quinta-feira, setembro 28, 2006

Trilogia marginal

“Com o ferro na mão,
Duda Cobra-Mal-Criada
não dava chance ao povo
e ganhava no berro”,
obra inicial publicada,
mas já saiu do prelo
o novo romance:
“Quando chegar a sua vez,
dance conforme a canção
no xadrez da Distrital
e de chinelo e bermuda”,
mas,
para que se forme
a trilogia marginal
que o dia a dia do autor
anunciava a todo o vapor,
vem aí a obra final,
“Depois de batido o martelo,
de macacão listado,
aqui da prisão
contemplo a vida
que lá fora é vivida",
a ser editado
após transitar em julgado
o que já foi decidido,
a condenação,
e o estrondoso sucesso literário
só vai perder pro ar explosivo
que o escritor cativo
respira e transpira
pra tirar o seu da reta,
sua meta principal
no recesso carcerário,
que é preciso ser jeitoso
num cubículo ridículo
e com senões à beça:
é quente pra cachorro,
têm surra e curra,
e não peça socorro
que não se ouve quem urra
pois tem gente suficiente
pra abafar qualquer esporro,
Ali Babá
e bem mais de 40 ladrões,
e só há um boi,
quem foi, foi,
e pra visão ser completa,
disenteria, seborréia,
pé-de-atleta,
piorréia, urticária,
infecção urinária,
só mazela abunda na cela,
pra se ter
uma idéia profunda,
uma lista só não chega,
e tudo sem o calor da nega!,
agora,
passada a hora
e passando a vida em revista,
o autor se diz malsucedido,
mas,
o exemplo será seguido
por aquele malandro
que não percebe
que o mundo
o faz de otário
e seguirá sendo perquirido
pelo analista social
que no meandro do assunto
mergulha de cabeça
com seu cabedal
panfletário e mixe,
e só faz borbulha,
e o especialista
acha que vai fundo,
por incrível que pareça,
não atravessaria
nem a fina fatia de presunto
daquele sanduíche
do proprietário sovina
daquela padaria lá da esquina.

sábado, setembro 23, 2006

Sou amor pleno

Sou amor pleno,
pleno amor
do começo ao fim,
e só sei ser assim,
e é tanto amar
que esqueço de mim
e de todo me entrego,
de todo me apego,
e é tanto apego
que chego a renegar
outro aconchego qualquer,
me nego a aceitar
outro abraço,
sequer consigo pensar
em um outro beijo,
vivo um desejo exclusivo
e tão incessante
que não passo
nem um instante
sem querer o meu amor,
é um feitiço
que não arrefece,
apesar disso,
parece pra mim
que não amo o bastante,
sou amor pleno,
pleno amor
do começo ao fim,
e nem sei dizer
se mereço amar assim!

Em vez de uma fada

Alda se esbalda na safadeza,
e a safadeza é tanta
que não fica surpresa
nem se acabrunha
quando dou flagrante,
e flagrante com testemunha,
quem diria
que a menina pudica
ia virar uma baita messalina,
quem supunha
que o jeitinho de santa
era cunha pr’abrir caminho
no coração de algum panaca
e botar a mão na sua gaita,
e botou direitinho,
e eu fui o babaca,
entrei de gaiato
e ainda paguei
vestido, véu e grinalda,
e estou pagando o pato
dia após dia,
e era tido como malandro,
e era tão malandro
que levei rasteira
já na lua-de-mel,
um domingo de Carnaval,
me falou
que ia ao bingo com a titia
e se mandou pra rua,
e a safada
voltou na quarta-feira,
e farta de farra
e no maior fogo,
e o fogo era de pinga,
e veio
só com uma sobra de fio-dental
no meio da popa
e com ginga de cobra criada,
e o pior,
me fez crer na marra
que no jogo
tinha perdido a roupa,
agora,
enquanto
levanto de madrugada,
e de hora em hora,
pra dar de mamar
e trocar fralda do Juquinha
que é muito parecido
com o marido da vizinha,
Alda roda de mão em mão,
é...
em vez de uma fada,
levei uma foda!

