sexta-feira, novembro 30, 2007

Ditado infeliz

Você cai no meu caminho,
me diz esse ditado infeliz
- “filho de peixe é peixinho”-,
e não quer
que eu fique zangado
nem quer que eu me queixe?!,
ora!,
deixe de moda conosco,
e deixe agora!,
senão
vai ter noção
da minha mágoa
e do poder da minha mão,
é imensa a diferença
entre mim e meu pai,
é da água pro vinho!,
sou fosco e chinfrim
e meu pai
tinha arte, tinha viço, tinha brilho,
fazia parte da nata,
se vestia como um lorde
e era cobra no cavaquinho,
cada acorde
era obra de um virtuose
e o rastilho
que fazia a mulata explodir,
por isso,
era o bamba do morro
e o rei da roda de samba,
e você há de convir
que só tenho pose,
que de fome não morro
porque do meu pai
herdei o nome,
por conseguinte,
acate o que lhe digo,
rapaz:
pinte e borde comigo,
eu não ligo,
mas,
trate de respeitar meu pai,
trate de deixar meu pai em paz,
se não deixar,
eu brigo!

segunda-feira, novembro 26, 2007

Poema natural

Sou carioca da gema
e fã desse Rio,
pelo visto,
um poema do Cristo Redentor,
sou fã desse Rio
que brinda a gente
com o calor da rima
que toma a nossa rua,
que prima
por ser um misto
de manhã sorridente
e luar de Lua linda,
e de Norte a Sul,
sou fã desse Rio
com aroma
de mar e montanha,
desse Rio que apanha
e não se queixa,
que enfeixa sua energia
pra encarar ventania e naufrágio,
e, ágil como só ele sabe ser,
logo, logo desdá o nó,
e nunca deixa de dizer
que está tudo azul,
e cruza os dedos pra dar sorte,
sou fã desse Rio
que não se desespera,
que supera seus medos
com brio e fé variada
e se recusa a ter paúra
até mergulhado
na madrugada mais escura,
sou fã desse Rio
que está sempre disposto
a dar guarida ao forasteiro,
desse Rio
que festeja a vida
com tira-gosto e cerveja
do Anil à Ipanema,
do Leblon a Bento Ribeiro,
me ufano mil por cento
de ser carioca da gema
e fã desse poema natural
chamado Rio de Janeiro
que o ano inteiro
inspira bom astral
e vira carnaval em fevereiro!

quarta-feira, novembro 21, 2007

Vamos lá, aposentado

Não se queixe
nem fique amuado,
vamos lá,
aposentado,
finte o cuco,
não deixe que pinte e borde
como se fosse o dono da manhã,
só acorde quando o sono acabar!,
aí,
capriche no sanduíche
com um bom suco
temperado com hortelã,
se gostar de café,
tome um golinho,
a seguir,
vista calça de linho,
camisa de malha
e sandália de couro,
e não esqueça
o panamá de boa palha
pra formosear a cabeça,
e saia por aí a pé e à toa,
sem escolher logradouro,
aliás,
sua senhora vai adorar
ficar livre de você,
e vá apreciar a natureza,
a ginga e a beleza da mulher
se ainda tiver
prazer de apreciar,
o que mais você quer?!,
quando cansar,
tome uma pinga,
quando tiver fome,
é hora de voltar ao lar!

quinta-feira, novembro 08, 2007

Que meu filho não saia aos seus

Morro de medo
desse arremedo de homem,
um desses
que comem por capricho,
por comer,
esse bicho-homem me cutuca
e me obriga a querer
quando quer ter prazer,
e de dia,
e de madrugada,
e nem sequer me caricia,
e me fere e machuca,
e se satisfaz assim,
e me pretere,
não liga mais pra mim
assim que se satisfaz,
morro de pavor
desse macho de nada
que me faz de capacho
e não me poupa,
me faz levantar mais cedo
pra preparar seu café,
me faz lavar
e passar sua roupa,
me faz cuidar do almoço
e quer seu jantar pronto
e posto na mesa
quando da rua vem tonto
e com cheiro e gosto de mulher,
morro de horror
desse homem micho,
useiro e vezeiro em magoar,
desse bicho-homem
que me acua e faz ser
esse poço de tristeza,
e choro sem dizer um ai,
mas,
com os olhos vermelhos
e de joelhos,
eu imploro:
miserere,
que meu filho degenere
e não saia aos seus,
não saia a mim
nem ao seu pai,
miserere,
que meu filho degenere
e não saia aos seus,
não saia a mim
nem ao seu pai.”

quinta-feira, novembro 01, 2007

Ela tem um quê

Ela mexe,
remexe
e sabe dizer no pé,
enfim,
ela samba como quê,
bem,
até aí,
não tem nada demais,
que, por aqui,
muita mulher samba assim,
mas,
ela tem um quê que ninguém,
ninguém sabe dizer o que é,
sabe-se só
que esse quê faz o samba
ficar em ponto de bala,
embala, empolga
e faz ficar tonto do aprendiz
ao bamba mais graduado,
sabe-se só
que não há sambista
que fique parado
e calado no canto,
que não fique rouco
de tanto pedir bis,
e que o mestre-sala
dá de se exibir na pista
como um louco
e sem pausa nem folga,
e não há um,
um só
que a porta-bandeira
quase morta
não defenestre
por causa do frenesi,
sabe-se só
que dá o tantã
de mandar no batuqueiro
e que seu Cavaquinho,
sempre tão sobranceiro,
dá de gritar:
“faze de mim teu bandolim,
faze de mim teu bandolim!”,
e o samba vai assim
até que ela pressente
que vai raiar a manhã
e sai fora de mansinho,
aí,
a gente chora,
e chora em coro,
e chora um choro
que não tem mais fim!