sexta-feira, setembro 23, 2005

Essa louca não tem limite!

Não há compêndio
que fale de coisa igual,
com fogo de palha
ela faz incêndio
e se espalha
tal qual boato,
aliás,
muito mais!,
que não é só boca a boca,
é tato a tato,
corpo a corpo,
leito a leito,
evite essa louca!,
essa louca não tem limite!,
não lhe serve
a verve de paixão intensa
cheia de densas emoções,
não...
não lhe serve...
só lhe ferve veias e artérias,
só lhe incendeia as entranhas
a luxúria pela luxúria,
a fúria e a miséria
de espúrias sensações,
a sanha de cios desvairados,
ela não quer
que você zele por ela,
não quer
que seus lábios sele
com beijos apaixonados,
não quer
que um arrepio
revele os desejos dela,
ela não quer o prazer
que um gemido extravasa,
ela quer ter na pele
marca de ferro em brasa,
quer o berro sofrido
de um ser que se esfacela!

quarta-feira, setembro 21, 2005

Freqüente o bar certo

Você não tem sido esperto,
aliás,
tem trocado o certo pelo duvidoso,
não enfrente mais
cerveja quente em copo seboso,
tira-gosto sem sabor,
pois dormido e requentado,
papo chinfrim, furado e pastoso,
nem entre nessa de aturar gente
doente de eterno humor ruim,
que já era exatamente assim
no ventre materno,
depois,
ao que parece,
levou um baque do berço
durante um ataque de estresse,
hoje,
não há santo que agüente,
por fim,
pague somente um terço
do tanto que paga ao concorrente!,
não se iluda com o que há por aí,
freqüente o bar certo,
Bar da Dona Micas,
que fica ali no arrebalde
e dali não se muda!,
agora,
um aviso preciso dar:
salde em dia o total da conta,
quem apronta e banca o esperto
ou faz barganha na hora de pagar
sempre se dá mal,
que ninguém cinza Dona Micas,
ela sabe manhas e artimanhas,
e perde a calma,
fica ranzinza e pisa nas tamancas
com a falta de um vintém,
aí,
não tem pra ninguém,
não arranca o escalpo,
mas deixa a alma incauta
em palpos de aranha!

segunda-feira, setembro 19, 2005

E faço que sei o passo

Contemplo o paço
e faço que sei o passo
que faz o rei,
faço que sei
que seu passo maneiro
não sai da linha,
faço que sei
que o rei capricha
nos pormenores da lei
e que o salsicheiro
segue seu exemplo
quando faz a salsicha,
faço que sei
que o rei não se embriaga
com vinho de suas vinhas
servido em taça de cristal,
faço que sei
que o dinheiro do rei
vem todo da mina real,
não da paga do zé-povinho
dos arredores do paço,
faço que sei
que não tem o rei
emoções ferinas,
relações espúrias,
nem troça da nossa moral
nos braços das concubinas,
faço que a rainha
não inspira, expira
e transpira ciúmes,
nem conspira
com fúria e azedume,
faço que a corte
não cochicha nem comenta,
faço que a patuléia,
quando se espicha e tenta,
se faz ver e ouvir
no interior do paço,
faço que é injúria
dizer que nossa queixa,
que nossa lamúria
deixa o rei de mau humor,
irritadiço e com cefaléia,
faço que é denegrir
o nome do rei
dizer que é omisso,
dado à incúria
e tem prazer
com o vezo
de sentir desprezo
pela fome,
pela penúria plebéia,
faço que sei
tudo isso sobre o rei,
que não sei bem
o que mais posso fazer!

sábado, setembro 17, 2005

Mudam as moscas, mas a merda é a mesma

Preste atenção,
não me diga
que é algo recente,
pois,
tal qual a roda, a moda...
(quase que a rima
me anima!),
é coisa bem antiga,
por isso,
moleque,
entro com esse aviso:
pise no breque
e não reinvente a reinvenção,
nem atente contra o juízo
jurando que a questão
tem novo centro!;
meus símbolos,
meus ídolos,
meus ícones
já tinham silicone,
só não era tão aparente,
só não se aplicava
como se aplica agora,
só não ficava o resultado
tão claramente do lado de fora,
mas era silicone igualmente,
embora posto
mais lá pra dentro,
e bem ao gosto do cliente!;
por ser assim,
só vi o indício no fim,
quando foram embora
na mão do vício ou da peste,
por isso,
preste bastante atenção,
bata palma, admire,
fique radiante,
perca a calma
e pire até
na hora da louvação,
mas,
não se entregue à isca
qual faz o peixe,
não deixe
que bisca ou rosca
deixe sua razão
ainda mais fosca,
mais tosca do que já é,
e faça de você um mané,
uma lesma,
e lesma mais lerda,
pois,
mudam as moscas,
mas a merda é a mesma!

sexta-feira, setembro 16, 2005

Mas vem a hora do castigo

Vida confundida
com conta no banco
em franco progresso,
com fama e sucesso,
um dia,
o neon se derrama,
a magia ecoa e inebria,
o dom embriaga e cega,
e a gente vira rei,
rei dos reis,
e a gente nega, renega
e apaga o metro,
e tira a própria medida
por cetro e coroa,
aí,
sou mais distinto,
mais sei,
sinto bem mais,
sei que não preciso
de conselho ou aviso
de amigo ou amiga
nem de lição antiga,
não preciso mais ver
os olhos vermelhos
de irmão, de irmã,
de ex-paixão, de ex-amante,
precisei cativar antes,
agora é cativo o fã,
e pinto e bordo,
e faço e aconteço,
acordo e ativo a sanha,
consinto a manha e a tara,
meu desejo dispara
e obedeço,
e me despejo,
como sou meu exemplo,
esqueço oração,
despeço meu santo
não mais me confesso
e passo ao largo do templo,
mas vem a hora do castigo,
sem um só coração
disposto a nos dar abrigo,
resta o pranto
e o gosto amargo da solidão!

