sábado, setembro 09, 2006

Acordei de madrugada

Acordei de madrugada
morto de fome
e ainda torto
que meu porre não some,
não tem solução de continuidade,
e não tem
porque aprendi bem a lição
que me foi vindo com a idade:
“é melhor o opróbrio
do que agüentar sóbrio
tanto tranco, cacete e corre-corre”,
e fiz até questão
de atualizar meu dicionário
deixando em branco o lugar
do indigitado verbete,
bem,
acordei de madrugada
e não havia tocado o despertador
nem o telefone felizmente,
e comecei a lembrar de um cenário,
crente que era
um incômodo interior
de um cômodo de hotel
numa película do Antonioni,
talvez do Felini,
quiçá do Godard, do Glauber ou do Buñuel,
película que eu acho que vi
com a Celine ou com a Moema
que havia brigado com o namorado
que era o Joel, ou o Tuca ou o Valber,
e que vi num cine
em Ipanema ou na Tijuca,
cinema que creio que virou igreja,
edifício ou supermercado,
e lembrar o nome foi tão difícil
que acabei me esquecendo de lembrar,
mas,
como estava gelada a cerveja
e o uísque me abordou,
e por nada recuso seu convite,
tirei com o dente,
apesar da dificuldade,
um tasco de cutícula
e acabei perdendo o apetite,
aí,
cantarolei “Risque”
e veio à minha mente
um verso truncado
numa voz impotente,
quase muda,
e não sei dizer se o verso
era do Camões, ou do Lorca,
ou do Bandeira, ou do Neruda,
e, após imprecações, asneiras
e palavrões de praxe
que até algum relaxe me dão,
pensei cá com meus botões:
“quando a gente esquece até
que já está ficando esquecido,
aí é que a porca torce o rabo”,
e nem havia
levado a cabo esse pensamento
e noutro já estava metido,
já pensava no fiasco
que fez o Mengão
ao não conseguir fazer
nem um só tento no Vasco,
e, não sei se em razão
da insônia ou da birita,
pulei de repente pro churrasco
do aniversário de casamento
do Osmário e da Estelita,
e, sem cerimônia,
saltei pra Atenas
que sempre quis visitar,
quis apenas
que nada fiz pra ir até lá,
aliás,
e não vou esconder não,
desde bem cedo
tenho medo de avião
e navio não me apraz
que guardei a marca
de quando mareei
navegando do Rio a Niterói
numa barca da Cantareira
que partiu de um cais
que já não era chamado
de Caes Pharoux,
e, como sói acontecer,
botei pra fora tutu, torresmo
e couve à mineira,
e houve mesmo o maior rebu,
bem,
já vou indo,
vou tentar dormir agora
que estou me sentindo
como se tivesse levado uma sova,
mas,
só vou dormir
se minha senhora permitir
e se aquele conhecido pernilongo
não decidir
zumbir no meu ouvido
somente pra me sacanear,
e vou dormir
meu sono leve e breve,
que sono longo e profundo
é coisa pra gente nova
qu’inda sente vontade de sonhar,
ainda bem
que já estou aposentado
porque o mundo
já deve estar acordado
cá por essas bandas
e lá pelas dos pandas
já deve ser hora do jantar!