sábado, abril 16, 2005

Sujeito prevenido demais

Que precaução danada,
de tão prevenido,
por dois vale o moço;
vive com as barbas de molho
e com a boca fechada,
assim,
mosca não entra
e não fica em apuros
por causa dos ouvidos das paredes;
como não é bobo,
antes de ter sede,
cava um poço;
joga verde pra colher maduro
e na missa se concentra só com um olho,
que o outro não tira do padre,
e desconfia até de vovozinha,
por baixo,
pode ser um lobo;
atiça o cão até que ladre,
que não morde o que late,
pelo menos,
enquanto ladra;
pra não dar sopa ao adverso,
se a vida lhe quadra um embate
e não há saída,
enfrenta com cautela
e apela pra caldo de galinha e água benta,
aliás,
seja o prego qual for,
não faz de modo diverso,
não prega sem estopa,
assim,
não se machuca;
por ser pato novo,
não lhe sai da cuca
a sabedoria do povo,
e não mergulha fundo;
como é um cara esperto,
quer estar certo
de que não vai pagar mico
nem levar um bico no futuro,
e, como será macaco velho um dia
e de velho morreu o seguro,
já não mete a mão em cumbuca;
já que afirma todo mundo
que gato escaldado tem medo de água fria,
ele não passa nem perto;
como um dia é da caça
e o outro é do caçador,
sempre teve pavor de caçada;
pra manter a disciplina,
combina o “dia de muito, véspera de nada”
com o “não se deixa pra amanhã
o que se pode fazer hoje”,
faz meia queixa
e come metade da maçã;
e, é claro,
prefere um passarinho na mão
do que dois voando;
vai devagar
porque quer ir longe
e a pressa é inimiga da perfeição;
com o hábito toma muito cuidado,
que ele faz o monge;
como ouviu falar
que um dia o cântaro fica na fonte,
nunca vai lá;
e não põe a carroça na frente dos bois;
mas,
como um homem prevenido vale por dois
e só era permitido
passar um de cada vez pela ponte,
aqui jaz agora esse rapaz!