Esse desejo esquisito da patroa

Esse desejo esquisito da patroa,
e na nona gravidez,
me deprime,
não é de grávida sublime
ávida pra matar a vontade,
muito menos encargo banal,
na verdade,
trata-se de infração penal,
instigação ao suicídio,
quer dizer,
ao auto-homícidio
usando as mãos de alguém,
ou incitação ao crime,
veja só,
pargo frito
com creme de aspargos
e gelatina de morango silvestre,
às três horas da matina
do derradeiro domingo do mês?!,
onde já se viu?!,
ela quer que alguém me defenestre
ou que eu seqüestre
o dinheiro de quem tem,
é mesmo de amargar,
gente fina!,
desejo assim
é coisa pra ver
em fita de vídeo alugada!,
ou, então,
em notícia surrealista
sobre alguma artista
dada em coluna social!,
mas,
a patroa é do lar
e sou um pobre pedestre,
um mortal desempregado
sem um pingo de cobre no bolso
e com todo esse alvoroço,
com toda essa zona
que a turma do bonde faz lá fora,
não tem como,
agora,
se Dona Honória,
vizinha da casa seis,
puder doar
um molho de chicória
e jogar aqui na cozinha,
por cima do muro do quintal,
minha cara-metade toma um caldo,
e olhe lá,
e se o desejo deixar algum saldo,
que durma de bruço da próxima vez,
se não evita desejo,
é tiro e queda pra evitar gravidez!

Galo da boca pra fora

Esse galo come sardinha
e arrota camarão,
e canta de galo,
mostra crista, bico, espora,
se pavoneia,
esperneia e cisca um bocado,
estufa o peito
e canta que é brigão
até dar na vista!,
mas,
é galo da boca pra fora,
que esse galo duma figa
adora sim uma rinha,
mas com pinto e galinha,
aí,
cresce, fica brabo,
briga, faz e acontece,
deita e rola,
canta palavrão a torto e a direito,
esfola, amarrota, escalpela,
dá safanão pra todos os lados,
quase dá cabo dos coitados,
entretanto,
quando aparece outro galo,
fica cheio de dedos,
se a coisa engrossa,
perde bossa e rebolado,
se mija, se borra, se péla de medo,
entre as pernas enfia o rabo,
no saco mete a viola,
e o canto,
e dá o pira,
guarda a valentia pra ir à forra
quando a galinha
ficar de novo sozinha,
há mesmo galo assim,
tão chinfrim,
tão dado a tal mudança?!,
ou meu canto
é um canto torto
que canta uma mentira?!,
por fim,
uma advertência:
qualquer semelhança
com galo vivo ou morto
terá sido mera coincidência!

"Mea culpa"

Miser ego homo,
e sei como agora!,
mea culpa,
mea culpa,
mea maxima culpa,
tomara!
qu'inda seja hora
de fazer mea-culpa!,
e faço,
durante boa parte,
bom pedaço da vida,
por pretensão,
desatino,
falta de tento e arte,
perdi totalmente o norte,
completamente a medida,
e pensei
que pensava
pensamentos isentos,
e pensei
que pensava
pensamentos genuínos,
e me senti
um arrogante ilhéu,
subida ilha,
ilha fora mapa,
ilha protegida por capa
forte e brilhante,
meu mar!, meu céu!,
e me senti solo e semente
e pensava cada pensamento
como um reto fruto todo meu,
e me senti óvulo e esperma
e pensava cada pensamento
como um bruto feto todo meu,
embora não fosse
palerma o bastante
pra fazer insultos à inteligência
a cada instante,
a cada minuto de cada hora,
nem bastante astuto,
vejo agora!,
passei boa parte da existência
assim pensando,
tinha arroubos de pleno adulto
mas era um crente,
inocente,
um menino bobo!,
mea culpa,
mea culpa,
mea maxima culpa,
pensando assim,
pensei pensar
isentos e genuínos pensamentos
por quase uma vida inteira,
mas o destino pôs fim
nessa besteira,
acabou com essa crendice,
e custo a crer agora
que andei convecido dessa tolice...
um pensamento todo meu...
exclusivamente meu...
e não tive um só pensamento
que não tenha sido
resultado de algum legado,
de alguma herança...
custei um bocado
a deixar de ser criança,
a fazer mea-culpa,
miser ego homo,
e sei como agora,
e mea-culpa faço,
tomara!
não estar além da hora
nem mesmo um passo!,
mea culpa,
mea culpa,
mea maxima culpa!

