terça-feira, dezembro 27, 2005

Você sabe quem é!

Foi um porre a gravidez,
crises melancólicas,
várias cólicas e varizes,
ausência de sono,
incontinência urinária
e enjôos até o nono mês,
ainda por cima,
se havia clima
pra paixão e sexo,
ele entornava o caldo
provocando um mal-estar
e o saldo
era um par perplexo,
ponto final no tesão,
cansou de causar
tensão, percalço e corre-corre,
cansou de deixar
tonto o pessoal
com rebate falso,
em especial,
em feriado prolongado
e fim de semana,
e o remate foi de amargar!,
no meio do parto,
apesar do farto indício
de que ia ser normal,
só saiu com cesariana,
e o estrupício
já nasceu de ovo virado,
emburrado e muquirana,
uma mixórdia
de complexos e vícios conexos,
além disso,
magriço, desdentado e feio,
quer dizer,
cheio de bons indícios
de que nascia na medida exata
pra ser empata
e pomo de discórdia,
e como
saiu já com seus azeites
e de mal com a vida,
de saída,
maldisse a sorte
em razão do corte
no cordão umbilical
e reclamou do leite maternal,
você sabe quem é!
e sabe de sobra,
sabe até
que ia ajudar na rima
o nome dessa obra-prima!

sexta-feira, dezembro 23, 2005

É isso aí!

Desafina o sorriso banguela
que sorri aos arrancos
o branco dissabor desse rapaz
que pra comer
só tem remedo de comida,
e que nada faz
porque nada tem pra fazer,
se abomina a criança-menina
e mulher bem cedo se revela,
mulher da vida,
sem sequer ter vigor de moça,
e feia vai envelhecer
muito antes dos trinta
e cheia de falta de esperança,
se amofina o negro braço
com a negra cinta,
dá braçadas de sol a sol
e se afoga na droga de poça,
poça de cansaço
onde cada faroleiro
trata de si e tudo o mais é farol,
é isso aí!,
se alucina quem sobra
nessa rua mestiça,
sua e se esvai
nessa mestiça estrada
e cai num mestiço bueiro,
é consumido pela loucura
esse desvalido mestiço
que se desdobra
à procura de sentido,
mas acha mais desespero
a cada mestiça esquina que dobra!

quinta-feira, dezembro 22, 2005

Sei lá!, sei lá!

Sei lá!, sei lá!,
e não me acanho de dizer
sei lá!, sei lá!,
e já tá
de muito bom tamanho!,
mas,
de quando em quando,
e todo mundo sabe
muito bem
como é que é...
me assanho um pouco mais,
me acho mais capaz,
acredito
que me cabe dizer mais!,
ser mais profundo...
mais...
mais... sei lá o quê?!...
aí,
se não afundo totalmente,
constato,
praticamente no ato,
que de fato,
na hipótese pior,
teria sido bem melhor
se eu tivesse dito:
sei lá!, sei lá!,
e olhe lá...

quarta-feira, dezembro 21, 2005

Uma senhora marquesa!

Beleza e raro encanto!,
caro marquês,
uma senhora marquesa!,
marquesa e tanto!,
da mais alta qualidade!,
pois,
apesar da idade,
nada está fora do lugar!,
não há falta nem excesso!,
mas,
confesso,
fiquei mais animado
em função da maciez
e dos babados!
e muito tentado,
caro marquês,
a virar freguês assíduo
do seu marquesado
pra tirar uma casquinha,
mas,
muito na minha!,
é claro,
porque não sou indivíduo
chegado a exageros,
aliás,
seria o derradeiro nego
a cometer algum deslize,
a abusar do aconchego
que me foi franqueado
com tanta nobreza,
por fim,
pra que não precise
usar sua marquesa
mais do que o necessário,
me faça uma gentileza,
me diga em que antiquário
consigo comprar uma pra mim!

segunda-feira, dezembro 19, 2005

Resta algo de bom ainda!?

