos isenção total de imposto,
se tanta gente já tem,
agora é a nossa vez!,
mas,
é bom parar por aqui,
que, nesse caso,
propaganda não é a alma do negócio,
nem o mais legal,
pode aumentar a procura,
aí,
vai chover sócio na minha loucura
e logo aparece algum fiscal,
e até de postura municipal,
que a turma não é mole não,
e lá se vai meu ganha-pão.

Negação do não

Negação do não
é todo esse calor
que queima
e contradiz a boca,
é todo esse tremor,
a voz insegura,
rouca,
o olhar que teima
e descarado chama,
é o drama das mãos
que empurram,
repelem
e ao mesmo tempo
transpiram e querem
como clama o coração;
negação do não
é a falta de convicção
dessas palavras fracas,
que nem mesmo ferem,
traídas pela emoção,
e essa força-farsa
que sequer escapa
às trapaças da vacilação,
pois a paixão
não foi ainda embora
e aflora com sofreguidão,
negação do não
é o lábio trêmulo,
pálido,
o hálito úmido e cálido,
o peito que chora,
a pele que implora
e arrepia essa negação
à razão surda e cega,
que tanto nega
balbuciando um tolo não.

Busto do bamba

Sempre correu madrugada nas veias
desse filho dileto da boêmia,
no afã de nascer,
nem esperou a manhã,
veio na raça e à meia-noite e meia,
no meio de um pagode;
como tinha de ser,
a parteira não era abstêmia,
e mamãe-sacode rolou de graça;
se acalentou em dialeto de bar,
sempre deu um jeito
de mamar no peito
no meio do telecoteco,
deixando a rapaziada
com água na boca;
no lugar de tabuada e cartilha,
contas, contos, filosofia de boteco,
testilhas de becos, esquinas e vielas,
que por elas
a sabedoria não é pouca,
e sempre foi bom ouvinte,
viesse lição ou parêmia de quem viesse,
pedinte, doutor ou vagabundo;
sempre teve o privilégio
de ter muito jeito com mulher,
menina-moça de colégio,
mulher-menina de lupanar;
com perícia e muita malícia,
ganhou respeito de bandido e polícia,
coisa rara nesse mundo;
sujeito talhado
pra ser bamba na sinuca,
pra levar no papo ou no muque,
com tapa e capoeira;
cuca sob medida
para os truques do carteado,
pra dividir verso e melodia,
pra fazer sucesso na cantoria;
ginga decantada
em todas as rodas de samba,
sapateado requisitado por salõe e gafieiras,
agora
que se foi,
é muito justo
botar seu busto na Lapa,
único lugar no mapa
que faz jus a esse bamba!