quinta-feira, setembro 15, 2005

Feijoada Real

Se você
não teve a sorte de comer
a feijoada do Zinho,
é melhor não dizer nada
e sair bem de fininho,
pois,
não há nada igual
de Norte a Sul,
sequer tão genial
(se fizer confusão com o cachorro,
vai tomar esporro!),
e ela faz jus à fama metro a metro,
não é à toa
que tem brasão, cetro e coroa,
e se chama Feijoada Real,
pois só entra no feijão,
meu irmão,
suíno de sangue azul,
que não é mera feijoada,
mas um hino ao feijão!,
e esse hino não tem parelha
nem está
à espera de outra estrela,
pois estrelas
tem bem mais de cinco!,
e sou testmunha...
comê-la é algo divino,
mas não é pra ralé...
é pra moço fino...
pessoa que conhece
e merece coisa requintada...
pois a orelha vem com brinco
e o pé,
com a unha bem pintada!

terça-feira, setembro 13, 2005

Esse mar em mim

Com suas marés revoltas,
esse mar em mim me navega,
me navega esse mar em mim,
e me pega em suas correntes
e me leva a terras e portos,
como todo bom crente,
creio que faço a escolha,
e escolho
qual folha solta no ar
voando por caminhos tortos,
meio de frente,
meio de costas,
meio de viés,
bem ao rés do chão,
quase ao alcance da mão,
de repente,
a manobra se encerra,
desta feita,
obra de uma vaga
que âncoras não respeita,
e novamente me traga,
e outra senda,
outra saga,
e lá se vai outra boa chance,
mas,
não posso negar,
apesar dos pesares,
dos muitos avatares,
há prazer no navegar,
ainda pivete,
timoneiro e comandante,
ia adiante em navio de papel,
mas ao léu do rio
que corria no meio-fio,
e eu já corria pela contra-mão,
depois,
grumete,
aprendi navegação
nas águas do Trapicheiro,
em jornadas no banheiro
com fotos d’O Cruzeiro e da Manchete,
não me recordo bem,
mas creio
que também por aí
comecei o diário de bordo,
que todo navio tem que ter um,
e já me rondavam o imaginário
sete amores,
sete mares,
depois,
sete bares,
e me graduei no pé-sujo,
marujo de longo curso!,
aprendiz de corsário
e já incurso
em vários pecados capitais,
folhas atrás,
descobrira Vinícius, Tom,
a poesia do Drummond,
e, por causa do Barão,
que havia um outro vício,
com os patrícios,
descobri a paixão pela mulata
que quase matou o avô português,
depois,
foi a minha vez,
a neta dela quase me mata,
no meio da festa,
levei um tombo
numa de suas curvas
e com calombos
me deixou a queda,
e logo dois!,
e logo na testa!,
com a vista meio turva,
voltei a pé a Vila Isabel
por falta de papel-moeda,
em outra folha,
vi a magia do tempo em ação,
a América,
meta do Colombo
nessa aldeia esférica,
acabou se tornando Capitão
e ele,
Confeitaria na Gonçalves Dias,
salve!, salve!,
cerveja, empada, croquete,
salve!, salve!,
garçonete assanhada
que sassarica com a bandeja,
salve!, salve!,
transpiração da patota
que transpira em bica
pra não sair da linha,
mas fica no ora-veja,
não come sardinha
nem arrota camarão,
salve!, salve!,
Cabral,
mas não consegui saber
se pelo Vasco já torcia
na data da descoberta,
mas,
duas coisas são certas,
o da Gama foi à cata
do caminho para as Índias
e não fez fiasco
e uma índia
me deixou nu e teso
e quase fui preso
num Carnaval
lá no Ninho do Urubu,
a folhas tantas,
não houve mais jeito,
tive de ir em frente,
de meter o peito no batente,
e foram as folhas indo e vindo,
e pra lá, e pra cá,
algumas folhas mais,
e mais pernadas e rasteiras,
e entradas e bandeiras
que me levaram a cabeleira,
tive de pendurar as chuteiras no grito,
que só as do Nelson são imortais,
e, com a aposentadoria,
comecei a reparar,
como é diferente,
como é bonito cada novo dia!

Sai debaixo

Sai debaixo,
estou com a corda toda
e não vou sossegar o facho,
quando a gente deixa,
a alma pinta e borda,
faz a gente botar pra quebrar,
já disse à minha senhora,
meio em tom de pilhéria
pra não me complicar,
que as bodas saíram de férias,
joguei fora
contas de água, luz e gás,
e deixei pra trás
misérias, saudades, mágoas e queixas,
daqui por diante,
vou deixar de ser otário,
de fazer papel de paspalho
no retumbante cenário nacional,
já botei galho de arruda na orelha
e só vou fazer o que me der na telha,
começando por esse céu de sol,
a despeito
da previsão oposta da meteorologia,
a seguir,
um domingo de carnaval,
aposta exlusiva do meu peito,
sem um pingo de ajuda do calendário,
sem personalidade televisa,
sem alegoria, sem banda
e sem autorização da burocracia,
pois bate e tudo comanda
a magia do coração,
e que ele bata como quiser bater,
pela mulher que não vier
ou pela que aparecer,
e traga amor ou traga prazer,
ou só companhia
pra acompanhar uma cerveja,
ou esteja só de passagem,
miragem para o olhar,
viagem da imaginação,
que bata pelo irmão antigo
que a gente nunca esquece,
por aquele amigo da ocasião
que aparece e entra na festa,
pela sugesta que imaginei tanto
e nem precisei dar no patrão,
que bata por esse pobre
que fez questão de partir comigo
o quase nada que tinha,
que bata por essa pessoa
que eu nem sabia que vinha,
mas veio
e trouxe esse inesperado abraço,
e amizade, amparo, abrigo,
que bata de verdade
por qualquer felicidade,
mesmo um pequeno pedaço,
que bata
ao sabor do canto da vida,
raro encanto
que enfeita e abençoa
quem descobre que ela foi feita
pra ser vivida passo a passo,
e não existe passo à-toa!

