quarta-feira, junho 28, 2006

A bem da verdade

Não sou mais moço,
não sou mais
o touro de outrora,
o osso duro de roer,
e a paixão agora
já não me arrebata,
se foi a fase de ouro
e chegou a de prata
quase sem eu perceber
que fui cumulando
cada hora de cada dia,
cada folia de cada madrugada
e acabei herdando
o que me deixou a boemia,
entretanto,
lhe juro
que não cumulei covardia
e ainda brigo
quando mexem comigo,
dou o troco,
seja até soco e pontapé,
mas,
a bem da verdade,
hoje em dia,
essa valentia
já não me serve mais,
pois,
acuado e só no meu canto,
tenho brigado só com o pranto
por causa dessa tal de saudade!

segunda-feira, junho 26, 2006

A quadratura do círculo

O país se ufana do rapaz
e o rapaz se ufana
de ser a glória do país,
como está cheio de grana,
não tem nem receio
de fazer filosofia,
diz que se lixa
pra essa história
de deixar cair a ficha
porque não é orelhão;
então,
quando a bola rola
e a partida principia,
não cai
a ficha da figura
e não se dá a ligação,
mas,
a torcida cai na real
que o artista esfola
e desfigura a coitada
porque cismou
que vai provar
a quadratura do círculo,
e não há no mundo
nada mais profundo,
nada mais genial,
segundo falou
um especialista em mundial
numa entrevista
pra revista, tevê e jornal,
e a malta que pagou
pra ver futebol,
quando o cisco sai,
vê o visco,
o círculo vicioso:
por falta de classe,
o passe é horroso
e quadrada fica a bola,
com bola quadrada,
a jogada não rola,
se não rola a jogada,
não vem o gol,
se gol não vem,
a malta,
pra não deixar
passar em branco
toco, soco, tapa,
erro, rapa e tranco,
em tom choroso,
sai falando
que tem garçom paca
bem mais virtuoso
dando show de madrugada
em pelada no Aterro,
se safando de perrengue
e dando a bola de bandeja,
aquela bela bola
que enseja ao cozinheiro
fazer gol de faca
e dançar no meio da cozinha
merengue, valsa,
tango ou fado,
caramba!,
tá errado,
enseja ao cozinheiro
dançar samba
na bandeirinha de escanteio
depois de fazer gol de placa
em goleiro que se realça
por não engolir frango
nem com salsa e cebolinha!

sábado, junho 24, 2006

Me desculpe, amigo

Me desculpe
o mau gosto
posto que pergunto
“como vai?!”
quando vejo você,
mas,
sai sem querer,
me desculpe,
tocando no assunto,
dou a você o ensejo
de falar um “vou indo...”
de quem já não avança
ou de se enganar
com um “tá tudo bem”
de quem já perdeu
até a esperança,
então,
eu não me empolgo
nem me atrevo
a dizer sorrindo
o usual ‘folgo em saber’
e não digo
que sei que não devo,
enfim,
amigo,
não se ofenda,
não contenda comigo,
entenda o “como vai?!”
como refrão ruim
que a cantar eu sigo,
apesar
de estar ciente
que não cabe
perguntar “como vai?!”
quando se sabe
que quem é normal,
normal minimamente,
certamente
vai indo bem mal!

segunda-feira, junho 19, 2006

Deu ziquizira na atual conjuntura

Parece mentira,
mas,
não é não!,
deu ziquizira
na atual conjuntura,
até a tradicional cuíca
anda com um jeito
muito suspeito,
estica o bolero
e vai à loucura,
quando do bolero sai
e tenta um samba,
empola o pobre tanto
que nem santo agüenta,
ou faz um samba
tão nobre e austero
que até parece feito
pra ser levado
por viola de gamba,
aí,
a ginga do bamba
não ata nem desata,
a mulata vira senhora
e rebola um rebolado
tão fora de moda
que nem dá na vista,
e a roda não vinga,
enfim,
é uma ziquizira tão ruim
que tem sambista
se engasgando com pinga.

quarta-feira, junho 14, 2006

Malandro por osmose

Não o proíbo de os perder,
mas,
tente não perder os estribos
a ponto
de sair no tapa com o fato,
se conforme,
meu chapa,
é bem mais inteligente
já que o que está feito,
feito está,
e pronto, e ponto,
e é preciso ter muita malícia
pra escapar intato,
portanto,
antes de passar recibo
de sua enorme imperícia
e de consumar o prejuízo,
vá à Lapa,
primeiro,
se encoste num poste
de uma esquina
e até pose,
mas sem exagero,
gente fina,
a seguir,
entre num bar,
peça uma dose de quinado
e vá bebericando
bem devagar,
gole a gole,
e dando asas à imaginação
até se sentir em casa,
então,
imagine
um malandro ao seu lado,
não um malandro
sem tino nem psicologia
pra se livrar
de confusão e percalço,
não um malandro
falso, chucro
e sem selo de garantia,
imagine
um malandro genuíno,
malandro de fato
e do sapato bicolor
à brilhantina no cabelo,
tente imaginar
um digno exemplar,
um malandro de valor,
malandro capaz de botar
panos quentes
nos piores atropelos
e de tirar algum lucro
dos maiores danos,
quiçá,
após ter bebericado
a dose de quinado,
você
tenha se tornado malandro,
malandro por osmose!