quinta-feira, setembro 21, 2006

Não a cutuque

Não se machuque,
cara,
não a cutuque
com vara curta,
nem com longa,
você nem imagina
a sanha que derrama
quando surta,
vai a dama e vem a fera,
seja menina,
seja mulher,
e não é uma fera qualquer,
fera é à beça,
e dessa a gente não ganha
que ela é astuta,
tem araponga
em tudo que é canto
e manha e truque
pra qualquer disputa,
e luta com qualquer arma,
até com o pranto,
e não se alarma
com muque e força bruta,
torça
pra não arranjar rolo
com essa fera ávida
que fica linda
quando enfrenta a gravidez
e a barriga ainda ostenta,
se não está grávida,
todo mês sangra
e em nenhum sangra de vez!,
essa fera
é fera para o que der e vier,
não seja tolo
de com ela querer briga,
seja ela
amiga, parenta ou mulher!

Olhe pra onde olhar

Não é mole
tocar o bonde,
olhe pra onde olhar,
é só lambança,
olhar sem sentido
de criança triste,
bandido de tocaia
e dedo em riste,
e tome medo, e tome bala,
a fome esfomeada
da arraia-miúda
que rala, e rala,
e nada,
e nada e morre na praia,
e ninguém ajuda,
ninguém socorre,
e o professor tarda,
e retarda o guarda,
e o doutor, e a justiça,
e os três são
de encher lingüiça,
Fulano, Beltrano e Sicrano,
e o pão é pra inglês ver,
“caiu!,
primeiro de maio!”,
aliás,
“primeiro de abril!”,
e sempre caio!,
e da missa
não sei nem a metade,
e nem sei
se tenho vontade de saber!

Por favor, moça

Por favor,
moça,
não brinque de me encantar,
de me enfeitiçar
com o seu moço encanto,
não brinque assim
pra não soltar
as amarras do amor
que amarrei em algum canto,
moça,
não finque
suas garras em mim
pra satisfazer um capricho,
um querer avulso,
impulso banal,
me ouça,
moça,
enquanto ainda é cedo,
não me trate feito bicho,
e se não for por respeito,
que seja por medo,
que pode acabar mal
se fazer amar
pra brincar de amor,
pode provocar
um dissabor atroz,
capaz de fazer do melhor ser
o pior animal,
o animal mais feroz!,
moça,
me deixe em paz
aqui no meu canto
que já vi pranto demais!

terça-feira, setembro 19, 2006

Vá se preparando pra dar o pira

Todo santo dia,
pro santo do dia
você apela,
alicia o meu bom senso
de tudo que é forma,
revela supresa e espanto
com a fisionomia tesa
e faz que não se conforma,
e não pára por aí,
quase vai ao pranto
tentando mudar de assunto
quando pergunto
quem escreveu “te amo”
no seu lenço com batom,
e, pra concluir,
com uma cara-de-pau
que igual nunca vi,
amplia o tom do reclamo
e diz que está disposto a tudo
pra descobrir
quem foi o infeliz
que fez essa piada de mau gosto,
contudo,
já estamos nessa inana
há bem mais de uma semana,
e nada,
nenhuma pista,
ninguém da lista
assumiu a autoria,
portanto,
ou analisamos a caligrafia
de toda e qualquer
pessoa suspeita,
ou, então,
pra não fazer
desfeita a tanta gente amiga,
pra evitar briga
com quem nos quer tão bem,
analisamos somente
a da Letícia,
a boa e bela secretária
que se encaixa
naquela faixa etária
que você tanto admira,
mas,
enquanto não vem
o laudo da perícia,
pra que eu
não entorne o caldo,
te escorne
e te faça ser notícia,
vá se preparando
pra dar o pira,
vá arrumando a mala,
cochilando na sala,
tomando refeição em pensão
e depositando a pensão alimentícia!

segunda-feira, setembro 18, 2006

Tá bom ou quer mais?!