Moradia está em falta
nesta maravilha de cidade,
quando não falta,
na maioria
é moradia modesta
em favela, cortiço, estalagem,
paragem que revela a miséria
de pilhas e molhos de gente
e a falta de tudo
só não salta aos olhos
dos indiferentes e dos omissos,
e onde não há grude
a necessidade faz a festa,
estalagem, favela e cortiço
onde só camaradagem presta,
onde só resta fazer pilhéria
com a vicissitude da família
que a escuma
precisa achar um jeito
de achar alguma graça,
que maravilha de lugar!,
soma aos defeitos
de Tóquio, Roma e Bruxelas
as mazelas de Mombassa,
Luanda e Bagdá,
e com direito a deserto
onde até miragem há!,
criança na escola,
segurança e hospital
em anúncio e propaganda
de Pinóquio, Pafúncio e Ali Babá,
mas,
oásis só descola
quem é o tal e está por cima
ou o esperto
que vive levando bola,
contudo,
resta algo de bom ainda!?,
a festa de fevereiro!
pra ralé tirar o pé do lodo
e com ele mostrar
todo o seu valor
ao som do entrudo
que anima Olinda e Salvador!

Amores de fachada

Você mente,
mas não adianta
tanta farsa,
não adianta
tanta fraude,
por mais que você
invente e finja
ardentes abraços,
por mais
que se esbalde
em outros beijos
e tinja de vermelho
outras bocas,
por mais que vá
às tantas e loucas
à procura de prazer,
por mais
que faça ajustes e juras
nos braços de comparsas,
por mais que garanta
estar feliz
diante do espelho,
não adianta,
esses amores
não vão dar em nada,
são embustes,
pois,
como seu coração diz
quando encontra o meu
e a nossa paixão bate:
“são amores de fachada
e estão por um triz!”

Cadê Vênus?!, cadê Afrodite?!

Até eu fiquei surpreso,
mas,
acredite,
nada mais, nada menos
que um convite
de Vênus e Afrodite!,
e destaco o testemunho de peso
do meu amigo Baco
que estava comigo na mesa,
comia e bebia
e botava a despesa
na minha conta
e me deixava às tontas
como sempre faz,
e ainda foi capaz
de se achar no direito
de dizer que foi afronta
ter sido assim preterido
e bateu no peito
pra falar de orgulho ferido,
por fim,
não fez por menos,
me deixou na mão,
é...
como por aí se diz,
durma-se com um barulho desse!,
e, acredite,
foi exatamente o que fiz,
quando acordei e dei por mim,
cadê Vênus?!, cadê Afrodite?!

quinta-feira, dezembro 15, 2005

Não faz mais fé nem a sua avó!

Deixe de manha!,
menina,
que de recatada e inibida
você não tem nada não,
é mais exibida,
expõe bem mais
que vitrina de butique
no pique da liquidação!,
por isso,
já não cabe
essa sua manha,
todo mundo sabe
que você vai fundo,
assanha e provoca
até que a rapaziada fique
em ponto de bala,
depois,
coloca esse véu
de menina pudica,
fica envergonhada
com piada picante,
se abala
e até fica de quatro
diante de cantada
mais atrevida,
e fala que estava só
representando um papel
no teatro da vida,
menina,
qual é?!,
tenha dó!,
nessa conversa de peça
não faz mais fé nem a sua avó!

quarta-feira, dezembro 14, 2005

Se conselho fosse bom... (III)

Não empaque
nem encalhe agora
que tem chance
de ser destaque do bloco,
não perca o foco
em hora tão importante,
mas...
não se espalhe demais
diante dos holofotes,
não se lance ao pote
com muita sede!,
não deixe fora da rede
nenhum peixe,
não despreze nenhum fato,
desdobre a atenção
e não menospreze
minúcia e detalhe,
bote razão, bom senso e astúcia
em atitudes e atos,
e cobre bem mais
de seu talento e de suas virtudes,
e duvide
que sejam imensos e nobres,
não coloque quem decide
contra a parede
em nenhum momento,
mantenha bom contato
com quem
pode ter papel relevante,
não entre em choque
com ninguém,
principalmente
com quem
pode entornar o caldo,
tenha tato e tento
no gingado e na fala,
não gaste todo o saldo
num mesmo instante,
nem todas as balas
num mesmo alvo,
mesmo achando estar a salvo,
não entre de sola
no outro time
no calor da zanga
nem substime
quem esteja de joelhos
e aparente ser
um traste insignificante,
e mais dois lembretes:
nunca deixe de ter
coelho na cartola
e carta na manga do colete!,
e lembre-se,
se conselho fosse bom...

