quarta-feira, dezembro 23, 2009

Carioca cem por cento

Sou carioca,
carioca cem por cento,

moreno,

franzino desde menino

mas,
desde pequeno dou banda
e dou banda até em pé-de-vento,

pra mim,
qualquer hora é hora
e não tem tempo ruim,

bem,
não é bem assim
porque me arrepio
e choro até
só de pensar
nas cheias do Rio
que são cheias demais,
mas,
eu sou freguês
que moro num barranco
e uma vez
levei um tranco
e escapei por um fio
e boiando num sofá,

dá pra acreditar?!,

quando chego
ao conchego do lar
mamado e tonto,
sou obrigado
pelo meu pessoal
a cruzar o corredor,
e um polonês original,

quem diria...
corredor importado
em moradia de pronto!,

por outro lado,
ando pensando
naquele gato
estimado até no soçaite,
aquele gato que não mia,
Light,
e até que não é muito caro,

porém,
pensando bem,
socialite é socialite
e cana não é coisa pra bacana,

no verão,
escancaro a geladeira
que vira ar-condicionado
porque
não tem nada pra gelar
e a galera
se aglomera na cozinha,

paletó
só o de madeira
e uma vez só,
e assim mesmo
porque o morro
faz uma vaquinha,

nosso cachorro,
o Torresmo,
uma hora,
é vigia
e fica de olho
do lado de fora,

outra hora,
quente,
é a alegria da gente
do lado de dentro,

e vai sem molho,
sem sal e sem coentro,

mas,
não peço arrego
e vou cobrando a falta,
a falta de emprego,
e mal
não chuto não,
chuto direito e no canto,
no entanto,
não entro
de jeito nenhum
que atrás de um
vem mais de um milhão,

de quando em quando,
ponho a mesa na rua
que o sonho
da minha Teresa
é jantar fora,
e de Lua
o prato fica repleto,

agora,
a gurizada
vive numa boa
que tem o privilégio
de estudar no exterior,
o colégio não tem teto,

também não tem aula
que nunca tem professor,

e a gurizada fica por aí à toa
que comunidade não é zoo,
portanto,
não tem jaula,

e ociosidade é nitroglicerina,

e há tanto chamarisco
que a gurizada
corre o risco de alçar voo,

mas,
o domingo brilha
e eu me vingo,
entro de porre
na piscina da família,
a caixa-d’água de cem litros
com água de chuva
que em nós
como uma luva não se encaixa,

e presto atenção
especialmente no ladrão
que detesto baixa
e a gente não tem boia,

e a boia vem após,
a bem dizer,
outra etapa do regime
e desse regime
a gente não escapa,
e regime assim é de doer,

por fim,
lá pelas cinco,
zinco pegando fogo
e torrando meu miolo,

no bolo tiro o nove
e a bola rola,

e transpiro
mais e mais
que está em jogo
o futuro do meu time,

descer ou não descer,
eis a questão!,

e torço,
torço duro,
aliás,
sou dureza por inteiro,

mas,
meu time
não sai do chove-não-molha,

o nove
afunda na banheira
e o bandeira não dá mole,
na defesa,
o zagueiro não se move
e o goleiro engole um frango,

e meu time se ferra,

e alguém berra:
“olha a segunda divisão aí, gente!”,

que essa gozação
é frequente por aqui,

e já não me zango
que uma vez
me zanguei demais
e parei
na mão do samango
e acabei no xadrez
e lá fiquei
bem mais de um mês!