Apeou do pau-de-arara

Anônima e moça recente,
trouxa e sotaque,
apeou do pau-de-arara na capital
em frente à Central do Brasil,
e sorriu um sorriso diferente,
qual Mona Lisa,
mas ninguém aplaudiu,
aí,
foi atrás da brisa,
do mar de Copacabana,
e não resistiu,
se banhou, se benzeu e dormiu nas areias,
debaixo do luar,
cheia de fantasia nas veias,
mas,
falhou a simpatia,
sob o sol escaldante,
não acordou sereia,
mas amante de ambulante,
e ganhou pão, margarina e traçado,
no boteco da esquina,
onde ouviu o povo falar
dos tais classificados,
que não leu porque não sabia,
mas meteu a cara na faxina
em casa de bacana
e quase entra em cana
por causa de bijuteria,
quis ser doméstica
de uma coroa muito fina,
mas tinha taras a patroa,
e preferiu cuidar da estética alheia
através da massoterapia,
mas a coisa ficou feia
logo na primeira,
e foi encher prateleira de mercearia,
depois, vendeu lula, sardinha na feira,
alugou o caçula da vizinha
pra fazer carreira de mendiga,
foi madrinha de briga de galo na Baixada,
vendeu pomada pra calo na Praça Mauá,
e vatapá, acarajé, xinxim,
numa birosca em São Gonçalo,
fez filé de gato no espeto,
num gueto de Madureira,
e do couro fez pandeiro e tamborim,
fez refresco purgativo
num quintal em Bento Ribeiro,
tentou o burlesco na Tiradentes,
no carnaval,
desfilou no Cais do Porto
pelo Grêmio Recreativo
Bloco Carnavalesco Eu Não Nasci Torto,
improvisou leitos sob marquises,
teve crises de hemoptise,
e houve até um idílio,
do qual restou um filho,
finalmente,
um sujeito do Serviço de Auxílio
ao Retirante Abandonado,
que vive abarrotado de esperanças,
lhe deu uma dica,
e lá foi ela atrás da vida fácil,
pensando em ficar rica
nas vizinhanças do Estácio,
agora é a Rosa do Agreste,
na Vila Mimosa,
encara qualquer um,
qualquer venérea,
acha que a peste não é coisa séria,
e sua hora não é cara!

segunda-feira, setembro 12, 2005

Quero oba-oba

Que conste em ata,
não quero sopa de entulho
nem outro bagulho qualquer,
quero oba-oba
com caviar, scotch, champanha
e muita mulher boa
em camarote bancado
por algum magnata,
quero lotar o pandulho
de picanha, maminha e chope gelado
em boca-livre com grana de campanha,
quero fazer greve
pra pôr cobro ao dever de trabalhar
e poder ganhar o dobro na moleza,
quero ir por aí à toa
de carona numa passeata,
mas com aquela massa bem leve,
e à bolonhesa
ou ao suco da economia de mercado,
quero livre-arbítrio
pra usar meu passe livre
e sair qual maluco-beleza
atrás de algum trio elétrico
sem correr risco de ir em cana,
quero a mulata,
orgulho métrico do nosso sistema,
que manda ver
como rainha da bateria da Banda
‘O Dilema do Ecoequilíbrio
Quando o Boteco Pega Fogo’,
quero jogo, bingo e loteria
de domingo a domingo,
quero,
de graça,
um plácido outro dia
com analgésico e antiácido
pra combater azia e cefaléia,
e colírio pra não dar bandeira,
e aquela pura
que cura tremedeira,
faz esquecer tombo amnésico
e remenda até rombo na idéia,
quero
matar a sede
com cachaça corrente na torneira,
rede na varanda de frente pro mar
pra aproveitar a marisia
enquanto descanso a moringa
e sem precisar tirar um puto do bolso,
quero vela, galinha, alguidar,
fita amarela, farinha, charuto gratuito,
que fazendo mandinga
a gente evita caso fortuito
e força maior,
depois,
quero muita fé
e o melhor minuto de silêncio,
bem diferente do que ouço por aí
e tanto já vi,
quero pra mim
minuto de silêncio
com juros e correção monetária
na bebemoração diária por aí,
e sem bucho,
e sem tristeza,
se não for assim,
juro que viro a mesa,
volto e puxo seus pés,
e puxo os dois de uma só vez!

Lave as mãos e vá embora! (Para o maior ex-amigo)

Pegue leve,
não precisa pagar o que me deve
que a grana não era o principal,
aliás,
não há nem promissórias
pra cobrar no tribunal,
e seja breve no discurso
que não me apraz mais
ouvir suas histórias,
o pior inimigo não dá tanta gana
quanto o maior amigo
incurso em tal violação
do código da amizade,
condenado por ser amigo-urso,
e não agrave,
por favor,
foi tão grave a infração
que não cabe nem recurso,
na verdade,
a pancada foi tão grande
que não esquecerei meu assombro
ao ver os escombros do código,
ao perceber
que pra você o estatuto
era pródigo em letra morta,
senti muito
quando vi que estava
no reduto da porta fechada
e só precisava
de sugestão sobre uma saída,
sofri tanto
quando descobri
que era ombro de fachada
e sob medida para a traição,
por isso,
não piore a situação
com explicação de última hora
nem implore perdão,
mas,
se quiser completar o serviço,
lave as mãos
e vá embora!

