segunda-feira, abril 28, 2008

Ela dá mole

Vêm o bole-bole,
a esmola e o gole de pinga,
e ela dá mole,
dança e entra pelo cano
e a lambança não breca
nem tira o seu da seringa,
de tão meiga,
de tão leiga e singela,
digere o que lhe dão,
minguado e graúdo,
caipira e urbano,
aguçado e rombudo,
cabeludo e careca,
e se fere e esfola
posto que tudo
engole sem manteiga
que o pão vem puro,
e vem duro e sem gosto,
e ao lado de média rala,
quando há!,
e olhe lá!,
sob o peso do arreio
e com o vezo da rédea,
se encolhe e se cala,
não reclama da desídia
daquela fada madrinha
que dela se esqueceu
e batizá-la não veio,
que perfídia com a coitada!,
e sozinha,
sem norte, sorte e memória,
sem um só sonho seu pra sonhar,
um só pra contar história,
ela só não desiste
porque assiste
a esporte e novela,
e na tela da tevê ela se vê,
e sonha o sonho
que a faz sonhar a mídia,
mas,
diante de assunto tão importante,
a mim
a todo instante pergunto:
vamos ser sempre assim?!

terça-feira, abril 22, 2008

Carteira assinada e alvará

Quando posso,
almoço rango de pensão
e à prestação é o pagamento
que não dá pra pagar à vista,
aí,
sai da lista o jantar
porque o cobertor é curto,
mas,
me sustento
com uma só refeição,
pra não ter surto
de dó de mim,
espanto
humor ruim e depressão
com canto e assobio
e sorrio quando me zango,
e não é receita
de nenhum doutor
que sou cabeça-feita,
a mesma cabeça
que minha senhora
põe a prêmio
quando me solto
pra pintar o sete
e caio na gandaia,
e me farto de cana
e saio atrás de rabo-de-saia
e acabo ficando fora
do grêmio conjugal
mais de uma semana,
e minha patroa
me mete o pau quando volto,
e não dá pra fazer nada
que a culpada
é a Dida Parteira
que esse nó me deu
ao gritar na hora do parto:
“será boa-vida
de carteira assinada
e boêmio com alvará
pra funcionar de madrugada,
e de madrugada só!”

segunda-feira, abril 14, 2008

Irmãs siamesas

Em distinta mesa,
a dama feérica,
a América notável,
saudável e de barriga cheia,
em mesa distinta,
sua irmã siamesa,
e ninguém me diga
que é impossível!,
e América
também se chama,
mas é ama
faminta, malsã e feia,
América que pranteia
a miséria e o desgosto
que em suas veias abriga,
é bem possível
que creia alguém
em pilhéria de mau gosto
de algum paralelo insano
ou de meridiano insensível,
ou em elo vital da corrente
inexplicavelmente
partido e perdido,
mas eu duvido,
creio que o mal
é essa gente
que tem o feio vezo
de se manter indiferente
que só desprezo alberga
e só enxerga seu umbigo,
ou de amigo, ou de parente!

quinta-feira, abril 10, 2008

Fogo de palha

Não há quem
na dela não entre,
também
não dá pra não entrar
que a menina é de amargar,
geme e arde,
treme que nem dançarina
na dança do ventre,
e de baixo pra cima
e de cima pra baixo,
avança e espreme o barbado,
e é bem mais espremeção
do qu’em vagão superlotado
de trem que sai às seis da tarde,
mas,
quando parece
que dessa vez vai,
que são favas contadas
brasa e fogo espalhado,
a danada
faz que se encabula,
a gula do coitado trava
com um berro,
e o cio dela
se esfria por completo
como se tivesse tomado
aquela ducha de água fria,
e o marmanjo se faz de anjo,
implora,
roga que ela relaxe,
e faz as juras de praxe,
aquelas juras...
você sabe...
só aqui... só ali...
é o que cabe nessa hora...
mas,
é malhar em ferro frio
que Amália mantém o veto
e pra casa a mula pica,
e o rapaz se arrasa
e ardendo em sua chama fica,
estou lhe dizendo,
a droga de jogo
que a Amália joga
se chama fogo de palha!

segunda-feira, abril 07, 2008

O que é que você quer mais?!

