quarta-feira, junho 01, 2005

O louco é você!

Não me venha dizer
que sou louco
só porque,
pela manhã,
a aparência é malsã,
tenho acessos de pigarro,
dispnéia,
por isso,
quase não falo;
por causa da cefaléia
não me agarro às idéias;
as mãos tremulam,
transpiram
e seus abalos
me fazem tremer
dos pés à cabeça;
por mais que pareça,
é muito pouco;
nem me venha dizer
que sou maluco,
só porque,
na sala escura,
entre náuseas,
tonturas,
bebo jarros de café
e fumo muitos cigarros,
ao revés de comer
geléia, mamão e maçã,
com um copo de suco,
e não leio o jornal,
porque faz menos mal!,
ou, então,
porque não combina
o tom da calça
com a cor do blusão,
e, menos ainda,
com meias, cinto, sapatos,
e sempre trato
de trocar as peças,
roupa fina
no frio do Rio
e casaco de lã,
se me dá arrepios
o calor do verão,
e,
quando ando
a esmo pelas ruas,
vou de viés,
em tom de valsa,
com os pés
enchendo os hiatos,
pois,
não tenho pressa,
e, em alguns dias,
me dão mais alegria,
que samba e pagode,
rapsódia, fado, tango e bolero,
e não almoço
porque é meio-dia
se não pede a barriga,
e, quando como,
prefiro torresmo e chouriço
ao peito de frango,
e antes bebo uma pinga,
e me deito às duas,
às três,
às dez,
se me autua a fadiga,
e nunca espero
até ter o que quero,
vou mesmo indo
pelo que posso,
não me diga
que sou louco,
só por isso,
é muito pouco;
nem que vivo
no mundo da lua,
somente porque
sua vida-padrão não receito,
quase sempre
desconsidero a razão
em prol do peito,
e não fico
automaticamente feliz
só porque o dia é de sol,
e falo com quem
você não ouve nem vê,
assisto tevê
sem imagem nem som,
escuto o batom
quando ela me diz
não ter nada a dizer,
e sinto,
sinto muito,
mas,
pelo que não fiz
e podia fazer,
e minto,
minto sim,
se assim
não faço sofrer,
ou, ainda,
porque faço caretas
e dou infindas risadas,
quando a coisa anda preta,
e faço uma nova piada
a cada nova mutreta
e não sugo nada,
enquanto
tantos outros
se fartam nas tetas,
por exemplo: você;
ou, então,
porque nas mãos da viola
meu coração
percorre a canção,
enquanto,
você corre,
"terras do seu reino
em vão",
se esfalfa, se esfola
atrás do tal corpo são,
sem perceber
que, mesmo assim,
não resolve a questão!,
e esqueço a vida,
a lida,
carteira assinada,
aposentadoria,
mulher, crianças,
quando,
em dia de treino,
fico cheio de euforia,
grudado à arquibancada,
no campo do meu Mengão,
hipnotizado
pela bola que dança,
é muito pouco,
torno a dizer;
bem,
se você não vê
que pra escapar
das tramas dessa rede,
pra não deixar
que se quebrem os elos
com os trancos
e arrancos desse trem,
você tem que cantar,
fazer graça,
de jeito que jorre
o que resta da alegria,
tomar um porre por dia,
combinar,
mesmo na raça,
e por todas as praças
de norte a sul,
azul, branco, verde, amarelo,
preto e vermelho,
bem,
se não vê!,
o louco é você!