Fui indo, fui indo, fui indo,
e por pouco,
por muito pouco
não acabei fondo,
que fiquei cantando Il Mondo
à beira da sarjeta
e só fui ouvido
por um ouvido mouco
que nem me deu gorjeta,
inda bem
que Julieta é maneira
e um ás quando faz
o que faz todo mundo,
entretanto,
enquanto todo mundo
se acanha de dizer,
Julieta reclama
quando não difundo
o que ela inventa,
como se assanha
e vai fundo na cama,
e quanto mais faz,
mais Julieta quer fazer,
aí,
se vestiu de ninfeta,
e não esqueceu nem a soquete,
e se meteu na pista,
fez psiu
pra um turista provecto
que pelo aspecto
já deixara os setenta e sete
bem lá pra trás
e,
além de descolar
algum de pronto,
deixou tão tonto o ancião
que logo após
nos fez proposta de casamento
que no mesmo momento
foi aceita por nós dois,
agora,
Julieta virou gringa
e gosta que a chame
de Madame Julliette
e adora falar que sou eu
seu valet du chambre,
e degustamos
fiambre, caviar e champanha
que nos cansamos
de pinga, torresmo, feijão e arroz,
e nos acompanha o ancião,
em resumo,
somos um trio
que faz muito sucesso,
o ancião tem muita grana
e muita grana a gente gasta,
por mais que tente,
é evidente
que o ancião já não basta,
então,
eu assumo a função
porque é preciso,
não fosse
o excesso de frio
de janeiro a janeiro,
seria o paraíso!,
mas,
quando fica frio demais,
a gente se manda da Europa
e vem pro Rio,
e a gente só fica no Copa!,
tá bom ou quer mais?!

quinta-feira, setembro 14, 2006

Olha a Central do Brasil aí, minha gente!

Que lindo!,
que se louve a moçada,
vem apertada no trem
e ainda canta e faz batucada,
e o patrão tá dormindo
que ainda é madrugada,
e o canto do galo
só ouve o operário
que só tem dinheiro
um dia por mês
e só na hora do salário,
e já na estação
se afigura o embalo,
enquanto desbota
a tez da Bianca
que lava e passa pra fora,
pilota o fogão e atura a prole
o dia, o mês, o ano inteiro,
seu companheiro,
Juca da Farmácia,
refresca a cuca,
bole e batuca nas ancas
da Anastácia do Aviário,
patroa do Mário Tintureiro,
não é à toa que o Juca
tanto vai às rinhas
e carrega tantas camisinhas,
e ainda esnoba:
trata-se do quantum satis;
e tudo é amostra grátis,
não é à toa
que tanto voa a Anastácia
quando sai do galinheiro,
mas Bianca e Tintureiro,
como sói acontecer,
não serão os primeiros a saber
dessa roupa suja,
cuja sujeira
o trem inteiro todo dia vê,
isso dói,
magoa,
mas sara,
coisas da vida,
e a vida não pára
e vai adiante,
e vem a partida,
e não há zona,
ninguém sai da linha,
nem desafina,
Dona Ondina,
da copa e da cozinha,
da lingüiça e do torresmo,
o desafio topa,
atiça a chama e doura o samba
do Lisboa da Tesoura,
que a voz da dama
é mesmo muito boa,
e o autor,
qual o mestre Alfaiate,
é um bamba inconteste,
Adelina do Tomate,
e na feira não há igual,
capricha no assobio,
no remate do estribilho,
que mete ficha
desde menina
pelas ruas do Rio,
Zito Pedreira não recua,
deita e rola no apito,
estica e acende o rastilho,
e faz explodir o pessoal,
e Cacau da Meia-Sola,
que de couro manja,
dá uma canja com a cuíca
e põe mais lenha na fogueira,
Maria da Penha,
caixeira do Ceasa
repica a marmita,
que, por pura ironia,
saindo vazia de casa,
parece feita sob medida,
e Dida,
que vive da dita
e a turma respeita,
que só vende bilhete
quem aprende o macete,
em falsete, solta o grito:
"Tá na hora, meu trem,
vem que vem bonito!";
e Doras, Délias, Célias
se enchem de arrepios
e de emoção,
nem as mais velhas
contêm a euforia,
e se contagia outro vagão,
e vai assim,
e mais um acorda
com os acordes do bandolim,
que nem de farda
o guarda dele se desgruda,
e Duda, ás do volante
na Barão de Drummond-Leblon,
engrena uns passos,
Lena Ambulante chega junto,
que é craque nesse assunto,
e mestre-sala e porta-bandeira
não precisam de espaço,
o tabaque do Didi do Boteco
instiga o Neco da Pipoca,
que, após a troca,
é Mimi da Mem de Sá,
e sempre dá o que falar,
mas,
merece ser destaque,
que sabe dizer no pé,
e há até quem diga
que cresce a sua claque,
Dedé Doceira mexe e remexe,
e assanha as cadeiras,
cutuca, futuca,
e encurrala o Miro do Talho,
sujeito afeito
a rabada, alcatra e maminha,
mas o Miro sai pela culatra,
e Dorinha,
rainha do chocalho e da cocada preta,
se embala e ganha a parada,
que a outra desce na outra estação,
Tião das Camisetas costura a evolução,
que não lhe falta talento
pra essa empreitada,
Bento Desenhista,
artista cem por cento,
com inspiração e magia
configura a harmonia,
e, na comissão de frente,
Ismail Maquinista,
que na folga é garçom,
manda, comanda e empolga:
"olha a Central do Brasil aí,
minha gente!"