Jogo no Céu

No fim-de-semana
(ih!, falha humana!),
barrosamente o Ary,
gaita na boca,
voz quase rouca,
torce,
esbraveja,
mais que locutor,
ele é a própria peleja,
e a bola rola
de pé em pé,
bate o Jaguaré
o tiro de meta,
e mais atrás,
o Batatais aplaude,
ela decola e vai,
quase reta,
Heleno de Freitas
ajeita a esfera no peito,
com jeito
põe no terreno,
me desculpe...
põe no gramado celeste,
finge que investe,
percebe outra jogada,
ainda mais eloqüente,
e lança,
o Yustrich berra,
ouço aqui na Terra,
mas
não acorda o Feola,
e o Almir
alcança a bola,
catimba,
o Pernambuqinho
carimba sua presença,
mas já não ensaia mais desavença
que agora está em outra praia,
a manobra o Fausto pressente,
se desloca,
fica na sobra e recebe,
que Maravilha Negra,
e avança com classe,
acariciando a pelota
e,
quando nota o eterno espaço,
ao Friedenreich dá o passe,
entre o Céu e o pé
o encaixe é perfeito,
feito pra ela,
então,
El Tigre toca,
imponente,
cheia de arte,
ela parte
rumo ao Mané,
o passo é de balé
e o éter consente,
com as pernas tortas
ele corta pra lá,
pra cá,
e dá mais uma,
mais duas,
muitas fintas,
e o Céu delira,
a Terra suspira lembranças,
e ele vai,
e gira,
e volta,
uma dança!,
e ele avança,
recua,
por fim,
ele solta
quando pinta
o Tim na meia-lua,
que envia ao Neco de trivela,
este, por sua vez,
tabela com Preguinho,
o Doval pede,
recebe e toca para o Valido,
o portunhol é divino,
e quando ela sobra,
cai nos pés do Itália,
e brilha outro cobra,
e partilha a jogada com Brilhante,
um passe perfeito,
e olha o Zizinho,
aí,
com carinho,
e de primeira,
ela recebe
um leve efeito
com o lado da chuteira,
e segue seu caminho,
Domingos da Guia
dá um toque suave
e centra na medida,
e o Diamante Negro,
finaliza com brilho
e de bicicleta,
contudo,
a magia se completa
e ela bate na trave,
na baliza São Castilho,
com leiteria e tudo,
mas,
se não batesse,
defendia o Veludo,
aí,
o Fontana,
com aquela gana,
dá um bico pra frente,
Gentil Cardoso faz embaixadas
e linha de passe
com Silvio Pirilo,
e o princípie Danilo se apresenta
e o Barbosa goza
e morre de rir,
espalma pra escanteio,
e consulta o doutor Rubens,
que, por sua vez,
ausculta o Vavá,
que dá um toque
e chuta
lá do meio da rua
e o Pompéia defende
fazendo acrobacia
ao som do hino do Lamartine,
quem não viu
não faz diéia...
é até covardia!,
você há de convir,
e, ainda por cima,
você,
Ary,
feliz da vida!,
(puxa, outra falha?!)
mais se anima
e faz um chiste
com o Mário Vianna,
que se ufana
do seu troféu,
os 2 n's,
e, dedo em riste,
briga, ralha
"com meio Céu",
mas,
não apita
o fim da partida
e não termina o jogo,
e não há quem segure
o show do Jorge Cúri,
e ele grita:
gooooooooolllllll,
dos deuses do futebol!
e faz coro o Waldyr Amaral,
e já o Saldanha
escancara o paiol
e bota fogo na resenha,
o Nelson anuncia
sua chama tricolor
e põe mais lenha,
se arrepia de amor,
mas a raça
rubro-negramente se inflama,
Zé Maria Scassa,
e o debate se incendeia,
e quase não creio
quando
o dia clareia
e disperto,
mas,
no sorriso aberto
sinto
da emoção do devaneio
a alma ainda cheia!