quinta-feira, junho 08, 2006

Esse ele

Ele aprecia entrada franca
e boca-livre,
conforme a entrada
é mais franca
e a boca é mais livre,
mais ele aprecia,
ele não dorme de touca,
ele é fã de carteirinha
do farinha pouca,
meu pirão primeiro,
ele banca o intelectual
e enuncia
relha e velha expressão
sem preposição
e com adverbial cacofonia:
“sã mente corpo são”;
ele é useiro e vezeiro
em conto e pulo-do-gato,
especialmente,
em conto-do-vigário
e da carochinha,
basta ele achar pela frente
um mais tonto,
mais otário do que ele,
e ele está sempre pronto
a tirar o corpo fora
pra não pagar o pato,
e ele comemora
quando o pato
é pago por alguém,
agora,
ele fica gago, tremilica e até chora
quando tem que pagar
e ele chega a se inflar de indignação
quando o pagão é sua nega,
amigo ou parente chegado,
mas,
se o pagador for inimigo,
sogra, sogro,
cunhada ou cunhado,
ele até malogra feliz
e é capaz de pedir bis
de tanto que se apraz
com o remate do malogro,
enfim,
até aí,
nada de mais,
que há gente assim
em qualquer local
desse disparate global,
é um denominador comum,
mas aqui,
o numerador é atroz,
sua dimensão
faz a fração
ser quase igual a um,
é isso aí!,
entre nós,
esse ele
é pronome bem universal
em gênero, número e grau!

quarta-feira, junho 07, 2006

Sou essa mistura!

De fato,
sou essa mistura!,
mistura
misturada a contento
no momento exato,
a contento e exato pra mim,
aliás,
pelo que sei,
é sempre assim...
e não sei mais nada...
não sei
se fui exuberante fagulha
num contato faiscante
ou uma agulha
que achou no palheiro
alguém que nem procurava,
pra ser verdadeiro,
não posso nem dizer
se havia um intento,
se havia,
se do intento eu constava,
não posso nem dizer
‘do intento saí tanto por cento’,
pois é,
o tanto que sei
é que sou essa mistura,
e, desde então,
me misturei por aí,
às vezes,
a intenção até foi boa,
e daí?!,
se sequer sei dizer
em quanta mistura
me misturei,
mistura de fato,
e, quando ocorreu
de fato mistura,
sequer sei dizer
se foi meio a meio,
se valeu,
se não foi mistura
misturada à toa!,
mistura de nada!,
enfim,
sou assim e só sei dizer:
sou essa mistura!

terça-feira, junho 06, 2006

Tampe o seu nariz!

Não liga pra essa figura
repleta de pose,
contudo,
caso a pose incomode,
imagine o posudo no vaso,
e pode ser ele quem for,
doutor, capitalista,
artista ou atleta,
ou até a boazuda
cheia de frescura
que sacaneia a gente,
a gente dura e miúda,
é bom que se diga,
e como o posudo não cabe
em vaso de flor...
você já sabe
de que vaso estou falando,
e comece
imaginando o todo
pra ter visão completa,
depois,
vá direito aos closes,
e closes a rodo
pra captar cada faceta,
cada careta, veia e trejeito,
não há pose que resista,
bom,
caso falhe
e siga chateando a pose,
passe em revista
um outro detalhe,
som ou aroma,
ou mesmo os dois,
depois,
me diga se a pose
não entrou em coma,
e em coma profundo,
todavia,
não se dobre de rir,
ria só por dentro,
deixe o pobre infeliz
seguir em frente
achando que é o centro do mundo!,
mas,
disfarçadamente,
tampe o seu nariz!

quinta-feira, junho 01, 2006

Fazer sessenta é mole...

Fazer sessenta é mole...
bole positivamente com a gente
que são muitos motivos pra ficar feliz,
muitos motivos...
muitos...
quais são, hein?!,
parece que a gente
fica frente a frente...
é...
é melhor deixar pra lá...
fico imaginando então
como deve ser
fazer sessenta e nove?!,
ou será que já fiz
e nem me lembro?!
puxa...
nem lembro
onde deixei o meu Engov?!,
bom...
não dá mesmo
pra recuperar o que foi perdido,
noite de sono,
manhã curtindo ressaca
e podia ter bebido logo outro gole,
quantos goles não bebidos...
aqueles dias
com a faca e o queijo na mão...
queijo e faca na mão do dono!,
o chefe, o fiscal, o guarda no sinal,
o gerente do banco,
bom...
não dá mesmo
pra apagar aquele blefe esperto,
tão esperto
que nem certo deu
e a patroa
o botou no meu prontuário
como razão pra tentar
a remoção dos meus testículos...
e seria um arranco à-toa...
não dá nem pra imaginar!,
ia ser mesmo ridículo...
sexagenário
e ainda por cima...
felizmente saí ileso
e, como ainda os prezo,
isso até me anima um pouco...
um pouco...
pra que servem mesmo os testículos?!,
enfim,
parabéns pra mim,
agora,
ao lado da minha senhora,
vou apagar...
quer dizer,
sou soprar minhas velhinhas!
(não me goze
nem me desça o malho
que não foi cinismo
nem ato falho
em dose dupla
depois de mais uma dose,
foi só barbarismo,
e não deu tempo pra apagar...,
quer dizer,
não deu tempo pra corrigir),
bem,
preciso admitir
que uma vantagem
o sexagenário tem,
o pessoal botou até o plural
na conta da esclerose
e não deu nenhum galho!