De um obscuro quarto

De há muito esquecido
num fundo de armário,
aquele bilhete premiado
que foi vendido
por algum estelionatário
numa calçada da Zona Sul
e que havia provocado
até então
gozação e gargalhada,
naquela madrugada,
completou o desassossego
do nego de idade avançada
que levou do patrão o azul
sem dó nem piedade
por razão de nada
e perdeu o só emprego
que tinha nesse mundo;
foi tal qual grito em falsete
berrado às pressas
ao ouvido de um mouco
por um louco vagabundo
que leu às avessas
o que nele estava escrito;
foi tal qual escada
entre risos oferecida
a quem está quase frito
na incandescência
de um último piso
e com um aviso:
saída de emergência!;
e uma escada autista
com pinázios invisíveis
e nenhum degrau à vista;
foi tal qual topázios puros,
mas insensíveis
e fartos de serem topázios,
que se diluíssem gota a gota
sem compaixão nem clemência
quando seguros
por aquelas mãos necessitadas
mas rotas e impotentes;
de repente,
uma rude flecha-de-parto
fez uma brecha
na quietude da madrugada
e foi ouvido um estampido
vindo de um obscuro quarto.

segunda-feira, dezembro 12, 2005

Quando um é recheio, o outro é mil-folhas

Ele é tatibitate e careca,
mora em Realengo,
tem calo e bolha
na palma da mão,
que não perde
a mania não,
ela é zarolha,
levada da breca,
adora fazer biscate
e soltar o breque
ali no Flamengo
pra alegria dos moleques,
os dois têm surtos e desvios,
ele, na coluna,
que o Tito,
velho amigo da Pavuna,
era um mito,
todo mundo sabia
que não tinha pavio curto,
ela tem das trompas e do cepto
e, com pompa,
exibem os de conduta,
ele é adepto do grupo,
mesmo no sexo,
ela é o nexo do dito:
da fruta que você gosta,
chupo até o caroço;
e não vem que não tem,
que é um osso duro o duo,
aposta na luta
e não tolera recuo,
seja qual for o embate,
mas,
os dois preferem empate,
ele, um a um,
ela, zero a zero,
e ninguém tem vaidade,
se um cacareja, o outro muge,
se um ruge, o outro late,
se um xinga, o outro bate,
e o couro come,
e tome pinga e cerveja
em nome da velha amizade,
e repetem, amiúde,
tatibitate e zarolha
que a virtude está no meio,
por isso,
quando um é recheio,
o outro é mil-folhas.

sábado, dezembro 10, 2005

Não quero ser

Não quero ser
aquele refrão
que tanta gente canta
porque da canção
não sabe da maioria,
não quero ser
a rima completa
na obra-prima
que o poeta em mim
pode vir a poetar um dia,
também
não quero ser
um clichê chinfrim
que vai indo em frente
na fala de gente
que não sabe o que diz,
nem motivação de bis
de tietes e fãs irrelevantes
porque nem sabem
onde andam enfiando o nariz,
mas não me presto
a esperar pelo amanhã
a pretexto de ser artista
e parte de texto brilhante,
eu quero ser
protagonista agora,
neste instante,
embora em esquete modesto,
desde que tenha arte!