sexta-feira, setembro 09, 2005

Não sei mais o que dizer

Um pedinte de pires na mão
que estava ali por perto
cedeu as vintes a um Sansão
cheio de nove-horas,
brinco e cabelo sem Glostora,
que estava na fila do Íris
porque Dalila ia apresentar
na sessão das cinco
“A sanha dos pêlos moicanos”;
depois,
foi buscar uma galinha-morta
em outro lugar,
mas a barganha não deu certo
e ele entrou pelo cano,
e, como o Paisano
já fechou as portas,
não veio a lasanha pra dois
que dava pra três,
e ficou
inda pior pro freguês
sem a luz Silvestre da Galeria
onde o príncipe de amanhã
se vestia de homem
pra ir ver a moça sem sangue azul
que rodava bolsa no Mangue,
e, acabado o trottoir,
pegava aquele trem
que ainda pega
quem precisa jogar nas onze,
mora em Jaçanã e não na Zona Sul,
e sonha ser Mestre Ziza
com placa de bronze no Maracanã,
mas,
como nem tudo que reluz é ouro,
como cada bomba que se inventa
é um estouro grande paca,
como quem está pela bola sete
não tenta dar no couro nem na primeira,
a orquestra pegou o Cipó
e subiu a Ladeira dos Tabajaras
regida por um pivete de menor
que nem de si mesmo tinha dó,
e achei melhor
ir ver por uma fresta
a banda passar de frente pro crime,
que ninguém mais é bobo
de botar a cara na boca do lobo
nem de expor as coronárias na janela
qual fez Januária,
e não é só,
deu na manchete d’O Cruzeiro
que falta um Tostão ao Rio de Janeiro
pra ter um bom time no Brasileiro,
não ao Rio antigo,
mas a esse de agora
que anda uma pilha de nervos
e mais por fora que umbigo de vedete,
e uma veio a nado,
nadou um bocado
e morreu na praia
vítima de uma tocaia
entre Flamengo e Botafogo,
e um cara
que botou tudo em jogo
pra cheirar cocaína
perdeu o que tinha no acervo
e se pendurou pelo quengo
numa das Laranjeiras da Colina,
inclusive,
com a matilha
no nosso calacanhar,
a gente vive
entre fé demais e fé de menos,
pedindo a Santo Antônio
liberação do casório
e a São Sebastião
pra dar um jeito nisso,
que a coisa tá danada,
tá de morte,
e a cidade
mais triste que velório,
e meu chalé anda um caco,
qual naco de queijo suiço,
tá com cheiro forte
e buracos mores,
bem maiores
do que o da camada de ozônio!

Dá cá

Nega,
dá cá um beijo,
um abraço,
um amasso no seu nego,
que tô cheio de chamego,
não vejo a hora
de me perder no meio
desse seu aconchego farto,
nega,
bota as crianças pra fora,
tranca a porta do quarto
e dá cá
um trato no seu nego
que eu tô que tô carente,
faz tanto
que tô ausente,
que até parece estréia,
tô suando nas mãos,
o coração tá palpitando
e dando na vista tanta emoção,
e tanto,
que a vizinhança toda viu
e até fiquei sem graça,
nem a velha panacéia me serviu,
meti a mão bolso
pra conter a massa,
pra disfarçar o sentimento
mas não deu certo,
foi um alvoroço,
levou susto
até a deficiente visual
que vende jornal na esquina,
ela berrava,
gritava que queria ver de perto,
foi um custo conter a menina,
só desistiu
quando uma terceira interesseira
atribuiu a ampliação
às lentes de aumento,
nega,
não posso continuar assim,
se você
não der logo um jeito,
não sei não...
com a edéia
virando idéia fixa,
posso não responder por mim
até se a preliminar for prolixa,
pois,
do jeito que tô,
tudo é flor,
seja cravo, seja azaléia!

Sou maluco sim, e daí?!

Sou maluco sim,
e daí?!,
repito passos e gestos,
volta e meia,
repito manifestos,
e páro, me agito,
grito, pego embalo e me calo,
faço meia volta e falo,
tiro a roupa,
meto prego
e martelo sem estopa,
e não vou de vento em popa
só porque ele sopra,
pois velo pela vela,
e sopro, assopro,
que alopro se o bolo pegar fogo
por causa dela,
e rolo, enrolo,
faço rogo e até um rolo
se assim se desatola um tolo
ou quem se amola,
porque alguém
não rola a bola
e enrola o jogo,
e disparo e desfaço a volta
em volta dela
pra defazer o laço
e páro meio,
e não passo pra niguém,
vou a Tróia sem cavalo,
faço rodeio
mas não apunhalo o touro,
faço jóia sem argento, sem ouro,
pão sem fermento e centeio,
e sou irmão do joio, do trigo,
de cróia, beata, nata e ralé,
e pra todos ligo,
pois intriga comigo não dá pé,
não liga,
e escalo o espaço, toco o bonde
e vivo na flauta sem escala,
que a ambição não me assalta,
e, se não reboco mala,
não me abala
não saber quem sou
nem pra onde vou,
pois, no fim,
eu vou, tu vais e ele vai,
e ai de quem não quiser ir,
sou maluco sim,
e daí?!,
reconheço que não sou santo
e que não sei a metade da missa,
mas,
padeço ao ver seu pranto,
não tiro doce da mão de criança,
não sou corvo em cima da carniça,
não trato ancião com incúria,
qual fosse estorvo,
e não faço aliança espúria
só pra ganhar uma eleição,
sou maluco sim,
e daí?!

