terça-feira, julho 05, 2005

Dia sem alma

Mais um dia assim,
sem alma,
com esse pranto azedo,
esse medo
que arde dentro de mim
e me causa tantos traumas,
e choro,
deploro tanto
mais esse dia inválido,
esse sol pálido
que nega ungüento
às feridas da manhã,
esse meio-dia sórdido,
que se nutre
no mórbido prazer
de me oferecer esse vazio,
essa tarde malsã,
absorvida pelos ventos
de uma noite histérica,
esse sangue frio
da madrugada sanguinária,
que prenuncia a morte
de mais um dia,
mais um dia
dessa gente periférica
e solitária,
seminua e pés descalços,
entregue à sua sorte,
gente que arrua pelos guetos
com seus haveres parcos,
que o ter é assimétrico,
e com seus talismãs
e amuletos falsos,
e seus beberes tão amargos
e outros vícios bem mais tétricos,
mais um dia
em barcos inúteis,
que as velas vazias
não nos levam ao porto,
mais um dia
de doutores fúteis
em vestes alvas,
passando ao largo da peste,
do corpo quase morto,
de senhores macabros
que enchem o coração
com seus descalabros,
com esse branco pus
posto em salva de prata,
mais um dia
de tantos pastores
pregando essa fé barata
que ignora as dores da cruz.