sexta-feira, dezembro 09, 2005

Ao sul da América

Ao sul da América,
que um dia já foi lusa,
foi ibérica,
a coisa tá tão confusa
que não dá pra ver
uma pista da solução
nem com vista de lince!,
é que anda histérica a torcida,
soul que soul Chicago Bulls
since very young!,
Chicago Bulls!,
dream team da minha vida,
paixão que corre no meu sangue,
que é muito mixa
torcer pelo Mengão,
e não refogue não
a salsicha do hot dog,
não é nice!,
a bicha é só cozida,
e que a gente se afogue
em ice cream, coffee, tea, diet coke,
em funk e rock-and-roll,
até que espouque
outro hit na parade,
que não é in gostar de samba,
e é melhor ir a Miami Beach
do que a Ipanema,
e só um pato se ilude
e acha que bamba de fato
mora fora de Hollywood,
e você há de convir
que New York City
é mesmo coisa de cinema,
tem gentlemen e ladies às pampas
e todos cheios de it,
o que não há em Sampa,
e nem vem!,
lady de verdade, séria,
não é Zuleide nem Quitéria,
mas Jane, Diane, Mary Anne,
nem "alma'minha gentil..."
é tão bom quanto "to be or not be",
puxa,
quanto imbecil,
tantos,
que bem podiam ir
....!

quinta-feira, dezembro 08, 2005

É... gosto não se discute

Sou que sou
fascinado por condução superlotada,
seja ônibus, pirata ou não,
van, trem ou metrô,
sem esquecer o tal bonde
que a gente sabe bem de onde vem
e que continua passeando pela rua
a qualquer hora do dia,
acho uma delícia
fila, multidão, empurra-empurra,
porrada da polícia
em porta de repartição,
acho o máximo
salário mínimo atrasado,
sou tarado por inflação,
tenho atração por enchente
e sonho com catamarã
na Praça da Bandeira,
só fico contente pela manhã
quando vejo no jornal
muito assalto e bandalheira,
ou uma armação muito legal
pra tomar grana dos incautos,
tenho fixação
em desconto em folha
e em bolha nos pés e nas mãos,
acho sensacional
perda do poder aquisitivo,
contribuição de inativo
e sugiro cartão de ponto,
não há invento igual
a imposto de renda na fonte
e mais ainda me apetece
o gosto do ICMS no alimento,
acho um barato
dar de fato status
a quem mora debaixo da ponte
cobrando taxa de iluminação,
de lixo, de incêndio,
acho divertido
viver qual bicho em jaula
por causa do ladrão
e escola sem aula
por orientação
do pessoal do movimento
ou por falta de verba no orçamento
pra pagar ao professor
o estipêndio devido,
não escondo
que tenho tanto amor por apagão
que chego a ter orgasmo
só de pensar
e que me encho de entusiasmo
só de ouvir falar
em baderna, quebra-querba e corre-corre,
mas,
me arrisco a dizer
que, em primeiro lugar,
vem pra mim confisco
geral, amplo e irrestrito,
em segundo,
aquele bendito chute de artilheiro,
no último instante
frente a frente com o goleiro,
que passa distante
e nos firma na lanterna,
e, em terceiro,
mulher agra, feia, cheia de vício,
um estrupício de tão magra,
e tão indolente
que não trabalha fora
nem encara o batente dentro,
melhor que isso,
só dois disso,
ou, no domingo,
almoço no lar doce lar
com a família da minha senhora
e aquele chucrute
sabendo a coentro
que o cunhado tanto adora,
é... gosto não se discute!

Restou do astro

Cerradas as cortinas,
restou do astro
quase nada,
não mais
que um distante passado,
punhado
de rastros vacilantes
que amofina a memória
de palcos quase em ruínas,
não mais
que um manifesto desespero
diante de restos de glória:
frases de jornais,
foto de um letreiro,
decalcos, cartazes,
restou a platéia
inanimada e transparente
que contrista poltrona,
frisa e balcão,
restou a devoção imprecisa
de um devoto remanescente,
restou a desolação
que se fez dona
de silentes coxias,
restou a recordação trôpega
da sôfrega emoção
em dia de estréia
enfim,
restou a vista embaçada
por essa madrugada fria
e o Retiro dos Artistas
à guisa de camarim.