Por favor,
não se zangue,
sorria
pra tirar sarro
com a cara do cara
porque praga
não sarapanta
quando é rogada
por praguejador chinfrim,
é carro com bateria arriada
e carro assim se nega a pegar,
e empurrar não adianta nada,
ou, então,
é praga-bumerangue
que o praguejador solta,
vai e volta,
e pega no pai da praga;
por conseguinte,
meu ouvinte,
seja vivo
e não seja
motivo de pilhéria,
praga é matéria séria,
garanta já sua vaga
na Academia da Praga Moderna
e com o Mestre Lanterna se adestre,
mais dia, menos dia,
você dará à luz
seu dom de praguejar
e fará jus à fama
de praguejador-mor,
que sua praga
não vai ser trama à-toa,
vai ser boa
e vai dar bom nó
em seus pobres rivais,
e nó cego
pro seu ego massagear,
e o melhor,
você não vai gastar
lá tantos cobres
que a paga é uma balela,
por parcela,
cento e vinte reais
e cento e vinte parcelas só,
o que é que você quer mais?!

terça-feira, abril 01, 2008

Bloco do Sonho

Vai acabar a melancolia
que chegou o dia
do bloco que é porto
pra quem vem e quer ficar,
o bloco de todos vocês,
o bloco de todos nós,
o bloco
que não refuga componente
nem aluga voz,
passista ou batuqueiro
pois é de toda a gente,
não de dois ou três,
chegou o bloco
que não precisa
de mestre de bateria
que se agite, grite e apite
a torto e a direito
pra que ela se orquestre
com o molejo do traseiro
e o sacolejo do peito
da sambista popular
que a pista
é da mulher brasileira
que quer sambar,
e não precisa ser bela,
sambeira nem calipígia,
sequer precisa
ter aquela peitaria,
mas,
se tiver,
não precisa ser rija,
chegou o bloco
que não batiza ala
com nome metido
que tem feição de mote
que embala festinha de cafona
e cheiro de apelido de mascote
de dona cheia do dinheiro
que ao caviar tem aversão,
mas come pra se mostrar,
chegou o bloco
que não chateia
o pessoal da geral
com um samba feito
com o fito de ser confundido
com manual de produto
escrito de jeito
a não ser entendido
nem pelo bamba mais astuto,
chegou o bloco
que não veicula seu enredo
em sinopse patética
tal qual bula de remédio,
e, por cima,
antipoética
qual monopse e ludopédio
que acabei de descobrir
e usei aqui
pensando só na rima,
chegou o bloco
que, se preciso,
vai em frente
totalmente liso,
completamente teso,
mas,
preso a subvenção
a gente não sai não!,
chegou o bloco
que não se esconde,
que no bonde do samba
leva o folguedo Rio adentro
que não tem medo de nada,
e leva de cabo a rabo,
e sem perda,
sem perder o fio da meada,
que não descamba
pra direita, pra esquerda
e com o centro não se ajeita,
e, de onde em onde,
o bloco dá uma parada
pra moçada
regar a melodia
sem perder o pé
e tirar água do joelho
em latrina de espelunca,
nunca na calçada!
que a gente não é
de fazer feio,
de verter essa água
na frente de menina,
moça ou senhora,
nem de deixar
poça fedida no meio da avenida!,
chegou o bloco
que não tem conselho,
dono, patrono, presidente honorário,
que não precisa
de assistente, horário e lugar
que qualquer hora
é hora pra desfilar
e fazer do asfalto passarela
e nela pisar sem salto alto
e sem destaque com tapa-sexo
que não tapa tão bem assim
e, por fim, o sexo escapa,
chegou o bloco
com senso crítico
e infenso a complexo
e discriminação de cor e origem,
mas,
seara que não dá valor
a cara que se vangloria
de ser capa de revista,
craque, artista ou político,
que só o folião é necessário,
o operário do samba
que ama a folia
e não faz drama
nem tem vertigem
ao tocar o dia-a-dia desse barco,
chegou o bloco
que vai ser um marco
no fim da saudade
daqueles Carnavais
que não estão mais
no mapa da cidade,
chegou o bloco
que no coração
vai se concentrar
e aproveitar as brechas
pra atirar um enxame
de flechas musicais
com os Arcos da Lapa!,
e Bloco do Sonho
proponho que se chame!