sexta-feira, abril 27, 2007

Sem tir-te nem guar-te

Ela veio
sem tir-te nem guar-te
e não sei nem de que parte,
se daqui,
Apuí, Rodeio, Ubatã,
ou de lá,
Amã ou Calcutá,
não sei
se foi serva de rei
ou Minerva de xamã,
sei que vi sua arte
e me apaixonei
assim que seus olhos
olharam pra mim,
assim que meus olhos
olharam nos dela,
e a cortejei,
e me exibi no samba,
e mostrei que n’angola
da favela era o bamba,
e lhe ofereci o que tinha,
a vida e o coração,
e pedi sua mão,
e com a dela na minha
na frente da nossa escola
bem no meio da Avenida,
a gente embala a multidão
com exibição de primeira,
eu, mestre-sala,
ela, porta-bandeira!

segunda-feira, abril 23, 2007

O forte cheiro da merda

Sei que já não sou moço,
meu amigo,
pra ser mais exato,
perdi o embalo
e me tornei antigo,
é isso aí...
o tato foi me ralando
e ficando ralo,
e já estava grosso
quando dei por mim,
a visão
de abalo em abalo
foi ficando chinfrim
e me deixando na mão,
agora,
pra não ficar de fora,
chego tão perto
que quase beijo o fato,
mas,
não vejo certo nem assim,
como já não ouço bem
nem quando berro,
me calo
e da audição já nem falo,
na hora da refeição,
arfo e como
via mastigação postiça
e tomo ferro
que até iguaria
tem gosto de carniça,
e fui bom garfo um dia,
quem diria!...
a cuca está cheia de hiato
e também meia lerda,
de sorte que o intelecto
virou arapuca,
isto posto,
encerro com o olfato
e a custo um cheiro detecto,
e justo
o forte cheiro da merda!

segunda-feira, abril 16, 2007

De barriga cheia

Quem nasce
em berço de ouro,
quando se queixa,
se queixa de barriga cheia
que não tem
que pedir arrego
e estender a mão
pra se vestir, comer
e conseguir emprego,
nem tem
que fazer crediário
pra existir à prestação,
mas,
quem nasce
em berço comunitário,
meu irmão,
com um montão
de outros pequenos,
se fadiga feito mouro
já no berçário
e está sujeito
a deixar o couro por lá
que é muito feia
a briga pelo peito,
depois,
sem numerário
pra dar lance
e arrematar algum bem
que o dia-a-dia
é um leilão,
tem bem menos
de um terço da chance
que o outro tem
e, via de regra,
não se integra ao páreo
e acaba fazendo feio,
pois,
sem esteio e alavanca,
não arranca,
se arranca,
manca pouco adiante
e estanca e finda
do meio inda distante,
se arranca e não manca
e não estanca
e não se manca
e banca o louco
e arranca o alheio,
quando não cai,
vai pra tranca
ao fim do flagrante,
contudo,
quando não dá tudo
tão errado assim,
em geral,
se arrebenta no trabalho
até se aposentar
e se aposenta no final,
e cheio de avaria,
e com aposentadoria chinfrim,
e nem estrila o coitado,
e vai quebrando um galho
até se quebrar
numa fila de hospital
de mal não diagnosticado!,
mas,
por fim,
tem casa
e casa nova,
a cova rasa!

terça-feira, abril 10, 2007

Domingo de sol

Alguém vaiava, alguém aplaudia,
e o da gandaia fez o mesmo,
aplaudiu a esmo e vaiou à toa,
e foi à praia como faz todo dia,
e, aos domingos,
ainda faz galhofa
com a gente da farofa,
o da miopia crente que via
não viu
que carecia de lente boa
e misturou alhos com bugalhos
ao botar nos is os pingos,
e aplaudiu e vaiou
quem vaiava e quem aplaudia,
o da utopia se julga o tal
e já não é tão novo,
tão moço assim
pra acreditar em ilusão,
o que me faz ficar
com a pulga atrás da orelha,
e ele não vaiou nem aplaudiu,
deu em sua telha fazer passeata
pra mostrar ao pessoal
a visão mais sensata
do xis da questão,
e o grosso do povo,
que navega
nos escombros e assombros
de um dia-a-dia chinfrim
e nos ombros tudo carrega,
engoliu sapo de montão
e pediu bis,
mas,
lá na cobertura de luxo,
brindou o bruxo
com seu sócio esperto
a ventura da negociata,
já está no papo
o negócio pra dar caminho
a garoto da periferia
via promoção de regata
de barquinho de papel
em esgoto a céu aberto,
ô!... garção,
por favor,
outra cana
que não tenho grana
pra tratar a depressão
com nenhuma outra terapia!

quinta-feira, abril 05, 2007

Choveu chuva

Choveu chuva
de molhar pra valer,
chuva de pingo grosso
qual caroço de abacate,
pingo que bate, arde
e faz ferida,
foi chuva
de fazer transbordar
poço seco e fundo,
um colosso de chuva
de deixar o mundo
num beco sem saída,
chuva
que fez ficar a quinta
com toda a pinta de domingo
e bem depois da seis da tarde,
chuva que fez entrar
pela clarabóia escuridão,
e foi cheia
de fazer baleia
sentir falta de bóia,
de levar à paranóia tubarão,
e foi trovão
que fez o chão balançar,
e teve gente tendo treco,
gente no boteco
se afogando em pinga
pra ficar alta
e na enchente
não se afogar,
teve gente à beça
que fez promessa,
mandinga e oração,
e a chuva
não parava não,
parecia que nunca mais
ia amanhecer outra manhã,
mas,
pedi à minha mãe Iansã
e a chuva
virou chuvinha,
uma chuvinha de verão!