quarta-feira, dezembro 07, 2005

Melhor do que a encomenda

Antes mesmo de comer,
cuspiu no prato o Brás,
veja você,
me saiu
o rapaz
melhor do que a encomenda,
como viu
dois passarinhos a voar,
preferiu soltar o que tinha nas mãos,
pois era o seu
e bem pequenininho,
e saiu correndo atrás,
e nem levou merenda,
e acabou sozinho no mato,
que não carregou cão nem gato,
somente meus parcos reais,
e deixou seus dólares, euros, marcos,
porque não fala inglês, europeu nem alemão,
e pra ser localizado,
em caso de recado ou emergência,
foi discreto,
só deixou a direção
com um punhado de seletos companheiros,
padeiros, leiteiros, peixeiros, açougueiros, tripeiros, verdureiros,
com alguns diletos vizinhos
e com os parceiros do Barrasquinho:
Inocência,
Albina, Joaquim, Delfina e Lisboa,
Ferreira, Serafim e Queluz,
Simões, Macedo e Murilo,
e mais o treinador Batista,
o massagista Loureiro
e o roupeiro Amador,
e com os chefões da Bagaceira Barraína,
da Barrascão à Gomes Sá
e da Barrasco da Gamboa,
e mais alguns fadistas,
ao todo, umas cem pessoas,
e um outro tanto espalhado por diversos cantos,
mas tiveram de jurar por todos os Santos
e beijando os dedos em cruz
que iam guardar seu segredo em sigilo,
e foi avistado pela última vez
disfarçado de freguês,
no boteco do Camilo,
e este disse,
em uma nota feita com a direita,
pois argumentou um treco,
dor ciática na canhota,
após ter alegado,
imunidade diplomática
e alergia a retrato falado
fundado em receita ortopédica,
mas a nota foi enfática:
“oh! cara,
nem que me dopes,
aliás,
nem que me coloques no pau-de-arara,
castigo horroroso
que qualquer um arrasa,
e sinta muita dor,
vou confessar que o Brás
foi trabalhar em Seropédica,
ao lado da casa
de um famoso compositor,
pois fugiu sem deixar pistas a raposa,
fez uma obra de artista,
na verdade,
uma manobra malandra,
colou a foto da Cassandra,
sua esposa,
na carteira de identidade!”

Beijo heterodoxo

O selinho,
o tal beijinho na boca
que o pessoal gosta de dar
até em gente do mesmo sexo,
que me parecia coisa louca
e me deixava perplexo,
não tem nada demais,
é só um beijo heterodoxo,
segundo um rapaz
que me explicava a fundo
as armadilhas da inflação
e que quis me dar um
no meio da explicação,
e logo quando falava
sobre perda
e desvalorização da moeda
que representava
unindo sem pudor
a ponta do polegar
com a do indicador,
mas sua mão ficou tonta
e teve uma queda,
pra não desabar,
se apoiou na virilha esquerda,
mas na minha,
e tive a impressão
que tinha outra intenção,
e que o rapaz ia ter algo mais,
vertigem e falta de visão,
caindo a cara onde caiu a mão,
mas,
como sou ortodoxo,
lhe dei um safanão viril
e mandei que fosse
dar selinho,
o tal beijinho heterodoxo,
na ponte que partiu!

terça-feira, dezembro 06, 2005

Na seletiva da Brasil

Botei a comitiva
no caminhão do Meco
e peguei a seletiva da Brasil
porque
o guarda estava de folga
já que a bolsa da Olga
explodiu justo no domingo,
e no domingo,
aqui na região,
nem a muito custo
se acha esculápio de plantão,
mas,
veja só o cardápio do boteco:
cachaça, cerveja, caldinho de feijão,
mocotó, rabada, angu
e buchada de bode;
e a Olga encarou o desafio,
encheu o bucho
que já estava por um fio,
e tudo no maior sacode,
samba, forró e até lundu,
e vai parir no meio do caminho,
que luxo e pompa
aqui a gente não tem não,
agora,
na hora H,
se não vier um menino
e pintar outra mulher,
não vou reclamar do destino,
mas vou ligar as trompas!,
que o saco torra
ficar dando esse mole,
aturar a turma no meu ouvido
repetindo meu apelido:
“Forra da Rapaziada”,
pois na minha prole só tem filha,
Lília, Odília e Emilinha,
a caçulinha,
na minha prole não tem espada,
um João pra dar um estouro
na boca do balão
envergando a nossa camisinha,
que é na água e no couro,
não vai fora não,
que até essas coisinhas
a gente poupa,
"que essa crise não está sopa,
e eu pergunto,
com que roupa,
mas com que roupa
eu vou
ao parto que você não programou,
com que roupa eu vou,
com que roupa eu vou
ao quarto que você não programou".

