quarta-feira, julho 13, 2005

Da noite pro dia

No começo,
apenas uma aragem
arrepia a relva serena,
mas,
da noite pro dia,
viram furacão e selva,
e nos fazemos selvagens,
deuses e canibais
que se adoram e devoram
no altar da paixão,
ocultos pelo véu espesso
que esconde o céu
e desfaz os pontos cardeais,
e nos fazemos animais
que não precisam saber quem são,
nem quando,
como,
pra onde vão,
que se a vista não vê rumo,
a pista segue o faro,
se é raro o cheiro
e caduco o olfato,
a boca vai atrás do sumo,
se se apouca o suco
ou mais nenhum se segrega,
o tato fica a cavaleiro,
toca a mecha de mato a mão
e se abre a brecha,
sem corte,
sem ferida,
se o contato não é bastante,
à lida a audição se presta,
se nada mais resta,
nos leva adiante a intuição,
e nós vamos,
e estamos seguros,
na mata fechada e escura,
só nós dois,
eu preso em você,
você presa em mim
e libertos em nós,
e qualquer clareira,
um simples portão aberto
é aperto no peito e clausura,
então,
até canção das aves
tem jeito de tristeza,
mas,
de repente,
reagem,
rugem as feras,
leão, leoa,
e ecoa o rugido,
o apelo ressoa pela mata
e a mensagem chega aos pêlos
que se eriçam;
na vez das cobras,
se dobra a razão aos venenos
que nas veias se atiçam
e vão ao coração,
insegurança, ciúme,
do cume mais alto
ao vale mais profundo,
do riso ao pranto
a gente se lança
em menos de um segundo,
um salto,
se tanto,
tudo é incerto
e o tempo avança;
um dia,
sem aviso ou explicação,
calmaria e deserto.