Só por isso?!

Mulher,
você diz
pra quem quiser ouvir
que eu te faço infeliz,
que não vai desistir
enquanto não me fizer
virar um frangalho
e segue me dando esbregue,
descendo o malho em mim,
e se vale até de ato falho
pra dizer aos quatro ventos
que não tenho talento,
que tenho defeito e falha,
você espalha
que não tenho jeito
nem pra fazer amor
e que quando faço
é um amor chinfrim
que não chega nem ao fim,
por que você age assim,
mulher?!,
o que é que você quer?!,
até diante dos rebentos
você me esculacha,
me tacha
de zero à esquerda,
de perda ambulante
e de canalha,
e garante que sou fruto
de um bruto fracasso genético,
por isso não passo
de um mero tratante
e de um patético salafrário,
por que você reage assim,
mulher?!,
eu não trabalho,
mas seu salário eu recebo
e jogo
porque é necessário
tentar a sorte!,
eu bebo
mas mantenho o porte
e você sabe
que eu não me drogo!,
por que você reage assim,
mulher?!
eu me espalho na boemia
e não passo um só dia
sem ter amante,
mas não te xingo
e, quando posso,
no domingo almoço em casa!,
e só por isso
você me arrasa?!,
só por isso?!

quarta-feira, setembro 13, 2006

Onde há fumaça, há fogo

Onde há fumaça,
há fogo,
e há no jogo
da fêmea e do macho,
e quanto mais
a fêmea é moça,
e quanto mais
o macho é moço,
mais o fogo é intenso
e menos propenso
a trégua e pausa,
e causa mais fumaça,
e a gente vê e sente
a bem mais de légua,
e não há nada que impeça
a propagação desse fogo
nem régua que esse fogo meça,
aí,
por mais
que se faça de louça a fêmea
e fique até sem graça,
por mais
que ainda seja o moço
um esboço de macho,
eles teimam, reteimam
e se queimam nesse fogo,
e não há queimação igual,
afinal,
é a raça que está em jogo!