Não me peça pra não pedir seu perdão

Não me peça,
meu amor,
pra não pedir seu carinho,
não me peça
pra seguir sozinho
ao sabor desse afeto
que não arrefece
com prece, promessa e ungüento,
não me peça
pra fingir que o peito
não descamba em tormento
com aquele projeto de samba
que não ata nem desata
pois carece de alento,
você!,
não me peça
pra não ir por aí
à cata do seu jeito de olhar,
de se esbaldar de rir
com o que há de mais tonto,
de sentir o que há de mais denso,
por favor,
meu amor,
não me ofereça um lenço
pra enxugar esse pranto
que me consola
quando sua falta
me assalta e amola o coração,
por favor,
meu amor,
não me peça
pra não pedir seu perdão!

sexta-feira, dezembro 02, 2005

“Quem tem olho grande não entra na China”

Cara,
é muita areia
pro meu caminhão!,
mas não é questão
de potência nem de tara,
que tenho o costume
de encarar volume até maior!,
mas,
na Baixada e adjacências...
e essa areia é do Leblon!...
lavada com o que há de melhor;
sou muito bom
com até dois dígitos,
até dois dígitos no IPVA,
até dois dígitos no IPTU,
e nos dela há mais de cinco,
acompanhe meu raciocínio:
em sã consciência,
não é nada fácil
ir de picado e tutu
no Zinco da Neném,
lá em Belfort,
pra quem tem
champanhe e caviar
no café-da-manhã
salmão grelhado
e crustáceo ao termidor
no almoço,
não dá nem com muito esforço...
e não é preciso sequer
um forte tirocínio
no mister de vidente
pra ver a sorte da empreitada:
uma noite danada de quente
e eu, lá no Flor-de-Lis,
sem ar-condicionado,
frente a frente com o traçado
e afogado em Lupicínio:
“Você sabe o que é ter um amor,
meu senhor...”;
e a menina,
pra se livrar do passado,
num bistrô de Paris,
com brande ou conhaque,
brindando o namorado novo;
é..., cara,
repara como o povo
é mesmo craque:
“quem tem olho grande
não entra na China”.

quinta-feira, dezembro 01, 2005

Não morre no meu coração

Não é flor que se cheire
essa bisca,
é arisca, fuleira
e sem eira nem beira,
e não consigo
achar trigo nesse joio,
por mais que joeire
e lhe dê apoio,
quando bate o furor
e ela fica a fim de prazer,
mete a cara e vai em frente
com quem aparecer,
jardineiro ou jardineira,
e nem repara
em jardim e canteiro,
rente ao chão se deita e ajeita
qual planta rasteira e capim,
de repente,
qual trepadeira,
se agiganta por cima,
vícia, tamo, costela-de-adão,
e se arrima no que puder,
no que estiver mais à mão,
bem pode ser
ramo de cânhamo,
vício e suplício,
ou de belas felícias,
deleite e enfeite,
é indiferente ser chamada
de malmequer ou de bem-me-quer,
mas,
por mais que a razão
me conte poucas e boas
e me aponte a indecência
dessa flor infrene,
por mais que o fedor
dessa malícia à-toa,
que o porre me envenene,
essa louca Hortência
não morre no meu coração!

Foi o último encontro de ombros amigos!

Não foi abraço ferido
de quem o ventre abraça
pra evitar aborto inevitável
pois já morto o feto,
não foi doído sangramento
que nenhum ungüento
faz estancar por completo,
não foi irrefreável tremor
que do peito embaraça o ritmo
e o deixa ao sabor
de um algoritmo irrespirável,
foi direto e franco sem ser amargo,
foi aceno intenso de lenço branco
de gente que se distancia
parada no cais
enquanto a embarcação
vai em frente e se faz ao largo,
foi despedida
sem imprecação e sem ressentimento,
foi consentimento
pra guardar recordação,
foi resignação de outono
com o destino da folha,
não foi abandono,
mas escolha de amantes antigos
sem paixão pra levar adiante,
foi o último encontro de ombros amigos!