Eu acredito

Acredito em Papai Noel na noite de Natal,
acredito no Saci Pererê do Sítio do Pica-Pau Amarelo,
acredito que o importante é ser belo por dentro,
acredito que é melhor suar dando duro no centro
do que tomando cerveja na beira do mar,
acredito que é pura maledicência falar mal da Previdência Social,
acredito em comercial que vai ao ar na tevê,
acredito na Branca de Neve e nos seus Sete Anões,
só não acredito que existam Anões do Orçamento,
acredito que jogo não é bom pra quem banca mas pra quem joga,
acredito na lisura de qualquer competição esportiva
e que competir é mais importante do que vencer,
acredito que droga não faz mal a ninguém,
incluída a cannabis sativa,
acredito em promoção do tipo pague um e leve dois,
acredito em arroz e feijão no prato do pobre,
acredito que o cobre que tomam da gente sempre tem um fim muito nobre
e que há vida inteligente também em Marte,
acredito em promessa de candidato com o olho grudado na eleição,
acredito na minha patroa e quase me parte o coração
quando ela diz que vive numa boa,
que não podia ser mais feliz,
e que o nosso garotinho nunca faz arte,
acredito,
ora essa,
que não é blefe quando fala o chefe
que vai me manter sempre no emprego
e ainda vai me dar um aumento,
acredito em chamego de meretriz,
acredito em arrependimento de ladrão, de estelionatário,
acredito nos comentários que fazem por aí à toa,
acho até que eles acreditam também em tudo que comentam,
acredito que Goa anda melhor que Paris,
acredito que a Gamboa é mais aprazível que o Leblon,
acredito que o trabalho é bom e enobrece,
acredito que o dinheiro não engrandece nem traz felicidade,
acredito que a mulher melhora muito com a idade,
acredito que o futebol de agora
é melhor do que o do tempo do Mané, do Zito, do Pelé,
acredito nesse tal de dito pelo não dito,
acredito no mentido e no desmentido,
acredito em sorriso de foto no porta-retratos,
no amor que tem pela escola
a porta-bandeira bem paga,
que o auxiliar não viu
que quem chutou a bola estava na banheira
e boto fé em aviso de porta-voz,
acredito no mito que a imprensa cria e afaga
e que varia com a estação e o jornal,
acredito em tudo que faz o policial no cinema,
acredito que a amante prefere um poema ao anel de brilhantes,
acredito que todos são iguais perante a lei,
de noite ou de dia,
em Ipanema ou em Vigário Geral,
e que eles sempre fazem o que podem por nós,
acredito que sei tudo que devia saber,
e, se depender de você,
acredito que tudo vai dar certo pra mim,
eu acredito,
sou assim!

Novo dia

Emerge,
levanta da escuridão da noite,
traz a luz, a claridade,
rompe esse pesado véu,
a negra venda
que nos fez cegos,
nos roubou paisagens,
nos encostou tímidos e titubeantes
às escuras paredes
do céu da madrugada,
surge,
desabrocha,
desvenda o horizonte,
descortina o tempo e as cores,
desvirgina essas flores ávidas,
engravida nossas retinas
com tua magia,
nos faz sentir a beleza do amanhecer,
novo dia.

Sou brasileiro do Rio de Janeiro

Sou um curupira,
engano a mira do assaltante
que mente a minha pista
e vou adiante no asfalto quente,
ele acha que andei pra trás
e me caça pelo retrovisor,
e me perde de vista,
e lá se vai o assalto,
sou um caipira
que não é do interior,
não falo “uai”,
mas falo “nós vai”,
não falo “ué”,
mas falo “nós é”
e outras coisas mais,
e tem mais um detalhe,
teso,
sou um encalhe feio,
mais um Zé bem chué,
e pai, filho,
irmão, primo,
arrimo de outro Zé,
sabe como é que é,
mas,
quando tô cum grana,
eu brilho e não vou preso,
sou dotô, bacana e coroné,
e ando cheio de mulhé,
sou Macunaíma,
sou quem conspira
e não prima pela retidão,
sou quem anima trapaça,
arruaça, pirraça e lambança,
mas, também,
sou quem dança,
transpira, se amassa
e vai na raça
e no embalo da multidão,
a meu jeito,
sou herói,
que o que me vai no peito,
onde me dói o calo,
só eu sei,
enfim,
sou assim,
obra da misturação nacional
e cobra criada,
nem muito bem, nem muito mal,
e o jeito é levar a trapalhada,
domingo,
pela manhã,
sacristão na catedral,
depois,
feijão com arroz,
e, no Maracanã,
quando a bola rola,
berro, brigo e xingo,
sexta-feira,
vou ao terreiro,
macumbeiro de primeira,
e sou mestre-sala no Carnaval
sem escola predileta,
se for necessário,
sou avarento,
não como
e tomo tento da dieta,
fico atento ao negócio
pra meu sócio
não me fazer de otário,
e eu sou até ateu
quando banco o intelectual
pois o assunto é a questão social,
mas,
como não quer
que eu me zangue,
minha mulher
não sai de junto de mim
e diz que sou rei,
e, quanto mais amiúde
que sou rei ela diz,
mais me engana e explora,
mais devora minha grana,
e eu sei,
mas,
mesmo assim,
me acho o tal e sou feliz,
sou Rio de Janeiro no sangue,
no tempero que ponho no grude
pra melhorar o sabor,
no molho que boto em tudo que faço,
na pinga que traço
depois de dar o do santo,
na loura gelada
que bebo pra combater o suor
e arrefecer o calor,
no meu canto
que ri, goza, lamenta e chora,
no passo que ginga tanto
e enche de espanto
quem vem lá de fora,
com meu jeito simples e rude,
esbanjo carinho,
seja qual for o caminho,
me arranjo e vou fundo
seguindo a lei do jeitinho,
e evitando o pior,
e não fecho o olho nem dormindo,
sou brasileiro do Rio de Janeiro
e sempre fiz o que pude,
e, se for melhor,
vou seguir fingindo
que o mundo inda me ilude!