Empurro com a barriga

Não me iludo,
posso ser tudo,
mas,
burro não sou não,
por isso,
me toco com cobranças,
especialmente de cobrador,
esse ser
que no coração
tem cifrão em vez de amor,
aí,
invoco ditame moral,
falo em quebrar lanças
pra livrar do vexame
a reputação ilibada,
convoco a Osória,
que a patroa é danada
e prega peça
com a maior cara-de-pau,
quer dizer,
faço o que posso
e o que sei fazer,
e ainda faço figa e promessa
pra dar tudo certo,
em geral,
saio do aperto numa boa
e empurro com a barriga
compromisso e promissória,
mas,
quando o bicho pega
e não há conserto,
primeiramente
a gente entrega
o que não é nosso
e vê se dar
pra escapar do bochicho;
no boteco,
capricho no repeteco,
juro que estou duro
e faço tanto apelo
que dá pêlo o português
e mais uma vez
penduro a despesa,
no fim do mês,
com muita esperteza,
adio sine die o pagamento
sem perder o crédito,
mas,
é bom que se diga,
meu argumento
é inédito toda vez;
quando é necessário,
faço uma cena
e passo por otário
se assim desperto pena
e evito pra mim
rolo, bolo, e confusão,
e tem tolo à beça
que ainda entra nessa,
entranto,
quando sinto que o tiro
pode sair pela culatra,
eu me viro
e dou a volta por cima,
com a vista encharcada,
deploro, imploro,
conto história tão triste
com voz tão ambargada
que comovo até psiquiatra,
todavia,
se alguém se arrelia,
põe entrave
e o clima fica ruim,
com o cenho fechado
e grave expressão,
ameaço adotar
a medida extrema,
dar cabo da vida,
só não digo da vida de quem,
até pareço
artista de cinema,
e me gabo do desempenho
que não tem
quem não acredite!,
seja do povo, seja da elite,
enfim,
empurro com a barriga
essa vida inglória
e, nessa lufa-lufa,
de quando em quando,
estufa a barriga da Osória!

terça-feira, setembro 12, 2006

Devagar, moça

Devagar com o andor,
moça,
que é de louça o santo,
devagar com o amor,
moça,
pra não se acabar
numa poça de pranto,
que o amor encanta
em qualquer idade
e é normal o encanto,
quando se encantar,
moça,
com o amor
se aqueça e inflame,
ame à saciedade,
e ame mais e mais,
ame o quanto puder,
enquanto tiver vontade
e de amar você for capaz,
afinal,
o amor é o mais importante,
mas,
não se esqueça
nem por um instante
de sentir por você amor igual!,
se esquecer,
vai sofrer e ficar só,
e vai descobrir o pior,
que não foi
amor de verdade,
devagar com o andor,
moça,
que é de louça o santo,
devagar com o amor,
moça,
pra não se acabar
numa poça de pranto!

segunda-feira, setembro 11, 2006

Viver!

O que posso fazer
se não sou capaz
de viver a vida
sem amor e liberdade
e se da felicidade
o amor me faz cativo?!,
o que posso fazer
se não consigo deixar
de amar a liberdade?!,
se não consigo
do amor me libertar?!,
o que posso fazer
se sem liberdade e amor
minha vida não tem valor?!,
o que posso fazer
se vivo pela metade
pois vivo uma utopia:
não sei viver sem amor
e não vivo sem alforria,
o que posso fazer?!,
viver!

