terça-feira, abril 12, 2005

Malandro da Lapa

Já foi a Lapa a praia do malandro,
e muito tapa, rabo-de-arraia e rasteira,
capoeira era a tradição
e a arma predileta,
sempre usada
com a discreta distinção
de cavalheiros que duelam
e não apelam,
e o malandro gingava
com passadas assinadas,
parecia subir a ladeira
com uma taça de vinho
em cada mão,
e varava a boêmia madrugada,
bem penteado,
barba escanhoada,
malandramente aparado o bigode
e sublinhado por um prudente sorriso,
cá entre nós,
malandro que é malandro
não dá bandeira
dando gargalhada
nem sorriso franco,
a calça era de linho branco,
e marcada pelo vinco
feito com afinco
por passadeira particular,
o cinto era de couro bom
e assim o sapato creme claro e marrom,
bico bem fino,
e muito lustre pra cintilar,
a camisa de seda pura
era o requinte ladino,
que a seda navalha não talha,
e a cor era escura,
na cabeça o panamá
com ligeira inclinação,
que na sombra o olhar
fica muito mais denso,
o esmero do nó
na gravata importada,
do bolso do jaquetão
brotava o lenço grená
que esperava por elas,
as lágrimas dela,
e a flor na lapela,
ela não resistiria à oferta,
e,
nunca na hora certa,
ela,
salto bem alto, seis e meio,
vestido bem justo,
que o busto,
que o quadril
ameaçava romper,
mas não se atrevia,
a magia do decote,
que sabia ser gentil,
não em demasia,
a meia cor da pele
parecia um manto
pronto a repelir,
sem desestimular
carinhos precipitados,
cinta, ligas, ele presumia,
o casaco de arminho,
só para envolver
os ombros em mistério,
que o malandro
sempre decifrava,
luvas e bolsa de pelica,
o lume do cigarro
mantido a distância,
com elegância,
pelo charme da piteira,
que a nicotina
não podia macular os dedos,
aquele tom de batom,
sob medida para seus lábios,
e aquele perfume,
cujo nome o sábio malandro
tirava lá do fundo do baú,
e ele lhe oferecia a cadeira,
gestos típicos do paço,
o convite para dançar
era obra de um nobre,
o braço prendia a cintura
com a passionalidade
dos boleros fatais,
o coração vivia
o diálogo do corpo a corpo
e a orquestra se rendia
à galhardia dos metais,
por fim,
pouco antes
dos primeiros acordes do dia,
sobre o tapete carmim,
ele se despedia
com um ardente beijo na mão,
que demorava o bastante
para sugerir
que ainda não era
o derradeiro instante;
com a manhã,
vinha outra gente,
mas seu semblante
exibia o respeito,
que o malandro da Lapa exigia,
mesmo ausente!