Eu quero dizer besteira
sem pagar multa,
eu quero falar
sem pensar na forma,
na norma culta,
eu quero dar rasteira em dia de branco,
pernada no banco,
e banda na conta de água, luz e gás,
e esquecer a prestação
que cada dia mais avulta,
eu quero usar trevo na orelha,
palito de esguelha na boca
e a unha do mindinho
bem grande,
eu quero aquela vizinha
louca e gostosa,
toda dengosa e parada na minha,
mesmo que seja só
por culpa do vinho ou do brande,
eu quero não ter dó da vovó
que caiu na mumunha do lobo,
eu quero ver
o Zorro fazer papel de bobo
diante do Sargento Garcia,
eu quero ver a patroa
fundir a cuca
e ficar maluca
porque botei o esporro em dia,
fui curto e grosso,
e cem por cento franco
ao falar de adultério,
eu quero levar a sério
romance com uma vadia
e ficar de amor até o pescoço,
eu quero andar pra trás
quando quiserem que eu avance,
tomar porre
sem ter alguém tomando conta,
criticando minha vida tonta,
eu quero que jorre paixão do peito
a despeito de ficar sujeito
à dor-de-cotovelo,
eu quero implorar, chorar, fazer apelo
quando estiver fraco, dividido
e me sentindo um caco,
eu quero ser aplaudido
quando for pego me iludindo,
e que acreditem
quando nego,
mesmo mentindo,
eu quero bater palma
pra maluco dançar,
eu quero poder perder a calma
quando alguém pisar no meu calo,
eu quero pegar um bloco de embalo,
sumir por aí
e nunca mais voltar!