sábado, setembro 09, 2006

Acordei de madrugada

Acordei de madrugada
morto de fome
e ainda torto
que meu porre não some,
não tem solução de continuidade,
e não tem
porque aprendi bem a lição
que me foi vindo com a idade:
“é melhor o opróbrio
do que agüentar sóbrio
tanto tranco, cacete e corre-corre”,
e fiz até questão
de atualizar meu dicionário
deixando em branco o lugar
do indigitado verbete,
bem,
acordei de madrugada
e não havia tocado o despertador
nem o telefone felizmente,
e comecei a lembrar de um cenário,
crente que era
um incômodo interior
de um cômodo de hotel
numa película do Antonioni,
talvez do Felini,
quiçá do Godard, do Glauber ou do Buñuel,
película que eu acho que vi
com a Celine ou com a Moema
que havia brigado com o namorado
que era o Joel, ou o Tuca ou o Valber,
e que vi num cine
em Ipanema ou na Tijuca,
cinema que creio que virou igreja,
edifício ou supermercado,
e lembrar o nome foi tão difícil
que acabei me esquecendo de lembrar,
mas,
como estava gelada a cerveja
e o uísque me abordou,
e por nada recuso seu convite,
tirei com o dente,
apesar da dificuldade,
um tasco de cutícula
e acabei perdendo o apetite,
aí,
cantarolei “Risque”
e veio à minha mente
um verso truncado
numa voz impotente,
quase muda,
e não sei dizer se o verso
era do Camões, ou do Lorca,
ou do Bandeira, ou do Neruda,
e, após imprecações, asneiras
e palavrões de praxe
que até algum relaxe me dão,
pensei cá com meus botões:
“quando a gente esquece até
que já está ficando esquecido,
aí é que a porca torce o rabo”,
e nem havia
levado a cabo esse pensamento
e noutro já estava metido,
já pensava no fiasco
que fez o Mengão
ao não conseguir fazer
nem um só tento no Vasco,
e, não sei se em razão
da insônia ou da birita,
pulei de repente pro churrasco
do aniversário de casamento
do Osmário e da Estelita,
e, sem cerimônia,
saltei pra Atenas
que sempre quis visitar,
quis apenas
que nada fiz pra ir até lá,
aliás,
e não vou esconder não,
desde bem cedo
tenho medo de avião
e navio não me apraz
que guardei a marca
de quando mareei
navegando do Rio a Niterói
numa barca da Cantareira
que partiu de um cais
que já não era chamado
de Caes Pharoux,
e, como sói acontecer,
botei pra fora tutu, torresmo
e couve à mineira,
e houve mesmo o maior rebu,
bem,
já vou indo,
vou tentar dormir agora
que estou me sentindo
como se tivesse levado uma sova,
mas,
só vou dormir
se minha senhora permitir
e se aquele conhecido pernilongo
não decidir
zumbir no meu ouvido
somente pra me sacanear,
e vou dormir
meu sono leve e breve,
que sono longo e profundo
é coisa pra gente nova
qu’inda sente vontade de sonhar,
ainda bem
que já estou aposentado
porque o mundo
já deve estar acordado
cá por essas bandas
e lá pelas dos pandas
já deve ser hora do jantar!

quinta-feira, setembro 07, 2006

Meu amigo

Apesar da canseira,
meu amigo,
vamos lá,
aproveite,
se deite e enrosque comigo
que está vago o lugar,
e você
não tem mais ninguém,
e não há ninguém mais
que queira
em mim se enroscar,
quem sabe,
assim,
com nossos pecados
lado a lado,
um dos seus
me faça um afago,
em um dos meus
você se esfregue
e ainda consiga pecar?!,
vamos lá,
meu amigo,
não negue a mão amiga
a quem contigo quer se amigar,
se for preciso,
ficaremos calados
pra não dizermos dos defeitos,
dos amores desfeitos,
dos sabores
que já não sabemos saborear,
e não vamos tentar
amar de improviso
pra não provarmos
que já não somos capazes,
nem vamos dar ensejo
a briga e protesto
porque fazer as pazes
já não nos daria
tesão nem prazer,
talvez,
por ironia,
troquemos um beijo
quando estivermos sós
e falemos
dos desejos suspeitos
que ainda pudermos lembrar,
vamos lá,
meu amigo,
vamos correr
esse resto de perigo,
festejar o resto de festa
com o que ainda presta em nós,
o calor que ainda nos resta
e que talvez já não dê sequer
pra fazer um gesto de amor,
amor de homem e mulher!