Não quero passar em branco, em preto nem em mulato

Não quero passar em branco,
em preto nem em mulato,
estou farto de ser franco e aberto,
de ter que ter tato
e de ter
que ignorar
os outros quatro,
de ter que fazer o mais certo,
chegar bem perto
e não conseguir por um triz,
e o prêmio de consolação
é saber
que alguém foi mais esperto
e que sou um marco,
passei pela prova sem pecha,
marco é uma ova!,
perdi o saco de ser reta,
de ser flecha,
quero ser curvo e arco,
não quero ser claro
quando me sentir turvo,
nem arrimo, amparo,
quando estiver um caco,
débil, frágil, fraco,
estou cansado de tanta magia,
de tanto mágico de araque,
de omelete sem quebrar ovo,
de democracia de urna
que nos mete na furna
e só vamos falar de novo
quando houver outra eleição,
estou farto
de universitário sem ensino básico,
de deflação de diário oficial,
de saúde sem grude e sem remédio,
de ludopédio com craque
que joga um bolão no noticiário do jornal,
no gramado,
mata com o joelho e com o artelho
chuta a bola lá no alambrado,
estou cansado
de Carnaval sem povo,
de cara de fraque
que nos ilude
e guarda o coelho na cartola,
quero ser incoerente
e não ter que dar explicação
se me fizer ficar contente,
não quero ser feliz
se for dentro de um certo padrão,
não quero ter que ficar no centro
pra manter um direito ou não perder a razão,
nem ficar sujeito a emoção e prazer
seguindo normas e costumes,
não quero ser igual a você,
se você se conforma
e esconde o ciúme,
não quero esquecer a desilusão
nem calar meus queixumes,
quando me sentir imundo,
não quero cobrir meu odores
nem melhorar a aparência,
passando essência e perfume,
nem dissimular o bafo de cerveja
quando bêbado e no fundo do poço,
não quero dar um beijo
quando minha vontade
for dar um tapa,
quando o coração estiver vazio
ou se roendo de desgosto,
não quero essa capa de felicidade,
esse sorriso no rosto,
não quero fazer um elogio
quando estiver doido pra baixar o sarrafo,
não quero ter que usar garfo e faca
quando a mão estiver louca
pra se lambuzar com a coxa de galinha,
não quero sua ladainha, seu sermão,
sua palavra de conforto,
quando seu peito
estiver mais morto do que o meu,
enquanto não estiver entortando o seu,
quero ser liberto
pra caminhar o tanto,
o quanto eu quiser,
errado ou certo,
seja reto ou torto o meu andar,
ou pra ficar quieto no meu canto!

Esse mundo virou de ponta-cabeça

Um anjo de garras afiadas
cravadas na pele de um lobo
que se amarra num marmanjo
e que o agarra
com unhas e dentes
quando esbarra em um,
um lobo com asas brancas
que está quase indo à loucura,
tudo por causa de um anjo
cuja alcunha é Frente Fria,
alegoria pura,
pois laranja de baitas bancas,
um anjo que manja de grana
e que furta, afana e dá calote
quando não tem,
e não dá mole pra ninguém,
um lobo que usa roupa curta,
prefere saiote cheio de franja,
dá canja com sua gaita de fole
e não arranja nem um vintém,
um anjo que não é bobo,
que fere, marca e corta,
um lobo que faz arranjo, torta
e costura pra fora,
um anjo imundo e safado
que adora cheirinho-da-loló
e explora Chapeuzinho Vermelho
numa cobertura de Copacabana
e já cansou de entrara em cana,
e, por incrível que pareça,
um lobo lilás e delicado
que respeita conselho
e faz as receitas da vovó,
esse mundo virou de ponta-cabeça.

Cantar é preciso

O canto é caminho,
vamos,
caminha,
canto é caminhada do peito,
feito passarinho o peito voa
quando o entoa,
tanto faz,
se voa lágrima ou sorriso,
canto é caminho
e caminhar é preciso,
vamos,
caminha,
se embrenha pelos versos e harmonias
que deixam a alma viva e prenha,
seja de tristeza, seja de euforia,
pois assim,
e só assim,
ela se ativa e caminha,
que seu caminho é o canto,
o encanto de acordes e rimas,
que celebram ou lamentam,
mas falam,
exalam letras e notas,
e a alma que canta
nunca está morta,
por isso,
se o canto acaricia ou corta,
se fere ou afaga,
se canta alegrias ou mágoas,
lágrima ou sorriso,
pouco importa,
o canto é caminho,
é caminhar,
cantar é preciso!

Canta o cabra-cabriola

A rubra silhueta
do monstro de fogo
espalha pela caatinga
milhas e milhas de brasa,
abrasa os grão da ampulheta
e estremece homens e casas,
uma gota pinga,
lágrima,
e se afoga no chão seco,
por léguas distantes,
ouve-se o seu tropel
e o roçar das poeira
em suas ventas,
todos sentem seu olhar ressecado,
suas garras incandescentes
forjando o ar sufocante,
sua alma sedenta
e o fogaréu em seu rosto,
em contraste com o azul do céu,
a beata reza,
o vigário exorciza a igreja,
a mulher a cruz beija
e o cabra-macho abraça o chapéu,
o silêncio só é rompido
por gemidos, choros e gritos,
pelos soluços do peito aflito,
as vacas não mugem,
os galos não cantam,
os cães não latem,
as aves não solfejam,
só os cavalos relincham,
mas ninguém os ouve,
e o repentista não emenda o verso,
abre-se,
então,
uma estranha fenda
nas cadentes entranhas
desse escaldante universo
e emerge um dia calcinado
no Nordeste recém raiado,
e mirra outra criança,
estufa-se outro umbigo,
resseca mais outro poço,
envelhece outro moço,
enlouquece outro amigo,
derrete-se a esperança,
esturricada a viola,
canta o cabra-cabriola.