quinta-feira, setembro 14, 2006

Olha a Central do Brasil aí, minha gente!

Que lindo!,
que se louve a moçada,
vem apertada no trem
e ainda canta e faz batucada,
e o patrão tá dormindo
que ainda é madrugada,
e o canto do galo
só ouve o operário
que só tem dinheiro
um dia por mês
e só na hora do salário,
e já na estação
se afigura o embalo,
enquanto desbota
a tez da Bianca
que lava e passa pra fora,
pilota o fogão e atura a prole
o dia, o mês, o ano inteiro,
seu companheiro,
Juca da Farmácia,
refresca a cuca,
bole e batuca nas ancas
da Anastácia do Aviário,
patroa do Mário Tintureiro,
não é à toa que o Juca
tanto vai às rinhas
e carrega tantas camisinhas,
e ainda esnoba:
trata-se do quantum satis;
e tudo é amostra grátis,
não é à toa
que tanto voa a Anastácia
quando sai do galinheiro,
mas Bianca e Tintureiro,
como sói acontecer,
não serão os primeiros a saber
dessa roupa suja,
cuja sujeira
o trem inteiro todo dia vê,
isso dói,
magoa,
mas sara,
coisas da vida,
e a vida não pára
e vai adiante,
e vem a partida,
e não há zona,
ninguém sai da linha,
nem desafina,
Dona Ondina,
da copa e da cozinha,
da lingüiça e do torresmo,
o desafio topa,
atiça a chama e doura o samba
do Lisboa da Tesoura,
que a voz da dama
é mesmo muito boa,
e o autor,
qual o mestre Alfaiate,
é um bamba inconteste,
Adelina do Tomate,
e na feira não há igual,
capricha no assobio,
no remate do estribilho,
que mete ficha
desde menina
pelas ruas do Rio,
Zito Pedreira não recua,
deita e rola no apito,
estica e acende o rastilho,
e faz explodir o pessoal,
e Cacau da Meia-Sola,
que de couro manja,
dá uma canja com a cuíca
e põe mais lenha na fogueira,
Maria da Penha,
caixeira do Ceasa
repica a marmita,
que, por pura ironia,
saindo vazia de casa,
parece feita sob medida,
e Dida,
que vive da dita
e a turma respeita,
que só vende bilhete
quem aprende o macete,
em falsete, solta o grito:
"Tá na hora, meu trem,
vem que vem bonito!";
e Doras, Délias, Célias
se enchem de arrepios
e de emoção,
nem as mais velhas
contêm a euforia,
e se contagia outro vagão,
e vai assim,
e mais um acorda
com os acordes do bandolim,
que nem de farda
o guarda dele se desgruda,
e Duda, ás do volante
na Barão de Drummond-Leblon,
engrena uns passos,
Lena Ambulante chega junto,
que é craque nesse assunto,
e mestre-sala e porta-bandeira
não precisam de espaço,
o tabaque do Didi do Boteco
instiga o Neco da Pipoca,
que, após a troca,
é Mimi da Mem de Sá,
e sempre dá o que falar,
mas,
merece ser destaque,
que sabe dizer no pé,
e há até quem diga
que cresce a sua claque,
Dedé Doceira mexe e remexe,
e assanha as cadeiras,
cutuca, futuca,
e encurrala o Miro do Talho,
sujeito afeito
a rabada, alcatra e maminha,
mas o Miro sai pela culatra,
e Dorinha,
rainha do chocalho e da cocada preta,
se embala e ganha a parada,
que a outra desce na outra estação,
Tião das Camisetas costura a evolução,
que não lhe falta talento
pra essa empreitada,
Bento Desenhista,
artista cem por cento,
com inspiração e magia
configura a harmonia,
e, na comissão de frente,
Ismail Maquinista,
que na folga é garçom,
manda, comanda e empolga:
"olha a Central do Brasil aí,
minha gente!"