segunda-feira, setembro 04, 2006

Venda seu peixe

Faça o que quiser,
mas,
não se desaponte,
não se queixe
nem se deixe
levar pelo cinismo,
sequer
se entupa de mágoa
por causa da água
que passa sob a ponte
e de roldão
nos leva na garupa,
é assim
dês que a Eva
deu a maçã ao Adão,
(será que maçã é eufemismo?!)
e vai ser assim até o fim,
e de nada adianta
tanta cara feia
que a água
não pára não,
e quem se aperreia,
quando não apeia
inda moço,
finda mais adiante
como todo mundo,
mas,
com uma agravante,
finda no fundo do poço,
e note,
seja ou não você chique,
esteja ou não no bem-bom,
não deixe de lado
a linha e o bom-tom,
e se dedique ao nado,
nada de esperar o bote
que o que dão por aqui
faz você ir a pique!,
portanto,
vê se nada,
e mais nada,
que esse nadinha de nada
é tudo que dá pra fazer,
vamos lá,
não se apoquente...
e um outro alô,
tente vender seu peixe,
seja baleia, cação ou sardinha,
mesmo sendo chucro
e não sendo
camelô de mão-cheia,
é a renda
da venda desse peixe
que pode dar algum lucro!

sábado, setembro 02, 2006

No saculejo da boléia

No saculejo da boléia,
cada lombada,
cada curva da estrada
abastece a magia
e a analogia
com o molejo da Marinéia acelera,
aí,
dispara a minha idéia,
e a perna treme,
o peito geme
e a vista se turva,
na casa da patroa bacana,
é plebéia de avental,
no fim de semana,
é a tal,
rainha do Piscinão de Ramos
fazendo jus à coroa,
e todos vamos
só pra ver como ela é boa,
e ela arrasa num minibiquini
que parece foto 3x4
em porta-retratos
tamanho família,
e brilha de sol a sol,
e não há pausa nem pra meditação,
é batata,
cada aceno de um pêlo dourado
na pele mulata
causa o maior atropelo,
cotovelo pra lá e pra cá,
empurra-empurra,
surra, discussão e até divórcio,
fora a fila pra entrar na fila
de quem quer entrar no rateio
da sardinha e da cerveja
que ela consome,
e tome adesão ao consórcio
pra ter uma chance mensal
de tirar a rainha no sorteio,
e ainda não dei sorte,
mas não faz mal,
qualquer dia
vai surgir
um aporte de capital,
aí,
vou dar uma lance
que nenhum rival vai cobrir
e Marinéia
vai ser rainha da minha boléia!

O pau comeu no Pagode do Manobra

Folia de Inhaúma
tomou uma bebedeira
e bateu a carteira
de clientes e fãs
da Ternura da Intendente Magalhães
oferecendo três pelo preço de uma,
e o pau comeu,
o endereço do pau
foi o Pagode do Manobra,
que também explora esse serviço,
mas cobra por fora,
e sempre que há bode por lá,
é ouriço pra niguém botar defeito,
quando não morre alguém,
no barato,
ocorre fratura exposta
ou hemorragia interna,
pra quem gosta,
é um prato feito,
têm até gente que aposta
e sujeito com cadeira cativa
no Lanterna Expansiva
pra acompanhar a confusão,
que o bar fica bem ao lado,
e o apelido do pé-sujo
foi dado
devido a mania
que tem o dono,
o dito-cujo leva sempre uma
no bolso frontal do avental
bem abaixo da cintura,
e de seis pilhas grossas,
o que leva sua consorte,
Emília Fossas Fortes,
apesar do nome e do porte,
a ficar no maior alvoroço,
a ponto de perder o sono
o norte e o rebolado,
e a andar meio de lado
com o semblante iluminado,
mas,
voltando à vaca-fria,
do dia do confronto
da Folia com a Ternura
em diante,
em razão de chutes e dentadas,
rolaram pelo chão os apendículos,
o que ensejou um novo quitute,
obra da inspiração do Manobra,
“testículos de cabidela”,
que tem tido muita procura;
e eles viraram elas
da noite pro dia
e sem precisar de cirurgia,
pois bastou simples sutura,
e com o sucesso delas,
esse tipo de bode
tem crescido mais que a economia
e o Pagode passou a cobrar o ingresso!